Eu estava lá e sei como tudo começou. Do silêncio absoluto ao caos definitivo, da massa amorfa candente desabou uma chuva negra de pedras crepitantes ao som trovejante de mil dragões cuspindo fogo pelas ventas da terra que nem Terra ainda era. O chão em convulsões infinitas, pés trôpegos não têm para onde correr.
Um minuto durou mil anos que duraram um minuto, porque não havia como medir o Tempo. O cheiro acre da morte prenunciava que a vida estava a caminho, só ia demorar um minuto. Um dia ainda noite, alguém acendeu a luz.
Das fossas fumegantes emergem criaturas que rastejam pelas planícies, sobem as montanhas, voam sobre selvas em busca da carne sadia. Podia-se contar estrelas, plantar girassóis, dar letra ao homem. E ele criou o riso, a dança, a poesia, porque tinha alegria, alma e sonhos.
Mas criou também a mentira e o ódio, cheio de dor e angústia, medo e fel. E veio a peste e depois a guerra, e pais choraram pelos filhos.
Sempre foi assim e assim será sempre.
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Será sempre assim porque assim sempre foi. Depois da guerra veio a peste, e filhos enterram pais. Mentira e ódio levaram a alegria, a poesia, os sonhos e a vida. Não se contam mais estrelas, não se plantam mais sonhos, não se colhem mais girassóis.
Uma noite ainda dia, alguém apagou a luz. Do báratro rebenta gente que corre pelo asfalto, sobe o morro, sobrevoa a selva, em busca da carne vadia.
O cheiro doce da vida prenuncia que a morte está a caminho, vai levar só um minuto. Um minuto que dura mil horas que duram um minuto, porque não há tempo a perder.
Da massa amorfa escura vem a chuva negra de granizos perfurantes ao som replicante de mil bocas de aço cuspindo fogo pelas fendas da alma que nem vida é. Sobre o chão trepidante infinitos pés em convulsões não podem mais correr. No caos absoluto o silêncio definitivo.
Eu não estava lá, mas sei como tudo acabou.