Obras

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sexta-feira, 25 de agosto de 2017


O ECLIPSE DA RAZÃO

Na última segunda-feira, 21, o mundo assistiu a uma ocorrência rara que encantou e encanta crianças e adultos, leigos, amadores e amantes das ciências astronômicas e, claro, mobilizou milhares de cientistas com seus sofisticados equipamentos em busca do melhor ponto de observação. Você sabe, estou falando do eclipse solar, total em algumas regiões do globo e parcial em outras. Para muitos, porém, em pleno século 21 estes feitos significam algo mais "misterioso", ou servem para dar voz a bizarrias e excentricidades como, por exemplo, a Sociedade da Terra Plana (Flat Earth Society).

Esse fenômeno atravessa milênios, desde quando os primitivos o presenciavam com mais temor que fascinação e que, de alguma forma, marcou a história, a cultura, a política, a mitologia de muitas sociedades até os dias atuais: Nos países nórdicos, na China, África, Inglaterra, Vietnã, Coréia, as tradições orais e as cerimônias em datas específicas celebram a importância que os eclipses - mas não só - tinham e têm para esses povos. Mas há outros elementos ainda mais fortes que perpassam os grandes eventos celestes, os "sinais do céu" - as crendices, lendas e superstições, pressagiando as piores desgraças para a humanidade, ou o fim dela própria e do mundo: guerras, epidemias, pestes, mortandade, cataclismos, extinção da fauna e da flora, calamidades sem fim... E tem mais, você achou que a ufologia ficaria de fora desse festim cósmico?

Pois o jornalista mexicano Jaime Maussan acredita firmemente ter encontrado a chave para entender os UFOs: os eclipses! Numa entrevista para uma revista temática, ele afirmou: "Em 1991 descobri que havia uma relação entre o eclipse total do sol e uma profecia que encontrei no Código de Dresden¹, uma ata astronômica do período clássico dos maias. Fiquei impressionado com duas linhas dessa profecia, que falam que o eclipse será o momento de nosso encontro com os mestres das estrelas." Não foi coincidência que em 11 de julho daquele ano ocorre um eclipse solar total, mas, como nada aconteceu além do fenômeno, o assunto caiu conveniente e discretamente no esquecimento. Devo lembrar que este senhor é jornalista sem qualquer qualificação acadêmica em linguística e menos ainda escritas antigas, sendo mais um espertalhão oportunista amoral a ludibriar plateias e ouvintes leigos.  

Se levássemos a sério o que este senhor inescrupulosamente afirmou, o encontro com os 'mestres das estrelas' está atrasado em, pelo menos, 26 anos, o retorno de Quetzalcoatl, a divindade das culturas mesoamericanas, também apregoado por ele, não aconteceu e ainda ficamos sem saber onde está a tal chave para entender os UFOs. Já que mencionei desastres e tragédias, prepare-se: está previsto para 23 de setembro próximo mais um "Dia do Juízo Final". A notícia circula nas redes e nos sites escatológicos de bueiro, vinda de uma mixórdia de fontes com credibilidade zero: suposta profecia de Chico Xavier, interpretação de textos bíblicos, astronomia maia e, até Nostradamus pode estar metido nisso. Já perdi a conta de quantas vezes o mundo "acabou", e no dia seguinte tenho que continuar pagando as contas. Nossa civilização caminha mais rápido do que eu supunha para outro fim de mundo.

Não me refiro apenas aos conflitos geopolíticos locais e globais, às guerras civis explícitas ou dissimuladas, à insegurança generalizada, às intolerâncias e preconceitos de toda ordem. É mais que isso, é muito mais que isso, é uma engrenagem invisível e cavilosa: a incerteza do amanhã, a indiferença e o desrespeito do e para com o outro, a marcha crescente da irracionalidade e da irresponsabilidade coletivas, a delinquência intelectual, a fragmentação da identidade, a ruína moral e a corrupção da ética, a privacidade devassada e devastada, a ascensão das cavalgaduras, a proliferação da barbárie urbana, a contrainformação e a informação desvirtuada. A banalidade do mal em sua expressão mais covarde. A sociedade "líquida" de Bauman está se tornando "vaporizada".

O fim do mundo é todo dia um pouco, numa direção (auto)destrutiva irreversível. É o eclipse da razão, postulado por Horkheimer em meados do século passado, para quem o desenvolvimento dos meios de informação é acompanhado por um processo de desumanização, de tal forma que este mesmo progresso coloca em risco a sua finalidade última - a ideia de homem. Jung dizia o mesmo com outras palavras ao considerar que, ao magnífico desenvolvimento científico e tecnológico do nosso tempo corresponde uma profunda carência de sabedoria e introspecção, ou, se preferir, junte os dois e terá a alienação do indivíduo. O homem molda a sociedade, que modela o mundo, e ele está sendo destroçado. Eclipse total da razão.



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¹ Os códices maias, nome dado aos livros hieroglíficos por eles escritos, representam uma importantíssima fonte primária de informação sobre sua religião, observação astronômica e sistema de contagem de tempo, antes da chegada dos espanhóis no continente americano. Pelo fato de estes códices integrarem inscrições hieroglíficas com uma representação pictográfica e escrita fonética, o códice oferece as mais importantes informações sobre a prática religiosa e sua ideologia no período Pós-Clássico Tardio maia (1250- 1525 d.C.).  (periodicos.unb.br/index.php/textos/article/viewFile/936/603 acessado em
21/08/2017)
Max Horkheimer,  Eclipse da Razão, Centauro, 2002.


sexta-feira, 18 de agosto de 2017


PARA ENCONTRAR O SABER É SÓ SABER PROCURAR

Um amigo enviou dias atrás um link sobre a opinião do astrofísico aposentado Daniel Whitmire: Vida em outros planetas pode ter sido extinta após se tornar tecnológica. Não vou entrar no mérito da matéria, que é pobre, cheia de incorreções e achismos costurados através de um raciocínio sem qualquer fundamento teórico. Como este existem milhares que não estimulam a menor reflexão. Talvez eu comente sobre ele quando e se surgir a ocasião. O astrônomo despeja suas ilações a partir de crenças pessoais indefensáveis, como aliás toda crença é. Seu diploma não dá a credibilidade que ele talvez tenha imaginado, pelo contrário, depõe contra si e à casse. Enquanto algumas matérias descambam para a irresponsabilidade e a vigarice, essa ao menos foi só irrelevante.

Cada vez mais precisamos tomar cuidado com aquilo que lemos - notícias, dados, explicações, estatísticas, opiniões, ainda mais diante da informação massiva que assola a internet sem qualquer critério, sem falar das distorções maliciosamente tendenciosas e das cancerígenas fake news. O post A cultura da idiotia ficou restrito à ufologia, mas minha preocupação se estende para as esferas do social, da cultura, da política, da ciência, a todas enfim, mas se estendem, principalmente, ao futuro, e ele se me desenha sombrio, para não dizer tenebroso.

Os exemplos vão ao infinito, bem debaixo dos nossos narizes, comprovando as palavras de um dos mais notáveis pensadores do nosso tempo, o semiólogo, escritor, filósofo e doutor honoris causa em Comunicação e Cultura Umberto Eco (1932-2016), numa entrevista em 2011: "As mídias sociais deram direito à palavra a uma legião de imbecis que antes falavam apenas em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade. Agora, têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade. A internet não seleciona a informação (...) A internet ainda é um mundo selvagem e perigoso, nela tudo surge sem hierarquia. A imensa quantidade de coisas que circula é pior que a falta de informação. O excesso causa amnésia. Quando não lembramos o que aprendemos, ficamos parecidos com animais. Conhecer é cortar, selecionar." O itálico é meu, e quero lembrar que cortar, em grego - analyó, é analisar, discernir.

Que sirva de alerta o presságio de Eco: "A internet é perigosa para o ignorante porque não filtra nada para ele. Ela só é boa para quem já conhece - e sabe onde está o conhecimento. A longo prazo, o resultado pedagógico será dramático. Veremos multidões de ignorantes usando a internet para as mais variadas bobagens." Ao que tudo indica, este futuro preconizado pelo erudito italiano já chegou, porque os imbecis e os idiotas estão soltos por aí de tal modo que se pode topar com um ou dois em qualquer lugar o tempo todo, ou seja, a morbi ignorantiam já se alastrou.

A afirmação de Eco inspirou trazer a imagem que ilustra o post e da qual dou a minha versão: Não saber "ouvir", não saber "ler" nem tampouco "falar" é cria legítima do não saber pensar, apanágio dos ineptos. Não sendo o idiota da aldeia e, com certeza, menos ainda o portador da verdade, tomo como baliza o dito de Eco, sendo muito cuidadoso na triagem das informações, leituras, pesquisas, citações, autores e indicações literárias dos textos que assino. Isto porque, ainda segundo Eco - e ele nem precisaria dizê-lo, de tão óbvio - a internet produz muita 'estática', rabarbaro* como ele diz, uma algaravia frenética. Usar a internet de modo consciente sabendo selecionar a fonte da informação é campo fecundo para interpretar o mundo em sua complexa lógica. Este blog procura prestar esse serviço da melhor forma possível.

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* Eco explica que rabarbaro é um recurso das óperas italianas, quando é preciso reproduzir o burburinho das multidões. Os atores pronunciam, todos ao mesmo tempo, repetidamente, "rabarbaro rabarbaro rabarbaro...". É o som que a internet produz.








sexta-feira, 11 de agosto de 2017


NAS ONDAS DO RÁDIO


Saiu recentemente na edição digital do Le Monde¹, na seção de astronomia, a notícia Des signaux radio inexpliques das l'espace - Sinais de rádio inexplicados no espaço. Em resumo, a matéria fala de sinais de rádio emitidos por uma estrela do tipo anã branca (semelhante ao Sol) localizada há cerca de 11 anos-luz, captados pela equipe do Observatório de Arecibo, em Porto Rico. Até aí, nenhuma novidade, afinal, diariamente são detectados sinais de rádio vindos dos mais remotos rincões do espaço. Então, naturalmente, você quer saber o que há de diferente nessa notícia.

A diferença está em que, desta vez, os cientistas, ao elencaram várias opções da origem dos sinais, relegaram a hipótese alienígena para o fim da lista. Alvíssaras! O bom senso parece ser o norte dessa turma. Nas palavras do astrônomo Abel Mendez, diretor do Laboratório de Habitabilidade Planetária da Universidade de Porto Rico, "Nós não sabemos a origem desses sinais, mas existem três principais explicações possíveis: Poderia ser uma erupção do tipo solar, emissões de outro objeto no campo de observação da estrela ou apenas uma explosão de um dos seus satélites se movendo em uma órbita muita remota". Com ironia, o cientista salienta que a possibilidade de os sinais serem obra de alienígenas na verdade nem foi levantada. Como procedimento de rotina, outros centros foram acionados na escuta destas emissões, incluindo o SETI - Search for Extraterrestrial Intelligence, dos Estados UnidosSeria uma exceção num lampejo de sensatez e maturidade, ou tende a ser uma postura mais coerente com a realidade, menos propensa a fantasia? Torço para isso, mas só o tempo dirá.

Perceba que temos aqui duas áreas distintas de pesquisa que nem se tocam, e apesar de serem autoexplicativas na própria denominação - radioastronomia e exobiologia -, o senso comum, com contribuição da imprensa leiga, consegue a façanha de juntá-las no mesmo pacote e a partir daí achar que uma emissão de rádio originada de um astro signifique, necessariamente, um "sinal alienígena", no sentido de ter sido produzido por uma inteligência extraterrestre. Parece óbvio, mas este é um erro tão primário quanto imaginar que nossas transmissões possam ser captadas por uma hipotética civilização das Plêiades. Trata-se de processos diferentes, frequências diferentes e intensidades diferentes. Portanto, da próxima vez que você ouvir ou ler alguma notícia sobre "sinais de rádio vindos do espaço", já sabe, não tem nada a ver com "civilizações intergalácticas longínquas e avançadas" tentando contato com a Terra. Deixe isso para a ficção, combinado?

Essa solidão incomoda, não gostamos nem um pouco da ideia de sermos os únicos em um universo que se agiganta a cada manhã, o que torna este pequeno e 'pálido ponto azul' cada vez mais ponto e menos azul. Através das obras de ficção embarcamos em naves imaginárias a viajar pelos sonhos venturosos da infância, revestidos de uma magia quase possível, quase tangível, quase real. Então despertamos e as naves, as viagens e os sonhos esvanecem "como lágrimas na chuva", diria Roy Batty².

Não importa o que se diga ou se escreva e nenhuma análise que possa ser feita sobre o nosso lugar no universo irá demover o homem de procurar por outras formas de vida, seja ela rudimentar ou transcendente. Na mais avançada das ciências e na mais mística das religiões, haverá sempre um esperançar por um eco distante de nossa voz. A longa noite dessa infância cósmica nos cobre com um manto de estrelas e mistérios. Difícil é enfrentar a majestosa e esmagadora vastidão sem a devida grandeza de espírito. Para adquirir este sentimento e não sucumbir à atroz realidade de que "sofremos a existência"³ entre o nada do antes e o nada do depois, e que estamos no meio do nada, não basta apenas inteligênciahá que se aprender com as ciências, pensar com as filosofias e olhar como os poetas...
Aceita o universo

Como to deram os deuses.
Se os deuses te quisessem dar outro
Ter-to-iam dado.
Aceita o Universo*
Alberto Caieiro
(heterônimo de Fernando Pessoa)



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¹ 18/07/2017 - http://www.lemonde.fr/cosmos/article/2017/07/18/des-signaux-radio-inexpliques-dans-l-espace_5161759_1650695.html
² Roy Batty, o androide de Blade Runner, interpretado pelo ator Rudger Hauer.
Lev Chestov, As Revelações da Morte, Morais, 1970.
* Versão original, conforme a gramática portuguesa do início do século 20.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017


A CULTURA DA IDIOTIA

A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a
suspeitar que é um continente.
Simão Bacamarte
O Alienista
(Machado de Assis)


Idiotia, segundo os dicionaristas, é "Atraso intelectual profundo, caracterizado por ausência de linguagem e nível mental inferior ao da idade normal de três anos." No campo da Psicologia Social, ela é definida como a dificuldade de se coordenar fala e pensamento. Certos tipos de idiotas se reproduzem como ratos no esgoto, em todas as sociedades e em todos os estratos - política, economia, ciência, esporte, cultura... Sim, eu sei, você dirá que sempre foi assim, que imbecis sempre existiram, e é verdade, mas é verdade também que a idiotia está mais exposta hoje, é viral, contagiosa, progressiva e cumulativa, e o que é mais grave, midiática e espetacularizada. Se você discorda, repense, olhe à volta e veja como e para onde o mundo caminha.

Recebi, esta semana, um informe a respeito de um tal Congresso sobre Varginha, agendado para 2018. Não se trata da cidade, mas do "caso", sim, aquele mesmo comentado aqui semanas atrás em "Delírios de uma tarde de verão". Pelo visto, delírio que nunca vai acabar. Tenho a impressão que os ufólogos não dormem desde então, numa sanha obsessiva em 'esclarecer' o caso a partir da sua versão para decretá-a como única, verdadeira e definitiva. Para referendar o epíteto do evento, "Finalmente, o fim do silêncio", convocaram testemunhas, jornalistas e militares e militantes. Recomendo enfaticamente que você (re)leia o post citado acima, e não deixe de ler principalmente "Insanidade, pantomima ou estupidez?" Os três estão ligados, mas, se puder, leia todos, para entender o leitmotiv deste blog. 

Quem me conhece ou está me conhecendo agora, sabe o quanto tenho martelado exaustivamente sobre a obrigação, o dever ético e moral inegociável de se cultivar, preservar e priorizar a razão, centrar o capital cognitivo na lógica, focar no estudo e na reflexão transdisciplinar como único instrumento capaz de fazer frente aos desafios que nos tocam o tempo todo. Mas a sombra que se ergue no horizonte me assusta e faz aflorar os piores pressentimentos. Me causa repulsa e indignação, em particular, ver a ignorância prevalecer onde deveria haver um mínimo de inteligência, respeito ao próximo e apreço pela decência. Mera quimera, claro.

Estou falando, mais uma vez, daqueles indivíduos inescrupulosos, ineptos e inaptos, deslocados no tempo e à margem da realidade, privados da razão, sem formação e informação, sem história e sem cultura, sem memória, sem estatura, sem éticasem rosto, sem nome, sem lastro, sem passado e sem futuro que, agindo na ilicitude intelectual, promovem um derrame irresponsável de parvoíces, desvarios, aleivosias e taras paranoicas escudadas em literatice da pior qualidade, sem dar espaço para a réplica crítica em razão do seu analfabetismo intelectivo.

Um após outro, mentores da excrescência a expelir, com ignóbil soberba, matérias de conteúdo nauseabundo. Diante desse descalabro, não há como condescender, calar, ser indulgente. Suprimi nomes mas não poupei adjetivos. Não sei que alcance minhas palavras terão, se é que terão, mas não poderei ser acusado de omissão por não alertar os desavisados dessa récula enferma.

Pode até ser compreensível este comportamento de viés psicopático, uma vez que não aconteceu nada de relevante nos últimos 20 anos. Desnutridos, e não havendo carne fresca, o jeito é desenterrar os mortos e saciar-se como hienas famintas do que restou da carniça. É deplorável o cretinismo, o desatino, o cinismo, a falta de discernimento, de lucidez e noção do ridículo a que se prestam sem o menor pudor. Estou me referindo a todos os envolvidos nesse anunciado embuste congressual, a começar pelos ufólogos, que, se caírem de quatro não levantam mais; aos jornalistas, a quem se deveria exigir um nível mental compatível com a profissão que exercem, já que cultural e intelectual seria pedir demais; e aos militares, cujo dever de ofício, em princípio, é nos proteger contra os insanos, os perigosos, os aloprados, os estúpidos e outros do gênero, e não de juntar-se a eles. A menos que se reconheçam como tais, que espero não seja o caso. Não é nada confortável saber que a segurança de um país está nas mãos de quem perde tempo correndo atrás de disco voador. Não há inocente ou inofensivo nessa história. O que há é falta do que fazer, é obtusidade e desinformação.

Se quem se sentir atingido espernear, é porque que tenho razão; se não espernear é porque sabe que tenho razão. Enquanto alguns repousam à sombra do sisifismo e nada plantam, outros lavouram a terra e "atiram pedras no charco". Não tenha dúvidas de que se trata de mentes atrofiadas, inférteis, de "atraso intelectual profundo", de cérebros cativos, confinados no vazio, e de cegueira cognitiva incurável. Estou falando de fósseis vivos, de crenças fundadas na irracionalidade e na fantasia, de delinquência verbal e fraude retórica. A falta de norte e de prumo implica uma ruminação discursiva bisonha. Isso pressupõe estarmos lidando com uma subespécie de antropoides do mundo moderno - o homo ignarus - julgada extinta, a ser estudada não mais pela arqueo-antropologia, mas pelas ciências sociais. Ou, melhor ainda, pelos alienistas. 

A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades;fora daí insânia, insânia e só insânia. (Bacamarte)

Para não se contaminar com o odor pestilento que exala dessas catacumbas modernas, o antídoto está bem aqui, onde você está agora. Fico muito à vontade para dizer, com a segurança de quem conhece a mercadoria: quem se abriga sob o meu guarda-chuva não se molha. O que quer dizer também que este blog é um candeeiro que ilumina o meu caminho e o de quem vem atrás.

Você não faz ideia do cenário de horror que este tsunami de absurdos e mistificação é capaz de deixar. Palavras dejetadas boiam num mar de obscurantismo. Restos de gosma pútrida (que teimam em chamar de material científico) atravessam ouvidos e mentes qual baba corrosiva de algum bicho desconhecido, como alien de Ridley Scott. Espectros humanos abraçados uns aos outros rastejam sem muito esforço, posto que estão no mesmo nível e eixo de seus habitats. Carcaças de mediocridade formando monturos aqui e ali. Quem disse que depois da tempestade vem a bonança nunca viu uma cena dessas de perto. Não queira. É sempre assim, sempre foi assim. Não há salvação para quem já nasceu moribundo, como diria Fernando Pessoa, cadáver adiado que procria.

Acha que me excedi, que passei da conta? Então veja algumas aberrações do programa "científico" do XX Congresso Brasileiro de Ufologia ocorrido dias atrás, um festival de oralidade putativa: "Contatos imediatos com extraterrestres relatados por Chico Xavier"; "A incrível história do mineiro que foi a Marte"; "Alienígenas no Sistema Solar: a descoberta da conexão marciana". Falar de marcianos em pleno século 21 é sintoma inequívoco de idiotia. Até a ficção científica os aposentou há anos. De bônus, um "Workshop sobre abduções". 

Você não leu errado, o encontro foi em Julho deste ano, mas esse pessoal deve ter saído de um buraco qualquer do paleozoico. Não fui eu que me excedi, são eles, os alienados, agentes impunes da bandalha, que tripudiam sobre a nossa inteligência ao rasgar as costuras básicas do tecido social. É fundamental que você tenha ciência e consciência disso. É por causa dessa gente que a ufologia se tornou alvo de piadas e escárnio. O que se diz por aí sobre a idiota generalizada é inquietante: matilha de oligofrênicos, liga dos imbecis, sociedade dos patetas vivos, junta de retardados...

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Álvaro Cabral, Dicionário Técnico de Psicologia. Cultrix, 2006.