Obras

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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016



Balde de água fria no entusiasmo dos renitentes


É praticamente impossível levar adiante uma conversa sobre discos voadores sem que alguém levante a eterna questão dos "milhares de relatos, fotos e filmes que...", ou que os "depoimentos de militares e cientistas não podem ser contestados...", que "as evidências físicas são indiscutíveis", argumentos considerados "provas definitivas" da realidade destes veículos. Vou tentar dar uma esfriada nesse calor todo usando de suas próprias afirmações, quem sabe assim dão um jeito nessa sanha febril (duvido!).

Em primeiro lugar, nenhum testemunho é inteiramente confiável, por mais que diga a verdade. Do Papa ao frentista, do Ministro da Defesa ao balconista, toda palavra tem seu valor, todos devem ser ouvidos com respeito, mas não é confiável por uma série de motivos. Sou obrigado a ser repetitivo ao dizer que todos estão sujeitos a enganos, erros de interpretação por falta de conhecimento da matéria, distorções da memória, mescla de imagens oníricas com manifestações do inconsciente e do imaginário coletivo e outras tantas coisas. Porém, como diz um leitor, ainda há um 'resíduo' que não se enquadra em nenhuma dessas categorias. Ele tem razão, e é dessa sobra que vamos falar agora.

O percentual estimado de casos de explicação 'inquestionável', isto é, que se trata de "discos voadores sem sombra de dúvida" fica perto de 1%. Parece pouco, mas é significativo. É um número simbólico, apenas para representar a desproporção dos casos esclarecidos daqueles que se supõe serem autênticos. Então, vamos explorar essa possibilidade. Imaginemos esse 1% algo em torno de 200 mil casos registrados ao redor do mundo na "era moderna". As fotos e os relatos se referem a aparelhos de diferentes formatos sugerindo procedências diversas. Os alienígenas se mostram com variados figurinosSe todos forem verdadeiros então temos, a priori, igual número de civilizações nos visitando, certo? Por si só esse argumento seria suficiente para detonar com a casuística. 

Bem, como parece exagero até para o mais otimista, vamos reduzir pela metade - 100 mil casos/civilizações. Você dirá "- não, é muita coisa, cada um deles deve nos visitar pelo menos umas cem vezes". Um despropósito, mas então temos mil civilizações, todas visitando a Terra ao mesmo tempo. Tem cabimento tamanho absurdo? Todos os seres com a mesma conformação humanoide, todos com o mesmo objetivo de 'proteger' a Terra, todos encontrando alguma forma de se comunicar, seja no idioma local (!) ou por telepatia, que pode ser no idioma do receptor. Pelo menos a folclórica frase "Leve-me ao seu líder" nunca foi registrada porque, se fosse, a piada estaria completa, mas que tudo isso faz parte da fantasia, faz.

Se aceitarmos esse "1%" como casos reais de extraterrestres, então nada nos impede de acreditar numa legião de criaturas extraordinárias, lendárias, folclóricas, que fazem parte do tecido imaginário das mitologias - fadas, elfos, anjos, duendes, sílfides, ninfas, sereias, íncubos e súcubos; fantasmas, espíritos, centauros, gárgulas, unicórnios, bruxas, demônios, saci Pererê, boitatá, mula-sem-cabeça.... E assim jamais nos veremos livres do 'pensamento mágico' dos ancestrais que inclui cristais, oráculos, talismãs, amuletos, rituais, rezas, simpatias... 



Se o raciocínio estiver correto, existem cerca de mil planetas cujos habitantes - atenção agora - desenvolveram tecnologia, cultura, linguagem, habilidades, inteligência, consciência, atitudes, biotipo, hábitos e costumes em tudo e por tudo semelhantes ao nosso mundo! É inadmissível, pela lógica mais rudimentar, que existam seres tão iguais a nós! Por que não são aracnoides tricéfalos urrantes? Invertebrados gosmentos cuspidores de gases fétidos? Por que sua aparência tem que ser necessariamente antropomórficas? Porque precisamos que sejam assim, nós os criamos assim, "à nossa imagem e semelhança". Entendeu?

Cheguei a ouvir certa vez que eles têm um deus, e vivem numa sociedade democrática de estado de direito. Jamais vi tamanha aberração numa única frase. Ouvi também que estão 'preocupados' com nossa potencial aniquilação atômica porque isso afetaria o 'equilíbrio' do universo. Que a gente se exploda, tudo bem, mas deixem o planeta intacto. Que equilíbrio? Estamos em meio ao maior caos com galáxias se trombando, estrelas implodindo e explodindo, buracos negros sugando tudo à sua volta, corpos gigantescos erráticos em rotas de colisão uns com os outros! Você crê realmente que existam mil povos por aí que nos visitam há "milhares" de anos, como querem os ufólogos? Quer baixar para 500 nações estelares? 100? 50? 5? Se imaginar uma só já é quase um delírio, mais que isso é devaneio alucinogênico incurável.

Mas alguém irá falar das tais evidências materiais - ecos de radar, perseguições em voo, lesões físicas em testemunhas próximas, panes elétricas, marcas de pouso, os estúpidos agroglifos, mensagens mediúnicas, etc. Nenhuma destas ocorrências sequer deveria ser chamada 'evidência'. pois não passam de anomalias que uma investigação séria não possa explicar. O mesmo vale para fotografias e filmes, que não resistem a uma boa análise técnica. Ainda que não se possa identificar uma imagem como algo conhecido, isso não dá direito a sair por aí trombeteando tratar-se de "disco voador". A investigação deverá prosseguir at;e esgotar todas as alternativas. A intempestividade é o cadafalso do ingênuo. Se não for ingenuidade, é má-fé mesmo.

A atitude mais comum nessas ocasiões é o escapismo tolo e tosco - o defensor da causa Óvni considerá-lo "além da nossa compreensão", ou "a ciência não explica porque não está preparada" ou que o fenômeno situa-se na "esfera do transcendente". Falácias com tons de imbecilismo. É uma saída tão patética quanto desonesta de quem não quer perder tempo 'explicando o inexplicado', porque não tem explicação a dar. As respostas só estão disponíveis àqueles que se propõem a perguntar. Quem faz muitas perguntas pode parecer um idiota, mas quem não faz nenhuma, esse é um idiota. Os ufólogos nunca fizeram. Quem fez já desembarcou. A ufologia é uma nave à deriva em um mar de conhecimento.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Uma voz sólida em um mundo líquido



Já que estamos em época de natal, resolvi fazer uma pausa no debate com o leitor para trazer de presente um texto de capital importância daquele que é um dos mais importantes nomes da atualidade para entendermos este nosso conturbado mundo contemporâneo, 'pós-moderno', ou ainda mundo 'líquido'. Estou falando de Zygmunt Bauman. O que há de tão especial que o justifique? De especial, nada, de relevante, tudo. Fala de utopias, e você, que me acompanha com assiduidade neste blog (assim espero, senão, perdeu muita coisa), há de notar pontos de semelhança com tudo aquilo que venho despejando ao longo deste ano. Óbvio, não é coincidência.

Devo ressaltar, contudo, que o texto em questão foi extraído de uma obra a qual eu não havia lido até a semana passada, portanto, nunca fui influenciado diretamente por ela, embora não negue a presença do autor no percurso dos meus estudos, e nem poderia ser diferente. É uma reflexão atemporal, ou melhor ainda, pantemporânea, contínua. Então, vamos a ela, dispensando comentários.


Agora fique com Bauman.

Numa sociedade de caçadores, a expectativa do fim da caçada não é sedutora, mas aterrorizante. Seria um momento de falha pessoal. As trompas de caça convocariam novas aventuras, os cães uivariam, estimulando deliciosos sonhos de antigas caçadas; por toda parte, outros estariam na busca frenética de suas presas, não haveria fim para a agitação e para os clamores de júbilo. Só eu estaria de lado, excluído e afastado da companhia, indesejado e condenado a ficar longe da alegria; uma pessoa com permissão de assistir à folgança dos outros por detrás da cerca, mas a quem se nega a oportunidade de participar.

Se a vida da caça é a utopia de nossa época, ela também é, em contraste com suas antecessoras, a utopia de uma aventura sem fim. Na verdade, é uma estranha utopia. Suas antecessoras foram seduzidas pela expectativa do fim da estrada e da labuta, enquanto a utopia dos caçadores é um sonho em que estrada e labuta jamais terminam. Não é o fim da jornada que estimula o esforço, mas sua infinitude.

Essa é uma utopia estranha e não ortodoxa, mas, não obstante, uma utopia, como as outras que a antecederam, prometendo o que, afinal, é uma recompensa inatingível, uma solução definitiva e radical para todos os problemas humanos, passados, presentes e futuros, assim como um antídoto também definitivo e radical para todos os males e aflições da condição humana. É uma utopia não ortodoxa porque apresenta uma terra de soluções e curas, dos “lá e então” do futuro distante até os “aqui e agora” do momento presente. Em vez de uma vida que leva à utopia, aos caçadores se oferece uma vida na utopia. Para os “jardineiros” a utopia era o fim da estrada, enquanto para os “caçadores” a própria estrada é a utopia. (Será que não deveríamos, nesse caso, trocar o termo “u-topia” pelo termo “u-ambulatio”?)

Os jardineiros viam no fim do percurso a realização e o triunfo final da utopia. Para os caçadores, chegar ao termo da estrada seria a derrota final e ignominiosa. A humilhação se acrescentaria às mágoas já existentes, transformando esse recesso em derrota pessoal. Como outros caçadores não deixariam de caçar, a exclusão da caçada permanente se tornaria sinônimo de desgraça, de vergonha da rejeição e, em última instância, de opróbrio, por estar exposto às próprias deficiências.

Agora, fique com você. 

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Zygmunt Bauman, A Cultura no Mundo Líquido Moderno. Zahar, 2013.

sábado, 17 de dezembro de 2016


A ilusão está na origem do erro



Continuando a prosa com o leitor jogador de xadrez, foram levantados dois pontos que vale a pena serem postos na lousa. Parece não haver mesmo divergências, sendo mais um reposicionamento em consonância com suas observações sobre o que acontece no Brasil e no mundo em relação à Ufologia. Por exemplo, ambos estamos de acordo que as pesquisas dentro e fora do país se auto-alimentam e retroalimentam, provocando um círculo vicioso onde nenhuma delas ousa pisar fora do círculo em busca de novas perspectivas. Nem pensar. O resultado, pasmaceira, tédio, notícia velha requentada o tempo todo. 

Outro pensamento concordante é com relação ao papel da mídia no trato da questão. Ele fala com conhecimento porque atua no campo da comunicação: "Testemunho o descaso da falta de acompanhamento de casos, de todos os tipos e magnitudes, que são relevantes para a sociedade." Para nós dois, a mídia, ou a grande imprensa, como queira, oferece à sociedade o que acha que ela quer saber e não o que precisa saber. Esse tipo de achismo é nefasto.

Dados os acordos, os lances do jogo vão definindo as posições das peças. Diz ele que "Nas Ciências Sociais, algo se torna 'verdade' quando um considerável número de pessoas acredita que aquilo seja verdadeiro (...) No entanto, existe outro conceito de verdade, tangível e mensurável pelas Ciências N aturais." Para exemplificar, ele lista uma série de perturbações físicas e psicológicas e reações psíquicas sofridas pelas testemunhas como demonstração da verdade 'mensurável'. Me parece uma avaliação incorreta. Uma resposta adequada exigiria uma longa exposição, e seria melhor e mais completa se dada por um profissional da Saúde, de qualquer área. Tentarei ser conciso, sabendo de antemão que você sabe do que estou falando.

Todo o qualquer distúrbio físico e/ou psicológico não tem necessariamente uma causa externa; véspera de exame final gera 'dor de barriga', enxaqueca, manchas na pele, náuseas, dores musculares, etc, e nada disso tem a ver com o exame em si. Uma visita a Notre Dame ou ao cume de um vulcão desperta arrebatamentos indescritíveis; um pôr do sol singular faz brotar lágrimas; uma vista deslumbrante nos Alpes Suíços leva a vertigens. O agente causador não é nada em si mesmo, indiferente às reações de cada pessoa. Emoção, perplexidade, riso, espanto, medo, dor, desmaio, paralisia são produtos da psique. Falei o óbvio, sei disso.

Presenciar acontecimentos traumáticos e impactantes costuma produzir perturbações psíquicas muitas vezes irreversíveis. A conhecida Síndrome de Stendhal é um estupor extático que ocorre em evento de natureza puramente estética, também conhecido por hiperculturemia ou Síndrome de Florença. Conheço uma pessoa que diz ter passado por "estranhas sensações", um "mal estar inexprimível" e desorientação ao adentrar uma marca circular deixada por um suposto disco voador. Uma farsa grosseira, de ambas as partes. 

Não é porque alguém diz ter visto um disco voador, tocado nele, entrado, viajado, conversado com alienígenas e, em decorrência, ter sofrido danos físicos e psíquicos que devemos acreditar tratar-se de um fato real. Pode ser tudo, menos um encontro com "seres de outro planeta", porque eles não existem. Esse "tudo" pode ser, por exemplo, sonho, farsa, mentira, imaginação, alucinação, embuste, brincadeira, fantasia, falsa memória ou transtorno mental, desequilíbrio psíquico, surto psicótico e outras ocorrências da mesma ordem.

Aí vem a pergunta, inevitável: - Mas não pode ser pelo encontro com uma nave alienígena ou um extraterrestre? Aí vem a resposta, taxativa: - Não, nunca, porque ETs e discos voadores não existem. Diante dessa negativa, você ri, sente pena de mim, concorda, reflete, se inquieta, se espanta, se indigna ou fica impassível. Qualquer que seja a reação, nada muda a realidade do fato. O preço é alto para quem ousa sair do trilho, caminhar contrário à multidão ordenada, ou, sendo direto, para quem se recusa pertencer ao rebanho. Basta ter coragem, razão, lógica e conhecimento. A segunda questão foi debatida no post anterior sobre a natureza do "fenômeno Óvni", mas como o leitor informa ainda não ter lido Reflexões, vamos esperar que após a leitura o debate tenha continuidade.

Mas gostaria de abordar um aspecto que é recorrente em todas as conversas, debates, fóruns e discussões, que corrompe o raciocínio, distorcendo a construção dos argumentos e a interpretação dos fatos. Esse aspecto, que martelo aqui o temo todo, é contrário a tudo aquilo que você está acostumado a ver por aí. Ou seja, opõe-se ao senso comum, mas não ao bom senso. Veja, sempre que uma conversa dessa tem início, parte-se da premissa errada de que disco voador, como nave alienígena, existe, e a partir daí argumenta-se em cima desse equívoco ingênuo, ainda que compreensível - disco voador existe. Será que 70 anos  não foram suficientes para a ufologia ter noção da sua própria demência? Sete décadas correndo atrás do próprio rabo e não percebe a ilusão de que é autora e vítima?

Aguarde, breve trarei um texto daquele que é um dos mais respeitados nomes da sociologia contemporânea. Apesar de não haver uma palavra sequer sobre "ufologia", ele fala o que precisamos saber sobre o assunto. Por enquanto, fique com Edgar Morin, bem a propósito para o tema de hoje.


"Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão. A educação do futuro deve enfrentar o problema de dupla face do erro e da ilusão. O maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão. O reconhecimento do erro e da ilusão é ainda mais difícil, porque o erro e a ilusão não se reconhecem, em absoluto, como tais. A projeção de desejos ou de medos e as perturbações mentais trazidas por nossas emoções multiplicam os riscos de erro."

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Morin, Edgar. Os Setes Saberes Necessários à Educação do Futuro. Cortez/UNESCO, 2000. 
_______. Ciência com Consciência. Bertrand Brasil, 2005.

sábado, 10 de dezembro de 2016


Jogo intelectual não tem perdedor



Como informei em postagem anterior, um leitor havia proposto debater por e-mail, e isso já começou. Eu disse também que traria os aspectos mais relevantes para você acompanhar e assim, quem sabe, seguir o exemplo e se manifestar em linha direta, com privacidade. A conversa de hoje já estava pronta quando ele fez a tréplica das minhas respostas e acrescentou novos itens, que serão comentados na próxima semana. Está ficando interessante.

Antes de apresentar suas dúvidas, ele parte do princípio de que existem pessoas muito bem intencionadas no meio ufológico, que pecam apenas pela falta de informações mais precisas, estudos mais aprofundados, falta de referências confiáveis, vícios próprios de crenças, etc. Tenho dúvidas. Informação é o que não falta, está na ponta dos dedos; aprofundar os estudos depende só de disciplina, dedicação e vontade. Encontrar a referência confiável é questão de discernimento, experiência, diálogo, critério. Já os 'vícios próprios da crença', ah. os vícios da crença, isso é indiscutível: quanto mais se crê no objeto da fé, mais difícil reconhecer os vícios e mais ainda libertar-se deles. Quem está realmente engajado num estudo sério de largo espectro se retirou de cena, ao menos da cena pública, para conduzir seus trabalhos fora do 'castelo', concentrado em rotas mais produtivas. Eu não sou o único exemplo nem essa postura é nova. Lembra quando falei de autonomia semana passada? Pois então...

Meu interlocutor comenta que a ufologia brasileira é pré-conceituosa, por considerar os discos voadores naves extraterrestres. Depois, diz que uma boa parte dos casos reportados podem ser explicados com graus variados de conhecimento científico (ótica, astronomia, meteorologia, aeronáutica, etc). Por fim, indaga minha posição sobre a totalidade dos casos, descartados os que têm uma boa explicação (erros de avaliação, má fé, alucinações, fenômenos naturais raros, etc.). Para ele, portanto, restaria uma fração de situações que fazem do fenômeno Óvni uma realidade. O que ele levanta é a origem dessa realidade. As respostas dadas estão aqui um pouco mais ampliadas e detalhadas.

Sim, esse foi o erro fundador fatal da ufologia - permitir que amadores entusiastas pré-julgassem um acontecimento com explicações para algo que carecia de uma análise multidisciplinar ampla, saber técnico e científico específico e outros procedimentos. Jogaram no ventilador o que achavam que o fenômeno era e agora temos que ficar recolhendo os destroços. As razões para essa conduta desastrada e desastrosa têm sido exaustivamente dissecadas aqui. 

O segundo ponto é que não é "uma boa parte" de casos relatados que tem explicação, mas algo próximo a 99% que pode ser naturalmente esclarecido. Para o 1% que ficou sem solução faltam dados e informações que consubstanciem uma resposta satisfatória e definitiva. Vale dizer que essa inconclusão se refere no mais das vezes à casuística de décadas atrás, apesar de muito já ter sido desmascarada. Os eventos mais recentes não resistem ao rigor de uma análise crítica severa, por isso já não se noticiam mais tantos "discos voadores" como antigamente. A fonte está secando.

Sobre a terceira e última questão, reitero que o Óvni, como fenômeno, é real, sem dúvida, porém, qual é a sua natureza? Essa reflexão me levou a escrever Reflexões, com o perdão da redundância. Em certo sentido, ele se insere numa dimensão mítica, uma realidade imaginária - mas atenção, cuidado com essa interpretação, porque estou simplificando ao máximo o que é de uma complexidade colossal, porque há um longo caminho pela frente. Aliás, ninguém disse que seria curto. Nem fácil. Meus estudos indicam que a estrutura do fenômeno tem semelhança especular com a dos mitos, uma consanguinidade manifesta, ambas com a mesma estrutura religiosa do pensamento. Então ele é um mito? Eu diria que sim. O elevado grau de confiabilidade e densidade do conteúdo das fontes, a seriedade, a isenção, a intensidade, o comprometimento e as vigorosas conexões no itinerário, nos entreatos e nas entrelinhas da pesquisa parecem me dar razão. Assim, Reflexões se mostra um balão de ensaio bem encaminhado. 

O amigo leitor informa que é só começou e fará novos 'lances', sugerindo um xadrez ufológico. Não sou enxadrista mas sei jogar, e em se tratando de um jogo intelectual desse porte e o alto nível de quem está do outro lado do tabuleiro, aguardo o que virá com grande expectativa. Não importa o resultado, só temos a ganhar porque, pelo que depreendi, ninguém está interessado em dar xeque-mate. Debater nem sempre significa contestar, confrontar, mas antes, esclarecer, aprender. Semana que vem continuamos esse papo.

sábado, 3 de dezembro de 2016

"A crença é o amparo dos ignorantes"

carlosalbertoreis51@gmail.com



A frase que se lê no título por estar entre aspas significa que alguém a proferiu. Não foi sociólogo, pensador, filósofo, mas um amigo que você já se habituou me ver debatendo e que "patrocina" muito do que escrevo aqui. É o estereótipo do indivíduo platônico, que se apoia em várias doutrinas e práticas metafísicas para sustentar suas convicções. Veja bem, nada contra, cada um deve seguir seu caminho na direção em que o nariz aponta. Eu sigo o meu, você o seu, ele o dele. O que peço é coerência, o que parece não ser o caso deste amigo. Vejamos como foi o diálogo.


A conversa seguia trivial até que o assunto deslizou para filosofia, religião, budismo... "Não discuto a Lei do Karma. Enquanto estiver encarnado sigo e cumpro essa Lei Maior. No 'outro lado' as leis são outras". O que fica bastante evidente, mesmo para quem abraça a filosofia budista, é o temor da morte, eufemizado por ele com "A vida é um processo contínuo e a morte apenas a volta para casa". Ele está falando de reencarnação, e a expressão "volta para casa" tem um evidente caráter consolador e de aconchego diante do inevitável.

Foi então que ele veio com as palavras de Buda: "Não sigam o que eu digo, experimentem por si; não acreditem em alguém só por que diz que esse é o caminho certo; vivam a experiência do viver, sem crenças; não acreditem em coisas que não sejam verificáveis". O itálico é meu e dispensa comentar. Meu interlocutor erra quando define "budismo é religião sem Deus", ao que retruquei: "Se Buda estivesse vivo daria um bico nos fundilhos de quem afirma tamanha asneira". Leia o que escrevi sobre budismo no post anterior. Buda à parte, lembrei a ele, usando as palavras do seu mestre, que devemos sim ter referenciais e balizadores de conduta, mas não para serem obedecidos e sim pensados e discutidos. Mas vamos ao que interessa. 

Logo após ter escrito a tal frase do título, eu o questionei sobre a sua crença em disco voador, que defende com ardor. Sua resposta quase me fez cair da cadeira: "Eu acho que disco voador não existe. O que existe é um fenômeno a ser identificado. Não há como negar isso". Por que do meu espanto? Ora, a afirmativa abaixo é assinada por ele desde sempre, e se isso não for incoerência, não sei o que é:
     
Os discos voadores existem; são veículos tripulados por seres inteligentes provenientes de civilizações longevas e avançadas que nos visitam há milhares de anos com os mais diversos objetivos.

Mais direto e convicto impossível. Assumindo a autoria, ele veio de novo  com aquela mofada ladainha de que não se pode ignorar centenas de relatórios militares etc, etc, e coroou a conversa com: "Eu não acredito, eu sei que eles existem". O que chama atenção não é a incoerência apenas das afirmações conflitantes - disco voador não existe... os discos voadores existem..., mas no fato de ele seguir à risca os preceitos budistas mas na prática adotar postura contrária! Releia o destaque das palavras de Buda.

Não sei se você percebeu que eu fui quase socrático, deixando que ele próprio se enroscasse nos argumentos. Fiquei com a impressão de que ele não se deu conta de ter caído em contradição, embora tenha dado uma 'saída estratégica' das mais bisonhas: eu sei que eles existem. Esse recurso de botar um ponto final na conversa antes de ela esquentar os motores é típico de quem sente que 'o bicho vai pegar'. É a pedagogia impositiva do pregador: é assim porque eu sei que é assim! Já vi esse filme inúmeras vezes, conheço os atores, as falas, o roteiro.

Como digo sempre, o pensamento crítico é o único capaz de remover a casca do dogmatismo, de nos tirar da zona de conforto para fazer algo mais do que simplesmente existir por existir. Kant sustentava a ideia de que, para alcançar a "maioridade", precisamos assumir nossas escolhas através de um esforço de autonomia e racionalidade. Autonomia e racionalidade. Minha posição frente às crenças de um modo geral é clara e sem reservas: crença é cabresto, redoma, monólogo; castradora, astuciosamente aliciante, primitiva, dissolutiva, predatória, previsível, lenitiva, paroquial, pasteurizada, prescritiva, egoísta, trazendo conforto e felicidade só para o crente. Ou seja, belisca a pele, não chega às vísceras. Gosto do que escreveu Rubem Alves: "Ostras felizes não fazem pérolas". 



Permita-me encerrar com uma rápida digressão. Ainda não li a obra do Rubem¹, mas a metáfora da ostra se encaixa à perfeição para definir crédulos cegos: um molusco inofensivo sem ossatura interna, de casca grossa, dura e rugosa que o protege de 'ataques externos'. A ironia: para produzir pérolas, a ostra deve permitir a entrada de um grão de areia, um corpo estranho, áspero, que machuca, causa dor e sofrimento. Outra metáfora: O fruto só é depois que a semente quebra a casca.

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¹  Alves, Rubem. Ostra Feliz não faz Pérola. Planeta, 2012.
Eliade, Mircea. História das Crenças e das Ideias Religiosas. Jorge Zahar, 2011.