Nosso espírito é permanentemente assediado por um exército de delírios, paranoias, visões, transtornos de toda espécie que às vezes nem percebemos. Ou não gostamos de admitir. Mas eles fazem parte da nossa personalidade, um traço marcante da psique, segundo Jung. Um mundo paralelo muito desconfortável. O problema é o que acontece quando esses distúrbios se manifestam.
Esse mundo paralelo que convive com o real
está abarrotado de teorias conspiratórias, fantasmagorias, alucinações, doppelgängers (alucinações consigo mesmo), doenças imaginárias, delírios persecutórios e sensação de estar sendo vigiado. Você sabia que 94%
das pessoas afirmam se sentirem observadas o tempo todo?
Casos mais severos a medicina identifica como esquizofrenia, insanidade, psicose.
O psicanalista Bion reforça que, por mais evoluído que seja, o ser
humano contém potencialmente mecanismos mentais e respostas derivadas da
personalidade psicótica, que se expressam como uma séria hostilidade
contra o aparelho mental, a consciência e as suas realidades interna e
externa.
As origens dessas perturbações são as mais
variadas, endógenas e exógenas. A Psiquiatria, a Psicologia, a Psicanálise, as
Neurociências em geral atendem essa psicopataologia. As alucinações e as
psicoses são as mais comuns, e denotam um conflito entre o ego e o mundo
externo - dissociação, distorção e rejeição da realidade. As fendas surgidas
dessa fratura abrem espaço para novas representações, consoantes as exigências
internas particulares do indivíduo.
Por que estou dizendo tudo isso? Por
óbvio, porque esse quadro sintomatológico tem sua particularidade na Ufologia,
ocupando todos os espaços: abduções (sequestros), vozes, mensagens
psicografadas, aparição de entidades, viagens interdimensionais e temporais, sinais
cutâneos, implantes, sequelas físicas e experiências oníricas, sexuais ou não,
tomadas como verdadeiras, além das citadas acima, isoladas ou em conjunto.
Isso vale não só para contatados, testemunhas e abduzidos como também, numa porção significativa, para os ditos ufólogos, o que é grave e lesivo.
Atenção agora: seria leviano generalizar a
casuística ufológica como sendo toda ela de cunho psicótico, mas alerto que uma
generosíssima fatia com certeza é. Os casos que não se encaixam nesse perfil
estão sob a tenda da ilusão, da fraude, da farsa, da mentira, do logro e da
mistificação. Quer dizer que não
existem casos autênticos? Não sobra nada? Não. Quando sobra, é porque foi muito
mal investigado, levando a resultados inconclusivos ou servindo a interesses
convenientes.
Imagino alguns leitores surpresos e
outros, desconfiados, mas tem muita gente esperneando ou escarnecendo com
tamanha "heresia". Lembro, entretanto, que, enquanto persistir esse
cenário fantasioso, circense e delirante, a ciência e a academia jamais abrirão
suas portas nem para os bem intencionados. Isso só será possível quando se
cumprir a recomendação do crítico literário Antonio Cândido (aqui parafraseada:
"Fecundar o ensaio acadêmico com a especificidade da narrativa ufológica
e, ao mesmo tempo, enriquecer a visão crítica dos fatos através da formação
universitária."*
Esse tem sido muito modestamente meu
compromisso permanente, mesmo sem a necessária formação acadêmica, qual seja, o
de sedimentar sólidas pontes de conhecimento entre campos tão distintos e
diametralmente opostos. É preceito fundamental do saber o estudo
transdisciplinar sistemático e continuado da matéria-alvo, a terapêutica mais
eficaz para conter a sangria desatada da ignorância. Afinal, sem bússola,
nenhuma embarcação se lança ao mar.
______________
* "Fecundar o ensaísmo acadêmico com a clareza do texto jornalístico e, ao mesmo tempo, enriquecer a visão crítica dos fatos através da formação universitária". Exercícios críticos. Leituras do contemporâneo. João Cezar de Castro Rocha. Argus. 2008. p. 25.
SACKS, Oliver. A Mente Assombrada. Cia.
das Letras. 2013.
JUNG, Carl G. Psicologia do Inconsciente.
Vozes. 1980.
BION, Wilfried. R. Estudos Psicanalíticos
Revisados. Imago. 1984.
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