Obras

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sábado, 29 de abril de 2017

De olho no futuro do presente - parte 1



O texto contundente de semanas atrás tinha razão de ser. Eu dei um tempo para você espairecer o espírito, descontaminar a mente, exercitar a reflexão para o devir a partir do presente. Quem está de olho nesse futuro sou eu e faz tempo. Não dá para mapear todo o globo, mas uma pequena amostra sinaliza o que pode estar acontecendo em alguns países, bem ao contrário do que se viu - e ainda se vê - em nosso país. Aí você entenderá melhor o porquê da linguagem crispada. 

Até onde sei, os "discos" estão ficando cada vez mais raros, e não é porque a imprensa ignora: é que não está acontecendo nada mesmo. Se puxar pela memória, o Caso Varginha foi o último (e único) de repercussão mundial, há mais de duas décadas (1996)! Desde então, não me recordo de nada que tenha sido destaque, a não ser, talvez, uma ou outra ocorrência de menor relevância. Só quem fica à espera do contato redentor é o místico e crédulo por natureza, bobo e ingênuo por vocação. Você verá que esse esvaziamento é geral. Respondendo a algumas questões como interesse pelo assunto, atuação dos governos e da mídia, nível das pesquisas e novas tendências, estudiosos e analistas não tergiversaram, não douraram a pílula, foram direto ao ponto.

Da Argentina, Roberto E. Banchs¹ informa que o público tem se voltado lentamente a outros temas que se relacionam com o objeto de estudo, temas esses não necessariamente científicos, e que as novas tecnologias marcam uma tendência. Naquele país e em outros da região, a participação das Forças Armadas tem sido menos do que moderada. Sem recursos, apenas observam os fatos, manifestando-se com um pouco mais de liberdade que em épocas anteriores. Quanto à seriedade e credibilidade dos pesquisadores, Banchs afirma: "No creo que haya mejorado, por el contrario". E conclui: "Hoy se consume mucha, demasiada 'información' (la mayoria de las veces no procesada) y hay poca reflexión." Dispensa comentar, não é mesmo? 

Da península ibérica, Vicente-Juan Ballester Olmos dá notas da Espanha.² O interesse existe em função do empenho dos meios de comunicação, em baixa no momento, apesar de alguns programas de rádio, TV e revistas populares vez ou outra tocarem no assunto. "Pero, de modo general, ha bajado mucho desde los años 70-90." A atuação governamental e militar é quase nula, e desde os anos 90 os arquivos estão franqueados na internet. Sobre a credibilidade dos pesquisadores, "Normalmente es muy baja, están orientados a escribir artículos que cobram". Os acadêmicos não demonstram interesse pelo tema, e, se têm, é sob um ponto de vista cético (lamento, mas entendo). A imprensa demonstra indiferença pelo assunto.

Comentário: De modo geral, nota-se que desde o início dos anos 1990 o desinteresse vem crescendo, tanto do público como dos órgãos oficiais, e da academia então nem se fala. É claro que a atual conjuntura geopolítica global colabora para esse cenário, mas não é a causa principal, há um conjunto de fatores para isso: os grupos e centros de pesquisa estão morrendo por desnutrição, isto é, por falta de 'cenoura' na praça. Ajuda para isso o baixo grau de comprometimento e conhecimento dos pesquisadores, que vai de mal a pior, contribuindo fortemente, inclusive, para a não aproximação da esfera acadêmica. Semana que vem eu concluo, trazendo Portugal e França para a conversa, mas suponho que você já tenha uma boa noção da situação. O futuro do presente já começou.


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¹ E-mail recebido em 14/11/2016
² E-mail de 18/12/2016

sexta-feira, 14 de abril de 2017


O círculo, o tempo e a linguagem

Pediram minha opinião, eu dei. Agora escrevo. O assunto tem sido comentado aqui sob vários ângulos, e ainda recentemente voltei a ele quando do anúncio da NASA sobre a descoberta de (mais) um sistema solar semelhante ao nosso: Vida extraterrestre inteligente. Parece que está havendo uma febre pelo tema, só se fala nisso e vem mais por aí. A referência agora é um longa de ficção científica que divide opiniões e crítica, o insosso e sonolento "A Chegada". A presença dos alienígenas como pano de fundo não foi suficiente para impulsionar a questão da linguística. Diluiu-se na névoa da colossal nave. Estou ficando cada vez mais seletivo e exigente na análise, mas não é esse o ponto. O filme é só um pretexto para introduzir a discussão.

Para dar base científica à trama e justificar o papel da linguista, o filme recorre à "Hipótese Sapir-Whorf", que é objeto de controvérsia, inclusive sobre sua autoria. O cerne do debate linguístico gira em torno da tríade cultura-linguagem-pensamento como um trançado borromeano (figura): seus elementos são indissociáveis e sem prevalência de qualquer um deles. Também não é esse o ponto que quero comentar, nem a confusa e tortuosa inserção do fator "tempo" na interação com o extraterrestre.


O que interessa é a ideia que está por trás da narrativa - a linguagem. Se o diretor queria passar algum recado, fracassou, e chego a pensar que nem ele mesmo sabia exatamente o que queria transmitir. O que parece ter tentado dizer é que o sujeito precisa mergulhar na cultura e na mente do outro se quiser compreender e apreender sua lógica, sua linguagem, seu modo de pensar. Até aí, óbvio demais. Usou seres alienígenas como extremo da comunicação com inteligências não humanas. O diretor já fez coisa melhor, mas nesse longa sua atenção se dividiu entre o roteiro e a mensagem, e ambos se perderam no vácuo.

Eu queria entender como diabos a cientista concluiu que o círculo era um símbolo para "tempo"? Por causa dos sonhos que teve após entrar na nave? Forçou a barra. Esqueça o alienígena, coloque em seu lugar um esquimó: se ele desenhar um círculo no ar, acompanhado de um grunhido e bater palmas, estrará se referindo ao tempo, ao mundo ou ao à sua tribo? Poderia ser um afável cumprimento ou seu oposto, um enfático "volte de onde veio"? O círculo pode ter vários significados, alguns até antagônicos, dependendo da cultura em que está inserido.

A rigor, filosoficamente falando, o tempo não tem nada a ver com o círculo!

A cruz suástica, por exemplo. Adotada pelos nazistas durante a Segunda Guerra, sua antiguidade perpassa os celtas, astecas, índios Hopi, budistas, gregos e hindus, com diferentes interpretações. Um detalhe fundamental ressaltado por Cirlot é que os símbolos não estão isolados, mas unidos entre si de algum modo, gerando composições simbólicas mais complexas.

Não sou linguista, mas estudos mostram que, para se decifrar um código ideográfico ou uma língua estrangeira, é preciso que exista uma estrutura por trás do código ou da língua. Pegue um ideograma chinês e tente decifrá-lo. Leia uma frase em dinamarquês, sânscrito ou russo e traduza. Sem conhecer a formação estrutural, não dá. Tente entender o rugido do leão, o canto do sabiá, o coaxar do sapo. Mesmo percebendo que há uma "lógica" peculiar em cada som, a "tradução" só será possível desde que se identifique a estrutura de cada um, e isso pode levar um tempo extraordinário, ou nunca ser descoberta.

O filme comete erros primários, perdendo-se na superficialidade das explicações que não explicam, na invenção de uma serpentina temporal à semelhança de "Interestelar" que atiça o imaginário, mas que só funciona nas teias diáfanas da ficção, porque as da realidade são concretas, "pegajosas", sem filtros. No fim das contas, o diretor não fechou a história. Ela acaba do jeito que as naves foram embora - do nada. Não tem material nem para reflexão, é só mais uma ficção inverossímil que não vai deixar saudades. Brincar com o tempo é um modo de não ter de enfrentá-lo.


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Juan-Eduardo CIRLOT.  Dicionário de Símbolos. Moraes, 1984.

sexta-feira, 7 de abril de 2017


Caminho para o nada

A manifestação de um leitor sobre o post anterior (Insanidade, pantomima ou estupidez?) me chamou atenção, fez pensar e inspirou o texto de hoje. Diz ele que a "enxurrada de ignorância misturada com imaginação e má-fé" é o que constitui a ufologia "que agoniza", e conclui dizendo que "resta velar a defunta, pois sua substituta já assumiu o seu posto com revigorada mentalidade". Compartilho seu ponto de vista, mas concordo só em parte com ele.

Eu não diria que a ufotopia irá "morrer" no sentido literal; o mais provável é se tornar reduto de um emaranhado de falso conhecimento, falsas revelações, falsas pesquisas e falsos mistérios, uma crença como tantas outras. Coincidência ou não, é exatamente sobre essa questão que trato no próximo post, já pronto, postergado em favor deste.

E com o que não concordo? Com a parte do "uma ufologia substituta".

Não, meu caro amigo, não quero ser arauto de nenhuma nova ufotopia para substituir a velha. Em nenhum momento pretendi assumir esse lugar, ser um divisor de águas, um reformador. É verdade que, anos atrás, defendi a ideia de uma "nova ufologia" a partir dos conceitos de Vallée e outros autores, até o dia em que abandonei de vez a atividade investigativa. Desembarquei, mas continuei observando o fluxo das marés, tanto que, duas décadas depois, um amigo me convenceu a escrever textos para um blog que ele mesmo se encarregaria de montar, daí surgindo o Ufologia 3.0 (hoje Ufotopia), para promover meus estudos. Acho que Rabelais me passou uma lição de casa: Conheço muitos que não fizeram, quando deviam, porque não quiseram, quando podiam.

Não, o blog nunca poderia ser uma nova ufologia, ainda que possa parecer, até porque, como substituir o que nunca existiu? Além disso, as propostas são totalmente distintas. Enquanto a ufotopia é uma sistema que se abastece de um repertório falido de contatos, abduções, marcas, filmes, fotos, delírios e um gigantesco histórico de bobagens, meu intuito é apenas e tão somente ser um canal de informação e reflexão ao estabelecer pontes com o saber consolidado.

Se a ufotopia é uma ilha de fantasias, o conhecimento é terra firme de verdades. 

Ufotopia não quer convencer ninguém, não prega nenhuma doutrina, não se verga ao senso comum, não adota posições inflexíveis. Porém, e isso é importante ficar claro, a firme convicção que norteia seu caminho não foi construída do dia para a noite e não se lastreia em ficções, mas na experiência de décadas e em solos férteis e ricos de saberes. Você, leitor, se convencerá (ou não) por sua conta ao sopesar os conteúdos com consciência, lucidez, discernimento. As pontes têm essa função, levá-lo da ilha ao continente para que decida qual direção seguir e onde quer ficar. É uma questão de escolha.

Não precisamos de uma nova ufotopia, já aprendemos o bastante com a antiga. Ao idealizarmos o alien, o de fora, o 'outro', desnudamo-nos por dentro e por inteiro. Esse é o seu único legado - ser uma lente antropológica. O mundo exige um novo modelo de conhecimento, contrário à "especialização": a transdisciplinaridade. Isso não é uma escolha, é o único caminho possível. A ufotopia não atinou para essa transformação, e caminha agora para o limbo, o nada, o vazio. Por quê? Porque ela se "especializou" com esmero e sem escrúpulos em dar respostas simplistas e erradas, quando não falsas, para questões complexas muito acima da sua capacidade de entendimento. Ou seja, despejou disparates, e dos grandes. Ela jamais poderia ser o que pensa ser - ciência - porque nunca buscou ter o que precisava: respeito, credibilidade, solidez e tantos outros requisitos fundamentais. Agora é tarde. O último a sair apague a luz.