Obras

Obras

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Adeus, “bons tempos”. Renovar é fundamental





      É muito comum, numa roda de amigos da “velha guarda”, alguém vir com o bordão do “bons tempos aqueles...”. É a deixa para esquentar a conversa em torno de vários assuntos – política, trabalho, casamento, educação, relações humanas, futebol e muitos outros. Em um cenário de incertezas, insegurança e vertiginosas transformações sociais e culturais como esse que estamos vivendo, a ideia de que “no passado tudo era melhor” ganha força e resgata o espírito saudosista de muitos.

Nesse papo de bar, um tema que inflama os ânimos diz respeito à velha ufologia, aquela do período dos anos 60 a 80, que reunia os pioneiros e indômitos desbravadores que, sendo ingênuos, não mediam esforços em busca de desvendar os mistérios daquele que seria chamado “o enigma do século”. Havia uma atmosfera de seriedade por parte da maioria, investida do desejo honesto de esclarecer os fatos. Mas os tempos mudaram e não se pode voltar ao passado, até porque ele naufragou num oceano de erros.

 Atenção aqui, “ingênuos” não é a mesma coisa que “tolos”. Ingenuidade aqui tem o sentido de sinceridade, lisura, honestidade e simplicidade – no que diz respeito à compreensão do fenômeno, reduzindo-o à mera presença de “naves extraterrestres e seres alienígenas” como a única explicação possível. A prematuridade das ações (e precariedade de conhecimentos) e a imperativa necessidade de respostas não os faziam perceber o engano em que estavam incorrendo. Para alguns dessa velha guarda, foi a era “romântica” da ufologia, romantismo que não tem mais espaço há muito tempo. Embora a “era moderna” dos discos voadores tenha se iniciado em meados do século passado, na verdade a ufologia nasceu no contexto da pós-modernidade, e é dentro dessa moldura que ela deve ser analisada. E o “romantismo” está atrelado ao moderno, não ao pós-moderno, por isso um e outro são inconciliáveis.


O trabalho está só começando 

Então, alguém pode perguntar: Que Ufologia se pratica hoje? Melhor perguntar: Qual Ufologia deve ser praticada? Não duvide, a resposta propõe extrema dificuldade para a plena execução de uma “novíssima” ufologia. Em tempo: este escriba também é das antigas, também cometeu erros, por ingênuo, portanto, fala com conhecimento de causa. Pelo menos não parou no tempo, não se acomodou; ao contrário, se recicla e se renova permanentemente, inquieto, insatisfeito, com insaciável apetite e sede de saber.

A extrema dificuldade começa ao tentar dar uma resposta satisfatória e totalizadora de como se deve trabalhar com a ufologia nestes novos tempos. Trabalhar e, principalmente, pensar. Se tomasse como parâmetro o trabalho que acabo de concluir, teríamos pela frente 400 páginas a serem discutidas, o que é inviável. Sintetizar seria uma medida errada, iria confundir mais que esclarecer. Vou ter que confiar na capacidade do leitor inteligente de saber ler nas entrelinhas.

Seguramente, nada é simples ao tratarmos desse ou de qualquer outro assunto. Complexidade é nota dominante. Ao compilarmos dezenas de obras que esquadrinham o presente e diagnosticam um cenário emaranhado de possibilidades, torna-se lógico deduzir que qualquer resposta que se pretenda deverá ser, obrigatoriamente, complexa, e permanentemente revisada. E não é diferente com a Ufologia. Não há mais lugar para os prosaicos aliens e discos voadores nos dias atuais. É anacronismo em alto grau. A percepção de uma realidade que vai muito além das imagens e dos objetos há muito passou a fazer parte de uma conduta cada vez mais crítica e exigente.

Para aqueles que estão chegando agora ao assunto, ávidos por conhecer os meandros e os bastidores da “pesquisa” ufológica, sedentos por documentos sigilosos (se rotulados “confidencial” será a glória), sequiosos por achados reveladores ou informações privilegiadas, um conselho. Não, uma advertência: vá devagar, que o cristal é coisa fina. Não se iluda com as aparências dessa baboseira toda, que não passa de teatro de segunda. Poupe o fôlego porque vai precisar dele, acredite. Este que escreve tem quase cinco décadas de experiência. Não vá cometer os mesmos erros, trilhar os mesmos já desgastados caminhos onde todos que já trilharam estancaram no mesmo lugar e estão lá até hoje.

Os que perceberam que o beco era sem saída, os que tiveram a sensibilidade e a coragem para empreender uma jornada de autoconhecimento, estes se deram bem. Sim, leitor, ao deparar com a verdadeira face do “disco voador”, o que se lhe revela é a face de quem o olha. Delírio? Devaneio metafísico? Pois é, entender, e aceitar, essa possibilidade é o mesmo que sentar numa cadeira de espinhos. Em contrapartida, as perspectivas de crescimento são muito melhores, muito mais edificantes e muito mais enriquecedoras e, de novo, falo com conhecimento de causa.

Há poucos meses, participando de um encontro com pesquisadores franceses, em Paris, surgiu o dado relevante – mas não surpreendente, de que a ufologia daquele país já não veste mais o figurino do misticismo, do sensacionalismo barato, da revelação bombástica, tanto entre o cidadão comum como entre os próprios estudiosos. Não se ouve mais falar em contatos, abduções, mensagens de seres superiores, declarações oficiais, luzes noturnas e toda essa parafernália espalhafatosa tão comum na terra brasilis. Não, caro leitor, isso é coisa do passado, peça de museu. Nas sociedades culturalmente mais amadurecidas esse comportamento está desaparecendo. O patamar lá é outro, a visão crítica e lúcida é a linha mestra do pensamento e da prática investigativa. Quando alguém pisa fora desse quadro, revela um perfil deslocado no tempo e no espaço, condenado ao declínio e ao retrocesso intelectual progressivo.



Pesquisadores franceses em encontro com o autor 


Uma tapeçaria persa de saberes

Não são poucos os campos que se articulam e se interpenetram na construção de uma nova tese solidamente fundamentada. Entram em cena aspectos sociológicos, instâncias religiosas e culturais, contributos da Psicanálise, da Filosofia, Mitologia, História, ficção, imaginário, psicologia do comportamento, todas as vertentes da astronomia e da biologia, antropologia, neurociências e muito além delas, num verdadeiro colóquio transdisciplinar. Ou uma tapeçaria persa de saberes. Se acha que exagerei, espere só até dar de cara com a Semiótica, as tramas narrativas, os ensaios sobre narcisismo, alteridade, simbolismo, arte, cultura new age, etnologia. Ainda acha que estou brincando? Prepare-se para um denso diálogo com Sartre, Morin, Baudrillard, Lacan, Becker, Lévi-Strauss, Fromm e então saberá do que estou falando. Esse é o caminho inevitável para exercício da verdadeira ufologia. Não tem volta, é via de mão única.

Excelentes obras e renomados autores constroem uma literatura maiúscula, refinada, de gente grande para gente séria. Nela há lugar para infantilismo, choro, ilusão, preguiça, covardia e impostura. Não há intermediários, não há meias palavras, não há borrões, não há verniz. É tarefa para ambiciosos sem pressa e, importante, não é para uma só pessoa, mas para uma equipe, um grupo engajado de cabeças pensantes inteiramente desapegadas de individualismo e vaidade. Se não for assim, nada feito.

E então, está disposto a encarar esse desafio e promover uma revolução na pesquisa? Ou vai se esconder covardemente no que já está pronto para consumo, de qualidade duvidosa? Se sua opção foi a primeira, ótimo, arregace as mangas e seja bem-vindo, mas vou logo avisando que aqui não tem sofá.

Os bons tempos da velha e “romântica” ufologia ficaram guardados na memória. Provavelmente, éramos mais felizes em nossa ingenuidade porque acreditávamos fazer a coisa certa. Sem saudosismo. “Não recue ante nenhum pretexto”, dirá Nietzsche. É bem mais saudável encarar um caminho promissor de conhecimento e descobertas a permanecer encarcerado no vazio da zona de conforto das crenças preestabelecidas, das lendas, fantasias, superstições, oráculos, demiurgos, taumaturgos e curandeiros. E charlatões. Confie na sentença da poetisa: Sei que não dá para mudar o começo, mas se a gente quiser, vai dar pra mudar o final.

Oportunamente postarei aqui a sinopse da obra referida, muito bem acolhida pelo grupo francês, assim como informações quando da sua publicação. Por enquanto, quero provocar seu interesse deixando uma sugestiva amostra da bibliografia consultada, de um total de 140 títulos. Talvez você estranhe a ausência de livros sobre ufologia, mas se leu como confiei que leria, verá que o entendimento sobre o fenômeno Óvni não está mais nele próprio. A posição se inverteu, o olhar agora é de fora para dentro e de cima para baixo.


ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro. Forense Universitária. 2007.

BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Rio de Janeiro. J. Zahar. 2008.

BLOOM, Harold. Presságios do Milênio. Anjos, sonhos e imortalidade. São Paulo. Objetiva. 1996.

BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. Rio de Janeiro. Cia. de Bolso. 1978.

CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. São Paulo. Paz e Terra. 1991.

ECO, Umberto. O Signo. São Paulo. Editorial Presença. 2005.

ELIAS, Norbert. A Solidão dos Moribundos. Rio de Janeiro. J. Zahar. 2001.

FREUD, Anna. O Ego e os Mecanismos de Defesa. Porto Alegre. Artmed. 2006.

HORKHEIMER, Max. Eclipse da Razão.  São Paulo. Centauro. 2002.

LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio. São Paulo. Manole. 2005.

 MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, Ciência e Religião. Lisboa. Edições 70. 1984.

MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX - Neurose. Rio de Janeiro. Forense Universitária. 2007.

NÖTH, Winfried. Semiótica da Magia. Revista USP, nº 31. São Paulo. 1996.

PEIRCE, Charles S. A Fixação da Crença. Covilhã. LusoSofia. s/d.

THOMAS, Keith. Religião e o Declínio da Magia. São Paulo. Cia. das Letras. 1991.


Poderia a Mitologia explicar a Ufologia?  Uma reflexão.

postado em julho 2011

A Mitologia pode explicar o fenômeno Óvni? Essa é uma daquelas questões que demandam duas respostas aparentemente antagônica: sim, pode. Não, não pode explicar. Para entender porque elas não se excluem mutuamente, precisamos primeiro fazer um curto sobrevôo nas terras da mitologia para conhecer suas dimensões continentais, uma área tão vasta quanto a da nossa própria existência. Essa geografia representa a condição humana com todas as suas nuances, inquietações, medos, virtudes, humores, limitações e aprendizados. Sintetizando numa única frase, podemos afirmar que os mitos são narrativas de significação simbólica referentes a aspectos da natureza humana.
Mas um elenco de grandes autores nos oferece outras definições. Rubem Alves, por exemplo, diz que Os mitos são histórias que delimitam os contornos de uma grande ausência que mora em nós. [Joseph] Campbell vai além, postulando que não se trata exatamente de buscar um sentido para a vida, e sim o da experiência de estar vivo, de forma tão profunda que ressoa bem no íntimo de nossa alma e nos mostra a beleza dessa existência. Já para outro nome de peso, Mircea Eliade, referência mundial em estudos de mitologia, O mito é sempre uma criação por excelência, e revela a sacralidade do sobrenatural – a irrupção do sagrado no mundo, o acontecimento primordial. Muitos outros enriqueceriam indefinidamente os conceitos sobre os mitos.
Ao estudarmos sua cartografia, saltam aos olhos palavras-chave que expressam essa realidade: ausência, nostalgia, saudade, vazio, desejo, carência, uma eterna insatisfação, uma busca interminável, uma necessidade de algo inexprimível à razão, uma vã tentativa de voltar às raízes. Pode ser a busca de nossas origens ou da origem de tudo. Pode ser a procura de um conhecimentoou de um acontecimento, ou pode ser tudo isso. Os mitos são a ressonância destes anseios permanentemente ocultos na mente humana, de onde se produzem, por idêntico processo, os sonhos, as fantasias, os devaneios, a arte e a religião – formas substitutivas cuja finalidade é dissimular as verdadeiras moções pulsionais estruturantes do ser humano.
O que se conclui sobre os mitos é que eles foram criados para dar sentido e direção à vida do homem; não são uma invenção gratuita, não nascem da imaginação desenfreada ou de um capricho dos deuses, nem constituem forma de pensamento pré-científico. Eles são a expressão simbólica de forças vivas e atuantes que trabalham nos subterrâneos da psique. E isso é apenas o começo, mas nosso combustível, neste momento, não permite alcançar as fronteiras – se é que existem, porque sempre haverá um metro a mais de terra a ser explorada. O sobrevôo seria curto, alertamos. Antes de pousar, entretanto, é possível notar que existem tênues variações delimitadas nesse terreno, indicando outros tipos de lavoura. Vejamos do que se trata.
O leitor com espírito aberto e olhos atentos às entrelinhas já terá percebido que as falas da mitologia reverberam nos campos da ufologia – campos férteis em imaginação, fantasia e fabulação, provocando ecos que não se perdem no vazio, ao contrário. Além de olhos apurados é preciso saber ouvir o que tais ecos querem nos dizer: busca incansável? Retorno às origens? Vazio? Carência? Irrupção do sobrenatural no mundo? Uma rápida vista d´olhos no circo ufológico e lá está tudo isso. Sim, goste-se ou não, reconheça-se ou não, a mitologia pode explicar a ufologia. Em parte. Não pode explicá-la sozinha, e somente assentados em solo firme é que identificamos aquelas outras lavouras: antropologia, religião, filosofia, história, psicanálise, sociologia, compondo um instigante e enriquecedor mosaico transdisciplinar.
É aqui que começa a verdadeira pesquisa. É aqui que se dão as maiores descobertas. É aqui que o homem se mostra como realmente é, e não como imagina ser. Todos os nossos medos, todas as nossas inquietudes, todas as nossas necessidades, desejos e frustrações estão desveladas através das narrativas míticas e igualmente expostas nas narrativas ufológicas. Goste-se ou não, reconheça-se ou não.
A ufologia, por sua vez, social e culturalmente nascida num momento histórico transformador da humanidade (não por acaso), se conduz por um fluxo descontínuo de narrativas baseadas em eventos duvidosos, obscuros e não comprováveis, não contemplando, portanto, os requisitos básicos da pesquisa científica: rigor, estrutura, critério e método. Mas não é só por este viés que ela comete seus piores delitos e nem é nossa intenção trilhar este caminho. Ao se colocar ciência e crença na balança da verdade, uma coisa não pode ser refutada: o ponteiro se inclina sempre sob o peso da argumentação responsável, da autoridade reconhecida, da experiência respeitada e da evidência consolidada.
Assim como a mitologia se serve daqueles campos para explicar o objeto de seus estudos, a ufologia não só imprescinde deles como agrega, ao seu latifúndio, além da própria mitologia, ficção, astrobiologia, psicologia e outros tantos quantos forem necessários. O ritmo vertiginoso sem tréguas das mudanças do mundo, aliado ao volume ciclônico de informações exige atualização permanente. Os ventos dessas transformações sopram céleres, fazendo a curva do aprendizado crescer exponencial e cumulativamente. Com o advento da internet e da comunicação digital, assiste-se a uma revolução em escala planetária sem precedentes, por isso nada justifica mais uma atitude tão anacrônica de ingenuidade, credulidade fácil e ilusão, ainda mais quando se constata um movimento sinérgico, progressivo e global na revisão historiográfica corretiva dos fatos. A ufologia não está fora desse quadro.
Mesmo concordando com Vallée – Quanto mais luz projetarmos sobre o fenômeno, mais zonas de sombra estaremos criando, preferimos adotar um espírito mais arrojado e atender a um antigo desejo de Campbell: Até onde sei, ninguém tentou ainda configurar em um único quadro as novas perspectivas que abrimos nos campos do simbolismo comparado, religião, mitologia e filosofia, utilizando-se do conhecimento moderno. Ao encontrarmos paralelos e semelhanças indiscutíveis entre os mitos e o fenômeno Óvni na origem, estrutura, forma, estética, simbolismo e expressão, demos vida ao sonho de Campbell, abrindo novas possibilidades. E quitamos uma dívida conosco e com a Ufologia que prezamos.
Empreendemos, então, a tarefa de executar um amplo estudo comparativo entre ambos em Reflexões sobre uma Mitopoética (LivroPronto, 150 págs), obra a ser lançada brevemente. A abordagem sintética não compromete o apuro da análise, até porque vem norteada por nomes de primeira grandeza no cenário acadêmico e literário; além dos já citados, Zygmunt Bauman, Ernst Cassirer, Lévi-Strauss, Jung, Gilbert Durand, Lacan, os brasileiros Marilena Chauí, Régis de Morais, Antonio Novaski, Constança César e muitos outros emprestaram seus saberes, proporcionando um exame multifacetado e multiplicador. Nosso objetivo, enfim, foi inspirado em Antonio Cândido, um dos mais respeitados críticos literários da atualidade (parafraseado): Fecundar o ensaio acadêmico com a especificidade da narrativa ufológica e, ao mesmo tempo, enriquecer a visão crítica dos fatos através da formação universitária.

             As sombras do não lugar
   Excerto de"Reflexões sobre uma Mitopoética"

postado em julho 2011


Ao iniciarmos a discussão sobre o conceito de vida extraterrestre inteligente, ponto de partida para a crença na origem dos discos voadores e seres alienígenas, topamos com três questões ao mesmo tempo difíceis de serem respondidas:vidaextraterrestre e inteligente. Em relação a vida, será que tudo o que sabemos sobre a sua origem na Terra nos dá a certeza de estarmos no caminho certo? Presumimos que sim. A ciência faz o possível e o impossível para certificar-se de que suas teorias são as mais próximas da verdade, mas ainda pairam incontáveis dúvidas a respeito de tudo, e as especulações (de speculum – observar, refletir) não terminam.

Quanto à vida extraterrestre, não passa de suposição, pois não há nenhuma comprovação científica para o fato. O espaço é permanentemente vigiado por “olhos e ouvidos” atentos ao menor sinal que indique companhia para o baile cósmico. Até o momento em que estas linhas foram escritas, o silêncio é absoluto e parece que isso não irá mudar. A capacidade tecnológica do homo sapiens é indiscutível e irrefreável, mas, paradoxalmente, temos que conviver com a ignorância em outros campos. A descoberta recente de uma forma de vida surpreendentemente incomum como a bactéria GFAJ-1[1] revelou aspectos interessantes: a vida oferece variações impensadas para a sua adaptação em ambiente adverso, e sinaliza, apenassinaliza a possibilidade de que a vida tenha proliferado espaço afora, ainda que na esfera dos microorganismos.

Em terceiro lugar, o “problema” da inteligência é o mais complexo. O tempo a ser decorrido entre aqueles prováveis organismos unicelulares e a mais elementar forma de vida inteligente se estende em torno de 500 milhões de anos. Não vamos mergulhar no universo das neurociências para compreender o mecanismo da inteligência, pois o que nos traz aqui são os processos mentais que devemos utilizar para pensar sobre o “não-humano”, o extraterrestre.

A questão é como ordenar tais processos sem recorrer aos padrões, valores, parâmetros e princípios humanos? Impossível? Absurdo? Se estamos falando de algo não terrestre e queremos entender como é possível que exista esse algo, precisamos abandonar todos os condicionamentos intelectuais que norteiam nosso saber. Se realmente a vida for uma anomalia terrestre, um acidente, uma singularidade, então qualquer outra vida, inteligente ou não, é uma quimera, decretando o fim dos devaneios ufológicos. No entanto, se imaginarmos que haja uma única civilização avançada o suficiente e perto o bastante a navegar pelo cosmos, então podemos prosseguir na divagação Se a existência dessa única civilização já seria algo extraordinário, imagine dezenas espalhadas por aí como defendem os ufólogos.

A partir dessa possibilidade, é perfeitamente natural pensar que “lá” também deva existir uma complexa engenharia aeronáutica, fábricas de discos voadores, linhas de montagem, máquinas, operários, técnicos, pilotos, simuladores, aparelhos eletrônicos, automatismo. Ferramentas, logística, hangares, manutenção, oficinas, sucatas, restos, lixo, talvez até reciclagem. Se prosseguirmos nesse exercício, aos poucos, sem perceber, estaremos entrando inapelavelmente para o terreno da fantasia e da ficção.

Se nossos vizinhos cósmicos tivessem aparência menos humana e mais humanoide, o quadro não mudaria. Eles precisariam ser muito diferentes, totalmente diferentes para que então também pudéssemos pensar de maneira diferente. Convenientemente, entretanto, não há registros de criaturas com aspecto androide, robôs, rastejantes, artrópodes ou disformes, repugnantes ou aterrorizantes, Pois se de fato houver vida em abundância espaço afora, será menos surpreendente se for semelhante, em aparência, aos mais criativos e bizarros produtos da imaginação.

Pelas leis da natureza, onde há vida há nascimento, crescimento, degeneração e morte, logo, podemos supor que alhures existam aliens bebês, crianças, jovens, adultos e idosos, sexuados, o que sugere a mais complexa estrutura de organização social, ao feitio da nossa civilização moderna: casas, escolas, hospitais, ensino, medicina.... Não há como articular um raciocínio diferente. Não podemos imaginar que tudo funcione apertando botões, e ainda que fosse, deverá haver uma “fábrica de botões”, fios, máquinas, operários, engrenagens...

Após avaliarmos em conjunto todas as variáveis incorporadas nesse raciocínio, o que pode ser mais inconcebível do que acreditar que exista uma civilização tão extraordinariamente semelhantes à nossa? E mais, próxima o suficiente para nos visitar com a frequência alardeada? Crer em tal possibilidade é deitar fora os mais elementares princípios de lógica. Se assim fosse, o debate religioso assumiria proporções vulcânicas: deixaríamos de ser tão “especiais”, sendo não mais que uma espécie inferior na escala evolutiva do cosmos. As implicações culturais, sociais e psicológicas seriam difíceis de prognosticar, mas teriam sem dúvida um efeito devastador. Onde estaria nossa verdadeira origem? Seria possível administrar uma diversidade existencial tão profunda (lembrando que estamos divagando em cima de uma única civilização!)? É de se presumir que o choque psíquico não tem precedente na história humana.

Essas deduções assentam-se em nossos padrões mentais, vale repetir, mas acontece que estamos falando de algo não terrestre, não humano, e o que delineamos sugestivamente é um cenário com todos os atributos do mundo terrestre, humano, portanto uma evidente contradição. Se queremos pensar objetivamente e sem incoerências, precisamos enganar, ou “anular” o processo de construção mental que nos leva a estas conclusões. Como? Se tal civilização existir de forma diferente da que imaginamos, não temos como imaginar de forma diferente. E não há forma diferente de imaginar a partir dos elementos conhecidos para formular o pensamento. Não é um dilema, é lógica! Não há como ser de outro jeito! Para pensar fora do universo mental em que estamos presos, temos que nos deslocar para um “não-espaço”, um não-lugar, tal como o personagem Neo em “Matrix”, jogado no vazio para reformular toda a sua estrutura sensório-pensante. É o que faremos na segunda parte desta reflexão.

[1] A bactéria GFAJ-1 substituiu o elemento fósforo por arsênio na sua composição. Em que pese a previsível polêmica sobre a descoberta, a possibilidade deste fato abre perspectivas extraordinárias da viabilidade de vida em outros sistemas planetários.

           Atravessando o espelho mágico
      
                                    Excerto de Reflexões sobre uma Mitopoética

                                                            postado em julho 2011



     Esperando ter ficado compreendido, no segmento anterior destas reflexões, que a existência de vida extraterrestre inteligente é uma possibilidade bastante remota, diante da dificuldade de se conceber uma civilização tão incrivelmente semelhante à nossa – a única possível considerando os elementos que temos para imaginá-la. Explicamos também ser impraticável pensar de modo diferente, dentro das nossas estruturas mentais.

     A título de ilustração, vamos imaginar o clássico disco voador com a superfície polida, brilhante, com janelas, ruídos, luzes multicoloridas, pés retráteis e outras particularidades. Do veículo surge uma escadinha ou rampa por onde desce um tripulante com aparência humana, porte apolíneo, olhos “penetrantes” e semblante sereno, um autêntico “comandante”; acena e gesticula ensaiando uma comunicação, fala de maneira clara, firme, inteligível, fluente com o idioma local e demonstrando total conhecimento sobre nossa existência. Este exemplo não é uma fantasia, é a fusão das centenas de “contatos” colhidos ao redor do mundo. Com base nessa descrição, acrescida dos conceitos expressos na primeira parte, só podemos deduzir que estamos diante de uma civilização em tudo e por tudo semelhante à nossa, com diferença de alguns milhares, talvez milhões, de anos.

     O “comandante” obviamente se apresentou dignamente vestido, e portanto sua roupa exigiu um fabricante, maquinário e operadores e assim por diante. Ao falar no idioma local, qualquer que seja ele, presume-se conhecer o sentido das palavras, a gramática, linguística, a construção sintática, o significado das expressões, aprendidas através de um super aparelho tradutor ou decodificador da linguagem humana. Isso mais parece cena dos filmes de ficção B. Diga-se de passagem, a comparação não é gratuita.

     O cerne do problema está em empregar conceitos humanos para tentar explicar o que seria, à primeira vista, algo “não-humano” – uma cilada intelectual da qual nem a Ciência escapa, é preciso reconhecer. Arriscaríamos afirmar que este talvez seja o ponto mais importante no tratamento global da matéria, o útero de onde nascem todas as discrepâncias, todos os conflitos e todos os silêncios. Arriscaríamos dizer também que é uma questão vital para a continuidade de qualquer discussão nessa área.

     Pensar sem usar suportes humanos bloqueia o raciocínio, cria um aparente dilema, provoca premissas inválidas e paradoxais. No entanto é, no fundo, um magnífico mergulho para dentro do espelho e se tornar o reflexo imaginário de uma realidade inexistente, a única forma possível de entender – se for possível – do queestamos falando.



Atravessar o espelho e ser o reflexo imaginário de uma realidade inexistente?




     Pura filosofia, com jeitão de conto surreal. Por que o espelho? Porque ele possui um caráter temporal associado ao espírito da imaginação e à consciência, como veículo capaz de reproduzir os reflexos do mundo visível; e ao pensamento, como órgão de autocontemplação narcísica do universo. O espelho também está associado à verdade, quando confronta o si-mesmo: não é à toa que dizemos “olhe-se no espelho” quando queremos que alguém encare a verdade.


Reflexo imaginário de uma realidade inexistente?
     Pois imagine-se diante de um espelho no qual você se vê por inteiro e a tudo que o cerca. Aproxime-se, toque a ponta do nariz no reflexo, dê um passo à frente e – zás! – você desapareceu! Para sua surpresa e medo está agora do lado de ládentro do espelho, no vazio absoluto, no meio do nada, instante zero, negação do tempo, inverso da matéria, simulacro do real, espetáculo da criação. Não pode nem ver o lugar em que estava, porque não há nada a ser refletido, nem o espelho existe mais, e mesmo que estivesse esperando pelo seu retorno, você agora é apenas o reflexo daquilo que não pode ver!

     Como seu próprio reflexo imaginário, agora passou a fazer parte de uma dimensão supra-humana, inefável, onde nenhum paradigma é verdadeiro, nenhuma referência é válida e nenhuma verdade é definitiva. É nesse envolvente e mágico espaço líquido – o reino encantado de Magonia – que se manifestam os mitos, os sonhos, as fábulas e os discos voadores, e somente inserido nesse espaço e só nele é que se pode ter alguma chance de compreender a verdadeira natureza de cada um. Nele, seremos sempre imagem e reflexo daquilo que estivermos procurando.o.


             O fenômeno Óvni só pode ser compreendido a partir do conhecimento "sináptico".
O