Não me tem bastado dizer que a natureza humana é isso, que o homem
é aquilo, porque fico com a sensação de estar me repetindo - e estou -, e também com a de que o leitor está cansado de ler sempre a mesma coisa - e está. Pois bem, os
dois últimos posts serviram como balão de ensaio para uma reflexão ainda mais
funda. Por que o homem vem se comportando de maneira tão antissocial, quando
ele é justamente um ser que só sabe viver em grupo? Algo está errado! A conversa
de hoje caminha em duas direções: a causa dessa animosidade explosiva e o que
a potencializa.
Não é só no terreno político que este
comportamento rancoroso tem se manifestado com mais veemência. No campo esportivo também, e na ciência, na cultura, no cotidiano, onde qualquer debate
dentro de regras civilizadas se transforma, num estalo, em zona de guerra. Essa
conduta tem duas variáveis bem distintas: se a casa estiver pegando fogo,
ou o sujeito continua ajeitando o nó da gravata, ou ele atira o gato nas
chamas. No primeiro caso, alienação, no segundo, violência. É com esse que eu
me preocupo. O gato também.
As ciências sociais debatem as consequências dessas atitudes
destemperadas, mas estou em busca da origem. Ao usar o reino animal como ponto de
partida, afinal, somos todos animais, a resposta também não está lá. Todas as
espécies fazem o que fazem não por maldade, mas por necessidade de sobrevivência, porque não têm escolha, é da
sua natureza. Entre os mamíferos observa-se até mesmo
uma “solidariedade desinteressada”, ausente nos humanos, quando uma da espécie
ou o grupo socorre seus pares de um predador, ou se um deles apresenta alguma
dificuldade, um atolamento inesperado, uma cria perdida, ou na defesa em bloco
ante a iminência de um ataque.
Ocorreu-me então que um caminho a explorar seria o da genética, bem
a propósito nesses tempos virulentos (em sentido duplo). Tanto quanto a Neurociência, a
Genética é uma das áreas que mais investe no estudo da Saúde mental e
corporal, e do Comportamento. Obviamente que outros fatores exercem influência
no processo de modelagem do homem - sociais, psicológicos, históricos,
culturais, religiosos, etc. “O fenômeno da violência é
multifatorial”, diz o cientista Jari Tiihonen, do Karolinska Institutet, da Suécia, que liderou uma pesquisa nessa área com a população
finlandesa.
De acordo com os resultados das pesquisas, publicados na
revista científica Molecular Psychiatry, os genes MAOA e CDH13
estão presentes em 10% dos criminosos violentos, e aumentam em muitas vezes os
riscos de uma pessoa se tornar violenta. O genótipo, porém, não é frequente na
população em geral, razão pela qual os autores entendem que os genes não podem
ser considerados determinantes da criminalidade. Apesar de os estudos terem começado em meados dos anos 1990, na Holanda, as recentes investigações parecem
confirmar a associação destes genes e sua comunicação com os neurônios.
Diferentemente dos animais, o homem pode escolher não riscar o
fósforo. Se não tem necessidade disso, por que o faz? Tiihonen esboça uma explicação:
Há muitas coisas que podem contribuir para a capacidade mental de uma pessoa. A única coisa que importa é a capacidade mental do criminoso para entender as consequências do que ele está fazendo e se ele pode ou não controlar o próprio comportamento.
Christofer Ferguson. da Stetson University, da Flórida, salienta que não há um ou dois genes que possam, por si só, representar um código para a violência: “De alguma forma, somos todos produtos da genética e do ambiente em que vivemos, mas não creio que isso nos tire a capacidade de discernir entre o certo e o errado”. Se Nietzsche falava em Genealogia da Moral, podemos falar em uma genealogia do mal? Se Hannah Arendt falava em Banalidade do Mal, como podemos conter nossa propensão para o mal? Se Bauman falava de Cegueira Moral, como podemos achar a rota de correção? Quando a Psiquiatria se une à Biologia e à Neurociência, muitas questões podem vir à luz. O quanto somos influenciados pelo ambiente?
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Para Kant (ele não poderia faltar), o homem é naturalmente afetado pelas boas e más
disposições, e só se torna mau por sua livre vontade como um meio para a
autossatisfação (sublinhado meu). O bem e o mal, na concepção kantiana, são princípios que
subsistem por si na natureza humana e influem na formação do caráter do homem.
Kant propõe que o homem é organizado ou predisposto para o bem, existindo, em
sua natureza, “uma disposição em que absolutamente nada de mau se possa enxertar”. Entretanto, ele defende
também que, para que a liberdade seja possível, é preciso haver uma tendência natural para o mal, ou seja, o mal deve existir como algo possível no exercício
do arbítrio.
Resumindo seu pensamento, e isso é fundamental entender, quando o homem submete o seu desejo à lei moral, ele é um bom homem; no entanto, se ele subordina a lei moral à satisfação de seus desejos, ele se torna um homem mau. A escolha de um fim implica a escolha dos meios para alcançá-lo. O mal não traz nenhum interesse para o ser racional por não ter nenhum valor intrínseco. O campo de exploração é vasto, e o objetivo hoje era mostrar que o mal, no homem, não é apenas um fator moral ou social, mas uma inclinação natural pautada também pela genética. Faltou discutir o que intensifica este comportamento, que fica para a próxima semana.
* Genetic background of extreme violence behavior. Molecular Psychiatry, 20:786-792. oct 2014.
Immanuel Kant, A Religião nos limites da simples razão. Lusosofia. Lisboa, 1995.
Immanuel Kant, A Religião nos limites da simples razão. Lusosofia. Lisboa, 1995.
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