Obras

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sábado, 26 de novembro de 2016

Estou de olho em você!

carlosalbertoreis51@gmail.com


Antes de começar a ler, uma recomendação: é importante saber que, para absorver melhor cada texto deste blog, (re)leia os anteriores, porque ele funciona como um corpo de engrenagens interligadas, e a leitura isolada impede o seu entendimento no conjunto. E um aviso: a obra A Desconstrução de um Mito, esgotada na versão impressa, está disponível agora em arquivo eletrônico )PDF) por R$ 25,00. Entre em contato para mais detalhes.


Segundo me contou um amigo pelas redes sociais, que ajuda a divulgar este blog nos seus grupos de amigos e comunidades, as últimas postagens renderam polêmica. Bem, ela não chegou ao meu conhecimento, exceto por uma ou outra manifestação que pude rastrear. Este blog foi concebido com essa finalidade, incomodar, provocar, cutucar, fazer as pessoas pensarem sobre o que estão lendo e não se comportarem como pacientes anestesiados às portas da cirurgia. Se este objetivo vem sendo atingido, ótimo, vou seguir em frente, mas estranho o fato das discussões ficarem à margem dele, quando meu endereço está disponível para quem quiser conversar diretamente, com privacidade. Por que a polêmica é marginal? Medo do debate? Falta de contra-argumentação sólida? Quem pode me explicar? Você sabe o que penso sobre isso.


Uma moça se manifestou dizendo "Fácil criticar os outros quando se tem chão de vidro". Chão de vidro? Não entendi, mas, de qualquer forma, não é fácil criticar não, mocinha. Quem pensa assim (e ela não é a única) não tem a menor noção da complexidade do processo crítico quando feito com ética e responsabilidade: Tem que conhecer o objeto da crítica - conheço bem; tem que sustentar o debate - sustento; tem que justificar e fundamentar a crítica  - e o faço; e tem que apresentar soluções, respostas, caminhos - também faço, sempre. Crítica - vou repetir - do latim criticus significa quebrar, segmentar, que tem relação com o grego analyó - cortar, romper, cindirque deriva em mudar, transformar. Portanto, toda análise crítica visa provocar rupturas e mudanças em um dado sistema de pensamento.

Outra leitora escreveu: "Caras como ele, mesmo com uma mente poderosa, mas sem o embasamento teosófico, podem aniquilar muito pouco da realidade cósmica, pouco mesmo (...)". Vamos lá. Theo Sophia - "termo usado pelos neoplatônicos para indicar o conhecimento das coisas divinas, proveniente da inspiração direta por Deus."¹ Penso que o itálico atesta a absurdidade da doutrina. É muita arrogância do homem querer conhecer as coisas divinas quando sequer sabe qual seu papel no mundo. A Teosofia foi retomada no final do século 19 com a fundação da Sociedade Teosófica, que pregava uma 'nova' doutrina: "Uma mistura de ocultismo e crenças orientais que supostamente estaria fundada na inspiração direta por Deus".¹ Sem comentários. Quanto a 'mente poderosa', não sei a que se refere. A desse cara aqui não é não, com certeza.

Os gregos acreditavam que a "harmonia cósmica" era a manifestação divina, conceito implodido há cinco séculos! Mas há quem ainda acredite nessa ideia e se abrigue em 'escolas filosóficas' que a sustente. Será que a leitora saberia responder o que é exatamente realidade cósmica? Não, asseguro que ela não sabe e nem tem ideia do que está falando. Como eu poderia aniquilar algo que não existe? Desculpe ser repetitivo, mas teosofia é uma daquelas instâncias metafísicas nas quais muitos se agarram porque não aguentam o tranco da realidade do mundo físico, concreto, que bate na tua cara todo dia. Já se disse aqui que, quando encaramos nossa solidão e insignificância no universo, sentimo-nos como a criança longe da casa paterna; o sentido último do nosso desenvolvimento está justamente em superar essa fixação infantil. O pensamento é de Fromm². Fulminante, porém iluminador é este trecho da obra de Ernest Becker:

Não queremos admitir que estamos sozinhos e que sempre nos apoiamos em algo que nos transcende, um sistema de ideias e poderes no qual estamos mergulhados, e que nos sustenta.³ Becker não só ganhou o Pulitzer em 1974 como sua obra é considerada uma das 100 mais importantes do século 20. 

Nota-se, enfim, que são comentários ingênuos, quase infantis, dirigidos ao autor e não aos conteúdos, porque não constroem uma tese lógica e robusta em oposição. Para não ser injusto, um leitor propôs, por e-mail. discutir algumas divergências pontuais. Possivelmente trarei para cá as questões mais relevantes. Mais alguém disposto ao diálogo? Só não aceito conversa mole, casuísmo, repertório ultrapassado e retórica estéreil. 

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¹ Abbagnano, Nicola. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes, 2007.
² Fromm, Erich. Psicanálise e Religião. Livro Ibero Americano, 1966.
³ Becker, Ernest. A Negação da Morte. Record, 2008.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016


Cacto insolente

carlosalbertoreis51@gmail.com


Mais uma vez voltei a debater com aquele meu velho amigo de sempre. Não é um personagem fictício como talvez você possa pensar, como pretexto para puxar assunto. Ele existe, e é pelas redes sociais que nossas discussões costumam soltar faíscas. Enquanto ele insiste em me persuadir a aderir às suas convicções, eu, ao contrário, me limito a discorrer sobre a minha visão de mundo. Contudo, quando o assunto é Ufologia, nossos pontos de vista estão sempre em rota de colisão, e eu o imagino inconformado prestes a pular no meu pescoço. É só uma figura de linguagem, não se preocupe, somos bons amigos e jamais chegaremos às vias de fato. 

Desta vez, ele disse que gostaria de me ver debatendo com ufólogos porque eu teria "matéria prima para bater e socar" todos eles sem sofrer um arranhão, e até me apoiaria na contenda. Nesse ponto ele tem toda a razão, porém, ao dizer que se do outro lado houver pilotos, operadores de radar, militares, essa gente toda, eu serei “massacrado”. Ele está redondamente enganado, e no melhor estilo “valentão de rua” eu chamaria todos para a briga, e podem cerrar fileiras astronautas, físicos, engenheiros, o diabo. Ele disse que eu deveria ser menos arrogante e mais humilde, e deixar de lado essa “vaidade intelectual”. Agora errou feio. Não há soberba alguma, o que há é muita segurança na fundamentação dos argumentos.


Penso que é possível desatar o nó dessa discórdia. A certa altura da conversa ele escreveu uma frase absolutamente correta, certeira, ainda que para outro assunto do seu domínio. Ele queria dizer que eu não poderia contradizê-lo porque “Pra entender (...) tem que estudar a complexidade da época”. Bingo! Ele acertou na mosca. Na réplica, sublinhei suas palavras, pedi que atentasse ao que havia escrito e arrematei: “Ora, pois foi exatamente o que fiz com a Ufologia." Acho que ele não gostou de provar do próprio veneno. Como costuma fazer quando se sente acuado, esquivou e não voltou a falar de Ufologia.

Fiquei pensando nesse diálogo. Por conta dessas divergências cascudas, ele não leu nem vai ler meus livros e não acompanha este blog, portanto, está fora do perímetro de contestação, sem capital para entabular qualquer discussão porque não tem a menor noção do que venho falando todos esses anos. Sua declarada recusa dessa leitura é sintomática, característica daqueles que temem ser confrontados diante da fragilidade de suas crenças. Então, apela para a casuística como se eu mão fosse do ramo e não a conhecesse. Seu universo literário está circunscrito às obras ufológicas e outras mais específicas – budismo, astrologia, espiritualidade em geral, ou seja, um universo finito e limitante. Essa é a vantagem do livre pensador, ter arsenal variado e munição de sobral. Acredite, não serei massacrado por ninguém. Sabe por quê? Porque tenho boas razões para isso. Muito resumidamente, vamos a algumas elas:

Primeira, não estou nem um pouco interessado em pelejar com patentes menores da Aeronáutica, dos Fuzileiros Navais ou da Armada russa. Se os conhecimentos técnicos são indiscutíveis nas áreas que atuam, o entendimento sobre o fenômeno Óvni é precário, restrito e episódico, portanto praticamente nulo. O debate nem começaria.

Segunda, quem manda mesmo nesses departamentos - o primeiro escalão, sabe do que estou falando e sabe que tenho razão, mas, é compreensível, por motivos óbvios e conveniência, tem que manter o statu quo¹Isso inclui assumir atitudes ambíguas e dissimuladas, ter centenas, talvez milhares, de relatórios tarjados de "confidencial", "secreto", "ultra-secreto" mas totalmente inúteis, porque não passam de depoimentos comuns, sem absolutamente nada de extraordinário. The show must go on...

Terceira, não sou um tolo inseminado pelas narrativas fantásticas de 'Arquivo X' nem pela gramática verossímil da ficção científica, muito menos pela paranoia das teorias conspiratórias de silêncio e outros desvarios. Repudio as  pseudos sociedades 'secretas', as escolas iniciáticas e a cultura do ocultismo. Não me vergo a credos, doutrinas, filosofias, religiões, escrituras, demiurgos, avatares, seitas e outros grupelhos. Minha consciência é livre para pensar por seus próprios méritos.

Quarta, não é problema meu se crédulos no cio endossam excitados qualquer relato, da autoridade ao roceiro, como testemunhos críveis da verdade. A casuística ufológica é natimorta. É exatamente isso que você leu. A análise fria e honesta mostra que todo evento alegadamente ufológico está morto antes de nascer, ou seja, todos acolhem uma explicação bastante razoável fora da moldura ufológica, sem exceção. Lamento que, encabrestados, só olhem para a cenoura e não ampliem seus horizontes culturais. Estão, em larga maioria, na vala comum da mediocridade. Minha saúde mental me põe a salvo de ficar feito sonso à caça de disco voador ou invocar ETs imaginários, já bastam os siderados de carteirinha.

Quinta, enquanto trago à luz a gênese do problema pelo esforço intelectivo e processo investigativo, outros se divertem com as sombras, a caverna alberga todos. Enquanto se lambuzam com belos frutos de sabor duvidoso, eu depuro as raízes. Em outras palavras, são as causas que precedem e determinam os efeitos, não o contrário. Não é a casa pronta que me interessa, mas de onde vem a areia que a levanta. Essa é a tinta que reescreve a história - para entender o nascedouro do problema, tem que conhecer a complexidade da época, como dizia Jung, o Zeitgeist - o espírito do tempo.

Sexta, não me amparo em fantasmagorias ou idealidades metafísicas alucinantes e alienantes. Não professo um diletantismo ficcional. Não tropeço em divagações teóricas frouxas. Não brinco de fazer ciência. Não me alimento de utopias, mas de saberes, sem medo de engasgar com a verdade. Não estou só. Confiança, razão, fundamentação, legitimidade, coragem, segurança e solidez. E retaguarda, altamente qualificada. Não pretendo convencer ninguém, mas uma coisa é certa, quem se abrigar sob o meu guarda-chuva não irá se molhar. 

Não haverá massacre algum. 

O título foi extraído de um trecho do Soneto III-96 de Bruno Tolentino, bastante apropriado: ...e a vida inteira fui assim, cacto insolente a situar-se onde o deserto empalidece. (A Imitação do Amanhecer, Globo, 2006).

¹ Statu quo - sem o 's' final é a grafia correta da expressão latina.

sábado, 12 de novembro de 2016


Tambores batem, bonecos dançam

carlosalbertoreis51@gmail.com



Não foram poucas as vezes em que, no passado, critiquei com veemência e com razão a falta de metodologia da pesquisa ufológica e de outros quesitos, mas, principalmente, a paralisia esclerosante das matérias de estudo. Na esteira das críticas, que não pouparam ninguém, desembarcaram desafetos, inimizades, discussões vulcânicas e imprecações. Como era certo que não haveria mudança, e já completamente deslocado de um ambiente infectado de histeria mística e surdez crônica, decidi me afastar. Isso foi há 25 anos.

Meses atrás, fui sondado para participar de um evento de Ufologia que ocorre anualmente na simpática Curitiba, que recusei. Recentemente, dei uma espiada nos temas que foram apresentados. Um déjà-vu! Nada de novo, a lenga-lenda de sempre, a mesma enrolação para o mesmo público de outros carnavais. Intrigado, fui verificar programações de eventos dos últimos 30 anos, aleatoriamente. O que encontrei? As aberrações continuam a pleno vapor.

Num primeiro momento pensei em trazer algumas dessas apresentações, mas a lista é tão grande que desisti antes de começar, porque eram tão inacreditavelmente bizarras que não valeria a pena deter-me na prospecção. Com pequenas variações aqui e ali, os assuntos se repetem: mensagens extraterrestres, profecias, revelações, espiritualidade, curas espirituais, verdades ocultas, contato iminente, círculos ingleses (no Brasil. agroglifos), etc. Optei por apenas comentar sobre os temas do evento recente. Tire as crianças da sala. Temas inadequados para mentes lúcidas.

"Compreendendo o significado dos agroglifos"; "Agroglifos: investigação de campo e interpretação simbólica". "Agroglifos: janelas para uma percepção do Universo"; "A sociologia do fenômeno dos agroglifos brasileiros". Eis aí uma das coisas mais estúpidas já vistas em Ufologia, figuras bonitinhas totalmente idiotas sulcadas na terra. E tem quem ache significado, decifre seu 'simbolismo' e sua 'sociologia'! Entre delinquência e indecência, fico com ambas, uma farsa grotesca de ambos as partes. Você acha mesmo que os ETs - supondo que existam - viajariam centenas de bilhões de quilômetros só para desenhar unas bolachas ridículas para que humanos mais patéticos ainda se ocupassem delas? Não me são assim tão inteligentes. Estou falando dos aliens, porque estes humanos não são de jeito nenhum.




"O xamanismo revela que os aliens se interessam pela criatividade humana". Que ligação pode haver entre xamanismo e alienígenas? Nenhuma! Xamanismo não passa de prática mágico-religiosa primitiva próxima de um surto alucinatório. Na minha terra isso tem nome: picaretagem. "Conexões extraordinárias entre esta e outras humanidades". Outras humanidades? Existem outros humanos além-Terra? Estamos diante de caso psiquiátrico. "Intervenções extraterrestres em tratamentos espirituais". Impressiona a mixórdia de assuntos tão díspares entre si como ciência, espiritualidade, física, espiritismo, pajelança, sem falar do descaramento de quem os expõe em público de forma tão irresponsável. E tem gente que paga para se extasiar com esse charlatanismo próprio de mentalidades culturalmente subdesenvolvidas. 




Mas o absurdo atinge o auge com um viés herético em “O iminente contato ufológico – a chegada do mestre Jesus”. A figura maior do cristianismo tem sido desrespeitada sem o menor constrangimento. Dedicamos um capítulo em Desconstrução para falar de um personagem caricato que trombeteou o "retorno de Jesus", Jan Val Ellam. Segundo "mensagens" que alega ter recebido de seus "mentores", ele anunciou de forma bombástica que centenas de naves se aproximariam da Terra para uma grande, incontestável e inequívoca manifestação, tendo Jesus em destaque como autêntica autoridade celeste em seu apoteótico regresso. Esse reencontro extraordinário deveria ocorrer entre novembro de 2006 e abril de 2007. Tem quem pegou senha e está na fila até hoje. E olhe que nem vou falar de Ashtar Sheran, auto-nomeado "líder supremo e comandante da frota extraplanetária da Confederação Intergaláctica da Grande Fraternidade Branca Universal", encarregado de trazer Jesus para o seu esplendoroso retorno à Terra. Pare de rir e continue lendo.



Mas não resisti, e pincei algumas pérolas de 10 anos atrás*. A sanha esotérica não tem fim: "A Super Onda Galáctica". O que é isso? “Hierarquias interplanetárias do sétimo reino – uma abordagem amasófica sobre a creatura humana numa perspectiva cósmica”.  Sétimo Reino? Estão se excedendo no Santo DaimeEssa é mais uma tramoia doutrinária saída de uma mente doentia, a mesma que um dia delirou com o Projeto Alvorada e, como não vingou, saiu-se com o Projeto Aurora. Amasófica? Uma impostura intelectual sedutoramente cavilosa sobre um tal "conhecimento de natureza psico-mediúnica ou sensitiva, de origem atrelada a uma equipe de inteligências físicas e hiperfísicas". Sintomas de um estado demencial preocupante.

Para encerrar, um pequeno pacote desse caótico carnaval da alma o qual nem vou comentar: “A Canalização e o Processo Mediúnico na Comunicação com os Visitantes das Estrelas”; “Encontros Programados com nossos Irmãos Cósmicos”; “Segredos da Lança Sagrada - discos voadores e nazistas na América do Sul”; “Ufologia trilógica: o que falta para o contato?”; “Reptilianos – uma raça secreta no planeta Terra”. Minha visão desse espetáculo deplorável não tem rodeios: de um lado, alienados feito zumbis à procura da mística perdida e, de outro, bonecos de mamulengo que dançam conforme batem os tambores. 


* Congresso Brasileiro de Ufologia Científica/Diálogos com o Universo (Curitiba, 2006)

sábado, 5 de novembro de 2016


"Subir aos céus" é sonhar desde sempre


Desde que o homem tomou consciência de si e do mundo, ele olha para o céu com sentimento de reverência, medo, perplexidade e incontido desejo de voar como os pássaros para alcançá-lo, tocar as estrelas, ir além das fronteiras terrenas. A palavra 'ascensão' contém vários significados, seja no campo político, cultural, místico, social, histórico, etc., mas é um tema mítico por excelência. O que nos interessa é entendê-la do ponto de vista filosófico e trazer a discussão para o terreno ufológico. Importa saber também que é um sonho vivido intensamente ainda hoje: a exploração espacial não é apenas a busca por novos mundos; é, em última instância, a busca de Deus. Ou deuses.

Vejamos algumas considerações clássicas sobre a ascensão, começando por Eliade: "Aquele que se eleva subindo a escadaria de um santuário ou a escada ritual que conduz ao céu, deixa então de ser homem; de uma maneira ou de outra, e passa a fazer parte da condição divina." Passa a fazer parte da condição divina. Pegou? Ele refere ainda que dentro da experiência extática, está-se falando de imagens da transcendência e de liberdade dentro de uma visão mística e metafísica: "Com efeito, o simbolismo da ascensão significa sempre o rebentamento de uma situação 'petrificada', a ruptura de nível que torna possível a passagem para um outro modo de ser; no final das contas, a liberdade de se 'mover', isto é, de mudar de situação, de abolir um sistema de condicionamento." Pegou essa também?

Gilbert Durand, outro nome corriqueiro aqui, segue o mesmo discurso: "Os símbolos ascensionais aparecem-nos marcados pela preocupação da reconquista de uma potência perdida, de um tônus degradado pela queda. Essa reconquista pode manifestar-se de três maneiras muito próximas, ligadas por numerosos símbolos ambíguos e intermediários: pode ser ascensão rumo a um espaço metafísico, para além do tempo; Poder-se-ia dizer que neste estádio há conquista de uma segurança metafísica e olímpica. Pode manifestar-se, por outro lado, em imagens fulgurantes, sustentadas pelo símbolo da asa e da flecha, e a imaginação tinge-se, então, de um matiz ascético que faz do esquema do vôo rápido o protótipo de uma sublimação da carne e o elemento fundamental de uma meditação da pureza." Segundo ele, a ascensão está ligada aos arquétipos da luz e ao simbolismo simétrico da fuga diante do tempo ou da vitória sobre o destino e a morte. Essa citação é só uma amostra, daí você pode depreender a profundidade da questão. Como habitualmente faço, o itálico é destaque meu.

É evidente que, não contentes com o que somos, desejamos ir além da nossa natureza porque, de alguma forma, lá bem no fundo d'alma, não queremos admitir nossa insuficiência, nossa pequenez, nossa precariedade e nossa debilidade, então buscamos, desesperadamente, em tom mesmo de súplica, a condição de 'super-homem', essa criatura encravada no imaginário - tradução ficcional dos nossos delírios - que deflagra um aluvião de idealidades. Esse super-homem carrega o signo da totalidade, da completude, da imortalidade do ser. Do ser que gostaríamos de ser.

Agora me acompanhe, bem de perto.

O repertório ufológico enfileira depoimentos de gente que alega ter estado a bordo dos discos, viajado espaço afora, conversado com alienígenas, passado por exames físicos e até a aberração de ter copulado com criaturas do sexo oposto! Se as abduções também são muitas, as alucinações não ficam atrás. Em parte substancial dos casos, os contatados/abduzidos dizem ter sido (e)levados ao interior das naves por um facho de luz ou levitado até entrar na nave. Seria o 'voo mágico' de que fala Eliade, mencionado em post anterior?² Em certo sentido, sim. Comentando as experiência de ascensão, "Podemos concluir que estamos perante expressões não históricas de um mesmo simbolismo arquetípico que se manifesta de maneira coerente e sistemática tanto no plano do inconsciente (sonho, alucinação, sonho acordado) como nos do transconsciente¹ e do consciente (visão estética, rituais, mitologia)."

Além do aspecto mitológico, é indispensável destacar o plano religioso no qual ascensão voo mágico estão inscritos. É Eliade novamente: "É claro que todas estas 'formas' [de manifestação] não são espontâneas nem dependem diretamente do arquétipo ideal; muitas são 'históricas', no sentido de serem o resultado da evolução ou da imitação de uma forma já existente." Eu poderia elencar muitos outros autores,  interpretações e definições sobre o tema, mas você já percebeu aonde quero chegar.

O fato é, como tenho procurado mostrar através dos meus textos, que o "disco voador" e todo o seu aparato é mais um bote salva-vidas para o homem tentar sobreviver a esse maremoto de sentimentos, conflitos, tensões, delírios, temores, contradições, lamúrias, demônios, frustrações, esperanças, recalques, fracassos, dores e incertezas que é a sua vida. Tem mais, quer? Ele sabe que não sobreviverá, mas sublima ou finge não saber porque não está preparado para enfrentar o mundo real das coisas, preferindo navegar por águas plácidas da ilha da fantasia aninhada e acalentada no imaginário. Ascender aos céus, tocar as estrelas, encontrar os deuses, ser um 'escolhido' são formas particulares de fugir dessa realidade opressora em busca do eldorado, da 'igualdade divina', da re-ligação com os planos superiores.

Sendo você ou não um desses ilusionautas, um extrato do pensamento de Nietzsche pode ser tomado como um roteiro de vida. Esqueça o super-homem da ficção, seja você um na vida real: Viva a vida na vida, sem depender de muletas metafísicas. O real lhe basta, ele é suficiente para mostrar a beleza do mundo tal como o mundo é, sem a presença de artifícios e construções transcendentes imaginárias. Acredite apenas na eternidade do instante vivido, na alegria e na singularidade do instante vivido, porque depois dele virá outro e outro e mais outro, num eterno retorno. Seja você em você mesmo no máximo de suas potencialidades. Tenha em mente que esse mundo do real é para poucos, para aqueles que dançam à beira do abismo e que quando forem cair, caem cantando.

¹ "O mais alto grau da consciência, que permite ao homo religiosus unificar os diferentes níveis de manifestação, quer dizer, 'realizar a plenitude', 'viver o universal'." (in ALLEN, Douglas. Mircea Eliade y el fenomeno religioso. Ediciones Cristandad, Madrid, p. 234, 1985.
² "Não se muda o passado... "- 17/09/2016

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ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. Martins Fontes. 1992.
___________. Imagens e Símbolos. Arcádia, 1979.
JUNG, Carl G. O Homem e seus Símbolos. Nova Fronteira, 1964.
LÉCI-STRAUSS. Claude. O Olhar Distanciado. Edições 70, 1986.
CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. Palas Atena, 1990.
ARMSTRONG, Karen. Breve História do Mito. Cia. das Letras, 2005.
CAMPBELL, Joseph. O Vôo do Pássaro Selvagem. Rosa dos Ventos, 1997.