Obras

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sexta-feira, 24 de novembro de 2017


A ÁRVORE DE DOURADOS FRUTOS


Hoje trago uma pequena fábula que mais parece um conto de fadas sem fadas, príncipes, batalhas, cavaleiros, tesouros e criaturas fantásticas. A autora é a querida amiga Laura Elias, escritora e contadora de histórias. O texto foi publicado, não por acaso, ao contrário, na obra A Desconstrução de um Mito. A entenderá é muito óbvia.

Era uma vez um reino onde as pessoas possuíam pouco alimento. Não que a terra fosse improdutiva ou não houvesse possibilidade de se encontrar novas fontes, mas apenas porque costumeiramente os habitantes de lá consumiam sempre as mesmas coisas. Um belo dia, surgiu uma árvore carregada de frutos dourados e chamativos, cuja aparência suculenta levou os esfomeados habitantes do reino a salivarem de desejo.
Os olhos brilhavam de encantamento, admirando a beleza que aqueles frutos dourados invocavam em seus inconscientes. Agarrados à expectativa de receber um alimento rico e saboroso, não ouviam os que, à sua volta, preveniam contra o perigo que os frutos representavam. Ninguém sabia de onde tinham vindo e do que eram feitos!
Completamente tomados pela sedução que brotava de suas almas, pelas promessas contidas naquele alimento, atiraram-se a ele, devorando, enlouquecidos, a casca dourada, a polpa macia, o doce sumo. Durante algum tempo, sentiram-se felizes e saciados, toda a sua fome havia sumido! Mas então, algo começou a acontecer.
Primeiro, foi o comportamento que se alterou. Passaram a ver aqueles que recuavam à sedução dos frutos como pessoas obtusas e frias, cujas opiniões advinham do fato de não se deixarem levar pelos apelos da alma, não ouvirem seus corações. Passaram a se reunir em grupos onde discutiam as benesses dos frutos, de que forma haviam se tornado pessoas melhores, mais brilhantes, mais sábias, apenas porque se alimentavam daquelas maravilhas.
Aquele fruto estupendo, cuja aparência sedutora, gosto imebriante e polpa carnuda os fascinavam, mostrou finalmente o que era. Jazia em sua essência um veneno de ação lenta, que aos poucos atingiu com violência àquele que alimentava. Alguns morreram, muitos perderam a capacidade de raciocinar, a maioria enlouqueceu.
Comenta-se que após certo tempo, outras árvores foram surgindo ao longo do reino e as pessoas, ainda que conhecendo a história da primeira árvore, recusavam-se a aceitar que fossem iguais e continuaram a alimentar-se dos frutos malignos. Nenhuma delas jamais se perguntou por que, mesmo sabendo que estavam se envenenando, atiravam-se, famintas, à sedução que as douradas cascas ofereciam.
A resposta, talvez, os fizesse ver que não precisavam daquele alimento, mas que poderiam melhorar os já existentes. Era só querer. Exatamente aí residia o problema. 




sábado, 18 de novembro de 2017


ALUCINAÇÃO:NOS MEANDROS DA PSIQUE


Com a segunda e última parte do artigo do Dr. Ubirajara Rodrigues, encerro a série sobre alucinação. Voltando à origem do debate, a pergunta "Visões coletivas são possíveis?" tem por resposta, sim, a visão coletiva é possível e até demonstrável, o que explica uma infinidade de eventos tais como aparições de natureza religiosa, espíritos, criaturas extraordinárias, alienígenas, discos voadores e muitas outras coisas do tipo. Vamos à conclusão do autor convidado.

No fundo, essa experiência é importante porque abrange um processo que nos permite chegar a conclusões surpreendentes. Por exemplo: numa noite escura, durante vigílias, um grupo inteiro pode testemunhar a observação de fenôme
nos estranhos pertencentes ao mundo abstrato da mente. Se interrogados separadamente, cada um dos indivíduos poderá acusar detalhes extremamente coincidentes, sem contudo oferecer prova de que tenha avistado alguma coisa realmente objetiva e concreta. Podemos relatar uma ocasião em que um senhor de 40 anos, negro e de cabelos curtos, observado por um grupo de dezoito pessoas, pareceu-lhes uma mulher jovem, loura, de longos cabelos, seios voluptuosos e vestida apenas com um sutiã.

Apesar do aparente aspecto hilariante, o resultado coincidiu com as fortes tendências sexuais confessadas pelo 
objeto da experiência. Mais complexo foi o índice de coincidência obtido por 22 pessoas, num grupo de 32, durante um curso de parapsicologia ministrado por nós. Uma jovem foi vista como uma freira idosa, de hábito completo, no interior de um prédio antigo, onde de fato residira uma religiosa por toda a vida, coisa que foi confirmada posteriormente e não era do conhecimento de qualquer um dos presentes. [Neste ponto, acrescento que participei da referida experiência naquela ocasião como parte da plateia seguindo os passos de todo o processo, atestando a lisura da pesquisa. Os resultados foram de fato surpreendentes].

Para casos semelhantes é fartamente demonstrado que o inconsciente humano pode representar a realidade que capta de um ambiente impregnado pelas impressões vibratórias de pessoas e fatos que o marcaram. Em grupo, tudo leva a crer que a captação é mais forte e bem mais fácil, portanto, menos rara do que se supunha. Numa de nossas tentativas, uma senhora foi observada por 60% dos presentes com o ventre aberto e luminoso, de onde se projetava a figura de um bebê. Jamais pudera ser mãe e, de idade madura, guardava só para si o que chamava de sua “maior frustração”.

De grande interesse para a ufologia são os registros que os observadores fazem de movimentos, não só do indivíduo sentado, como de objetos fixos do ambiente, movimentos esses, é lógico, não ocorridos. Na verdade, tudo se trata de simbolismos materializados em imagens, que o inconsciente projeta à interpretação das pessoas. Esse recôndito amplo e onisciente do psiquismo humano necessita, pois, de pontos de referência e estímulo para se manifestar. Em casos de observação de Óvnis irreais, atribui- se, primeiramente, à vontade da testemunha em ter pelo menos um contato visual com tais corpos, sem se falar no extremo fanatismo que hoje reina em certos segmentos da área ufológica, que a cada dia criam mais e mais “contatados” Outra razão é o mito do disco voador (mito apenas por seu aspecto de mistério secular), que já está plasmado na mente da humanidade e é trabalhado pelo nosso inconsciente de quando em vez. Ainda melhores e mais fortes são as facetas de um simbolismo arquetípico tão bem analisado por Jung.

Nos demais casos, principalmente durante as experiências já comentadas, o primeiro impulso que forçará a manifestação do inconsciente é a ilusão de ótica. Num ambiente totalmente negro, apenas com uma tênue luz infravermelha incidindo sobre o observado, a vista custa a adaptar-se, provocando perda de perspectiva e distância. Depois a fixação do olhar leva os objetos, quase todos delineados somente em silhueta, a perderem suas referências reais. Nessa situação, se permanecermos de olhos abertos e despertos, a percepção tem que ser suprida de algum modo. Consequentemente, nada mais propício à ação quase imediata do inconsciente, que se utilizará da ilusão para logo nos levar a interpretar as imagens disformes que, aos poucos, tratamos de moldar segundo diversos fatores. 

A projeção de imagens mentais é um campo vastíssimo de estudo, onde já se conhecem fenômenos registráveis até no mundo físico. As fotos paranormais estariam aqui enquadradas, nos casos em que a película grava cenas não-concretas e pessoas que não se acham presentes no momento do disparo da câmera, como revelam muitas dessas fotos em nosso poder. A parapsicologia caminha a passos largos para provar que a mente coletiva humana é capaz de materializar imagens em um espaço dimensional que normalmente não temos condições de observar, embora possa estar mais próximo de nós do que imaginamos.


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Aí está. Finda a série, espero ter contribuído minimamente para esclarecer um assunto que circula com frequência no meio acadêmico mas é pouco discutido no ambiente laico, e, por isso mesmo, objeto de compreensível incompreensão. Todos nós as vivenciamos, em certa medida, porque são mais comuns do que se pensa. Espero, também, ter ficado claro que as alucinações não explicam todos os fenômenos, os fatos espetaculares, fabulosos, apenas parte deles -  discos voadores e alienígenas, por exemplo, criaturas etéreas, celestiais, míticas e sobrenaturais - e toda uma imensa galeria pertencente ao universo simbólico das abstrações necessárias do homem.

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Maurício Aranha, Etiologia das alucinações. Ciência&Cognição, 2004, v. 2, p. 36-41.
Pierre Janet, L’automatisme Psychologique: Essai de psychologie expérimentale sur les forme inférieures de l’activité humaine. Centre National de la Recherche Scientifique. Paris. 1973. In Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 11:2, jun/2008, p. 310-314. (Tradução Alain François).
William James, As Variedades da Experiência Religiosa. Cultrix, 1991.
Ioan Lewis, Êxtase Religioso. Perspectiva, 1977.
Oliver Sacks, Alucinações. Relógio d'Água, 2013.
__________. A Mente Assombrada, Cia. das Letras, 2013.
Carl G. Jung, Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Vozes, 2000.
__________. Símbolos da Transformação. Vozes, 2001.

sábado, 11 de novembro de 2017


ALUCINAÇÃO: UM MUNDO EM PARALELO (IV)


A série que você está acompanhando e que se aproxima do final foi inspirada no artigo "Visões coletivas são possíveis?", assinado pelo amigo Dr. Ubirajara Rodrigues publicado na revista Planeta Especial Ufologia n° 1, em 1986. Passadas três décadas, a matéria não perdeu vitalidade, primeiro porque se baseia no experimento prático da manifestação alucinatória, induzida e controlada, e segundo porque os estudos nesse campo continuam sendo revisitados de forma sistemática, sempre com revelações interessantes. Com Rodrigues, voltamos nossa atenção à análise junguiana.

A observação, em grupo, de objetos ou cenas que não pertençam a uma realidade objetiva tem sido meramente teórica tanto para a Psicanálise como para a própria Parapsicologia. Fala-se muito em “alucinação coletiva”, sem se contar com incidentes que a justifiquem em termos práticos como, por exemplo, o avistamento de um disco voador numa só data. A alucinação é mais explicável como origem de um tipo de imagem ou objeto que, por fatores diversos, acaba por se tomar símbolo básico de um momento histórico ou social. Mais remota é sua utilização para justificar uma ocorrência determinada. Assim é que muitos indivíduos podem ter um tipo único de visão em épocas e lugares distintos.

Jung explorou e demonstrou com sérios argumentos as informações arquetípicas do ser humano que provocam visões mentais e se projetam num espaço subjetivo, com detalhes e características idênticas, devido às tendências e impulsos atávicos que se vão firmando no inconsciente dos povos. Alguns pesquisadores da área ufológica, além de não terem entendido as proposições do grande psicanalista, vêm gritando contra a falta de comprovação prática da alucinação coletiva como explicação para um caso concreto. Entretanto, esta comprovação torna-se cada vez mais possível de ser realizada com um grupo.

Desde alguns anos, vimos tentando tais experiências com boa margem de êxito; o teste, perfeitamente aplicável em qualquer ambiente, consiste em se dirigir o foco de uma lâmpada infravermelha sobre um indivíduo sentado frente a um grupo de pessoas que tentará registrar toda e qualquer modificação nele observada. Com a sala totalmente às escuras, pede-se aos integrantes do grupo para fixarem o olhar na pessoa que está iluminada pela luz infravermelha, a uma distância de, no mínimo 5 m. Após alguns minutos, interrompe-se o teste e cada uma delas anotará todas as variações de imagens e supostos movimentos que conseguiram notar.

É importante evitar ao máximo o condicionamento dos observadores, eliminando, na medida do possível, a influência pela sugestão. O experimentador nada fala durante o teste. Quando checamos os dados registrados em folhas separadas, o índice de coincidências marcantes chega a impressionar. Evidentemente, as impressões escritas são exigidas para que as pessoas não se induzam umas às outras, imprimindo, assim, um inegável cunho de autenticidade à experiência. Logicamente, os observadores permanecerão de olhos abertos durante todo o teste, tentando assumir a chamada “visão de 180º” e procurando abster-se ao máximo de mover os olhos, mesmo que isso seja inevitável, uma vez que esses órgãos executam movimentos involuntários num ambiente sem contrastes normais de luz. A fim de facilitar esse entendimento, o experimentador sugere antes uma fixação do tipo “abstrato”, tal como nos comportamos quando estamos “distraídos”.

Não se pode explicar com segurança as razões da clara e elevada porcentagem de coincidências que são registradas. É possível que ocorra uma interação psíquica entre os observadores que, telepaticamente, formam em conjunto as imagens básicas visualizadas na pessoa sentada. Por outro lado, não se descarta a hipótese de essa mesma pessoa estar projetando, inconscientemente, as figuras de seu próprio estado emocional, simbolizando aos olhos dos que a observam tendências de personalidade e situações importantes de sua vida atual ou pretérita. Nesse caso, aceita-se que os observadores tiveram sua clarividência despertada pelo teste.

Continua na próxima semana.