Junte o que
dizem Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo, Theodore
Dalrymple em Podres de Mimados, Gilles
Lipovetsky em A Era do Vazio e Jean Baudrillard
em A Ilusão Vital e O
Paroxista Indiferente, e, de quebra, o “mundo líquido” de Bauman, só para ficar nos mais contemporâneos, e você terá a exata noção do que é
uma geração de gente ressentida, egoísta, infantilizada, desregrada,
insensível, desnorteada, desinformada e não pensante, verificável a qualquer tempo e
lugar. O que sustenta esse corpo é o tripé formado pelo individualismo,
narcisismo e exibicionismo midiático. O que se constata é que a sociedade atual
se organiza através da lei da renovação acelerada, centrada na efemeridade e no
apetite pela novidade, tendo como signos a sedução, a
indiferença e o consumismo, principalmente. Parece que estou sendo
repetitivo em relação a posts anteriores, e estou mesmo.
Lipovetsky
concebe o poder pela sedução manipulada pela informação, multiplicação e
ampliação do leque de opções hedonistas à disposição do sujeito consumidor. A
indiferença é constituinte da personalidade pós-moderna não pela falta, mas
justamente pelo excesso de escolhas, determinado pela apatia e desapego do
indivíduo. O interesse de hoje amanhã não será. Desaparecem os vínculos
com os valores morais e sociais tradicionais, a preocupação com a res publica – a
coisa pública, a sociedade, o próximo. A deserção generalizada com a esfera
coletiva abre espaço para o narcisismo despontar onde o ambiente privado passa
s ser o centro, sem limites.
Nessa
sociedade metamórfica, o indivíduo está submerso em seu universo particular de
subjetividades, representações e experiências, resultando um rearranjo nas
relações entre pessoas, entre elas e o mundo e na visão de si mesmas. Para
Debord, “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social
entre sujeitos, mediada pela imagem”. Para Baudrillard, a imagem não passa de um simulacro.
Outro ponto de consenso é a pós-modernidade trazendo um novo quadro de
desigualdades e formas de dependência, fazendo surgir um personagem – o
hiper narciso –, engajado muito mais em práticas grupais na busca de prazeres
efêmeros como fuga da dor da solidão e da finitude.
Debord
condena esse espetáculo desmedido da imagem, a alienação e a massificação banal
(encenação), enquanto a imagem hiper-real – o virtual mais real que
o real – de Baudrillard atesta a desrealização do mundo e o fim
do “in-divíduo” – o não divisível. É aí que a imagem tem função
gregária, gerando laços sociais e criando micro grupos, circunstanciais,
transitórios, superficiais e convenientes, de pessoas com a mesma
(des)identidade que vivem uma sucessão de instantes eternos assentados no
prazer. Sendo a imagem um simulacro, uma ilusão, o que está lá já não está mais
lá, é só um instante fugaz do passado enquadrado pelo presente.
Não estou
mais falando de fanatismo e barbarismo, mas daquilo que pode ser a sua
semente e seu nutriente. Estou falando do narcisismo extremado do sujeito que
só quer – na verdade precisa – aparecer, ser visto,
filmado, fotografado, incensado, sair do anonimato e da total irrelevância pra um protagonismo infantil e banal. Quer ser celebridade, expor o
que pensa ser seu rosto ou será solenemente ignorado, sucumbindo na solitária,
pobre e falsa imagem de si. Estou falando do jovem que ameaça matar
inocentes apenas para “fazer história na comunidade”, ciente que a mídia se
encarregará de fazer repercutir o espetáculo da insanidade.
Estou
falando da garota que expõe glúteos e outras anatomias com
a “sensualidade” de um prostíbulo; estou falando do imbecil rancoroso
que destila preconceito e hostiliza o outro com calúnias, leviandades,
intolerância, crispação, ódio e impropérios gratuitos. Umberto Eco sangra a
ferida ao dizer que a internet alçou o idiota da aldeia a porta-voz da verdade.
Nelson Rodrigues, muito antes dele já dizia, cáustico, que a
tragédia virá quando os imbecis se darem conta de que são maioria. A marcha dos
irresponsáveis está em curso. Quando tudo é vaidade, o que sobra é
silêncio.
Estou
falando dos medíocres que, em nome de sua ideologia, arreganham os caninos,
babam e mordem, incentivando ferocidade e baderna; estou
falando dos celerados que desafiam gangues rivais para um suicida confronto de
forças. Estou falando do sujeito que, nada tendo a dizer ou mostrar, exibe sua
absoluta nulidade com opiniões vãs, taras, futilidades, obsessões e estupidez.
O bem se manifesta sob uma fina camada de cultura, portanto, externo ao homem;
o mal é matéria bruta visível, inerente ao homem. Qual face está lá, a
higienizada das redes ou a nua, sem retoques? Dê uma espiadela no panorama do
mundo e a resposta salta.
O problema
não está na rede, mas no uso que se faz dela, uma criatura de um só corpo, múltiplos olhos e infinitas vozes. Uma vez investindo exclusivamente em si e
em interesses pessoais, caem por terra as relações humanas, o afeto da presença,
a empatia, o debate renovador e o diálogo produtivo. Nessa contrição do ser, a
tendência é sentir-se cada vez mais só e vazio por não saber desprender-se de
si. Por faltar-lhe um rosto, procura-o em vão nesse mar de falsos espelhos que
é a sua tribo, um exército de clones entreolhando-se capturados no tempo. Eis
aí o comportamento de manada tantas vezes citado
aqui. Quanto mais o gueto cresce,
mais o rosto desaparece. Quanto mais o sujeito se quer diferente, mais igual aos
diferentes será; sendo sempre ele mesmo, será diferente por não encontrar outro
igual. Então terá seu rosto.
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