Obras

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sábado, 24 de setembro de 2016


Olá, tem alguém aí?

A bola da vez (literalmente uma bola) é uma das luas de Júpiter, Europa, que há décadas intriga astrônomos, cientistas e astrobiólogos, pelas conjecturas de que sob sua crosta gelada haveria água líquida em extensões oceânicas. Suspeitas confirmadas, o mundo científico vive um frissonatrás de mais informações.

Nesta segunda (26), a NASA deverá divulgar suas observações sobre uma "atividade surpreendente" naquele astro. O que poderia ser? É prematuro fazer qualquer tipo de afirmação porque tudo se move no terreno escorregadiço da especulação. Até aí, tudo bem, ruim é quando o assunto descamba para fantasias e delírios, que irrompem com muita frequência entre os apressados e excitadinhos leigos. Por que digo isso? Porque o senso comum ingenuamente associa vida extraterrestre com vida extraterrestre inteligente, um erro crasso. E estou falando também dos que, em notícias dessa natureza, defendem que os alienígenas estão mais perto do que supomos, coisas do tipo "o contato está próximo". Aí já não é ingenuidade, é ignorância mesmo.

A provável presença desse oceano subsuperficial não implica necessariamente existência de vida, até porque não se sabe ainda qual a composição destas águas. As expectativas mais otimistas projetam uma missão exploratória mais detalhada para o decorrer da próxima década, o que considero difícil. Entendo que serão necessários muitos anos para que surjam dados seguros e confiáveis. De qualquer modo, é um fato muito significativo para a ciência, e só para ela.

Tenho falado muito disso aqui e nos livros, e volto a fazê-lo. A Ciência está sempre revendo e atualizando seus achados até que, pela extensão das pesquisas, sejam definitivamente consolidados como verdades científicas. As informações atuais dão conta de que num raio de 200 anos-luz não há qualquer sinal de vida - essa que conhecemos, mas nada impede que uma outra forma possa vingar. O problema está em descobrir que tipo de vida seria essa, uma tarefa dificílima, arriscaria dizer, impossível. Nos mares interiores de Europa pode haver vida sim, provavelmente ainda em estágio de microrganismos unicelulares, extremófilos¹, estromatólitos² e outros. E...? A rigor, nada de novo sob o sol.

Em 2010 houve a descoberta de uma bactéria batizado GFAJ-1 que, para sobreviver, precisa absorver arsênio, elemento altamente letal. O microrganismo foi localizado em um lago da Califórnia hipersalino e com elevada concentração daquele elemento. O fato sinaliza a possibilidade de que a vida no cosmo possa ter se reproduzido, mas ainda carece de comprovação. Ela pode estar a caminho. Talvez o que surpreenda mesmo seja não haver nada de revelador nos mares europeanos.

A todo momento surgem notícias da descoberta de "planetas-gêmeos" da Terra, como o Kepler-452b em 2015, ou de astros "potencialmente habitáveis". O homem não consegue, não quer e não pode se desapegar da ideia renascentista da pluralidade de mundos habitados. Cada foguete lançado ao espaço é uma garrafa mensageira vagando errática no oceano cósmico: Oi, tem alguém aí? Cada ruído estranho captado pelos poderosos radiotelescópios pode soar como sinfonia vinda de emissários distantes. Cada planeta que mostre alguma semelhança com o nosso é um sopro de esperança - utópica e melancólica - de um auspicioso porvir para a humanidade. É a expressão subjetiva do desejo obsessivo por companhia cósmica. Já discuti filosoficamente sobre isso aqui mesmo, mas a verdade é que o conceito "Terra rara, vida rara" pode prevalecer por muito tempo na vida científica.

¹ microrganismo que sobrevive em ambientes inóspitos e condições totalmente adversas.
² estrutura fóssil formada pela sedimentação em camadas de cianobactérias.
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sábado, 17 de setembro de 2016


  Não se muda o passado, mas se aprende com ele


Abro o texto de hoje inspirado no avô dos meus filhos, nosso querido e saudoso 'vô Tito'. Caprichando no sotaque espanhol, dizia ele que No satisfechos con nuestros errrores, los ampliámos y los transmitimos a nuestros hijos. Sábias palavras. De fato, se não praticarmos a autocrítica, se não reconhecermos nossas falhas e não cumprirmos com ética nossos atos, estaremos condenados a repetir os mesmos erros, e pior, deixar às gerações futuras um saber equivocado e cada vez mais ditante de uma ortopedia corretiva.

Já disse aqui mesmo várias vezes que a história tem sido passada a limpo em todos os níveis, mas só a Ufologia não percebe, ou não quer perceber. No post passado, quando o cientista Jacques Vallée foi taxativo ao declarar que todas as tentativas de explicação do fenômeno fracassam seguidamente, e que é preciso abandonar o conceito de 'naves extraterrestres', não se pode admitir que a Ufologia seja exceção. Em seu recente livro, Wonders in the Sky, ele faz uma reinterpretação dos registros da antiguidade pela ótica da da ciência.

Foram mais de 500 casos analisados sob o olhar da isenção, e muito pouco permaneceu inexplicado. Suas considerações pedem uma reflexão: "Ao longo da história, fenômenos desconhecidos descritos como prodígios ou maravilhas celestes causaram um grande impacto nos sentidos e na imaginação dos indivíduos que os testemunharam. Cada época tem interpretado os fenômenos em seus próprios termos, muitas vezes em um contexto religioso ou político específico. As pessoas têm projetada a sua visão de mudo, seus medos, fantasias e esperanças naquilo que veem no céu, e o fazem até hoje. Embora muitos detalhes destes eventos tenham sido esquecidos ou jogados para baixo do tapete da história, a sua presença moldou a civilização humana em muitos aspectos importantes. As lições tiradas destes casos antigos podem ser aplicadas de modo útil para a ampla gama de fenômenos aéreos que ainda  e permanecem inexplicados pela ciência contemporânea. Como sempre, o itálico é meu.

Vallée conclui o comentário afirmando que "Mesmo que não queiramos admitir, tanto a história como a cultura são influenciadas por estes acontecimentos extraordinários. As histórias sobre criaturas estranhas sempre nos influenciaram de maneira imprevista. A nossa visão de mundo é uma fusão dos mitos antigos em nosso cotidiano e de novos mitos que pegamos ao longo do caminho.," Nessa linha, julgo pertinente a palavra do historiador Mircea Eliade: "O que primeiro nos chama atenção nas mitologias e folclore do 'vôo mágico' é o seu arcaísmo e a sua difusão universal.  Pode inserir aqui o tema da 'fuga mágica' entre os mais antigos motivos folclóricos; encontramo-lo por todos os lados e nos estratos mais arcaicos da cultura."

Por fim, Vallée coloca o dedo na ferida: "As lições do passado  muitas vezes são esquecidas. Um exame de cultos contemporâneos do século 20 centrados na crença em visitas extraterrestres mostra que o público moderno ainda é suscetível em acreditar nos incidentes Óvni. Mesmo nos primeiros anos deste século 21, observa-se um processo contínuo através do qual os mitos da humanidade seguem importantes como realidades sociais e políticas. Somos testemunhas e vítimas desse processo

Você tem lido muito aqui nessa mesma linha, portanto não serei repetitivo. A proposta de Vallée é pegar todos os dados que temos e levá-los aos especialistas em cada campo da ciência, cabendo a eles investigar de maneira a obter resultados consistentes e em bases científicas. Ora, se o cientista não vem a nós, vamos a eles. Pois Naus fez isso, juntou todo o inventário ufológico, botou o colo dos senhores doutores dizendo "- Expliquem!" E não é que os danados deram conta do recado? Se você ainda não leu - e recomendo que faça - prepare-se, vai exigir um esforço de compreensão, o que poderá surpreendê-lo. Talvez você não concorde com tudo que está lá, mas haverá de reconhecer que não se brincou de fazer ciência.

Não sou cientista nem especialista em coisa alguma, mas segui a bula de como praticar pesquisa séria, fazendo o que a ciência faz: estabelecer nexos de causalidade entre fenômenos, buscar a síntese (grego syn thénai - colocar junto), encontrar as conexões, o encadeamento, as correspondências.a. A ciência não é contemplativa nem divagante, não espera que as respostas caiam do céu ou brotem do chão. Ela impõe pensar, pensar e pensar, e se não for o bastante, pensar mais um pouco. É preferível ser escravo da dúvida a refém da ignorância. No primeiro caso, você tem as ferramentas para se livrar dela, no segundo, é prisioneiro cativo, no limite da estupidez.

Este tem sido meu trabalho e assim fiz em Naus. Não é continente da Ufologia ou o da Ciência que mais importa, é a ponte que se estende entre ambos Isso é fundamental você compreender: a resposta está - ou pode estar - nela, na ponte. Tenha isso em mente quando for ler o livro. Na próxima semana eu trarei mais argumentos para ajudar nas tuas reflexões.

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Vallée, Jacques & Aubeck, Chris. Wonders in trhe Sky, Penguin, 2010.
Eliade, Mircea. Mitos, Sonhos e Mistérios. Edições 70, 2000.
http://www.etseetc.com/2016/08/palestra-de-jacques-vallee-legendada-uma-aula-de-ufologia-seria/

sábado, 10 de setembro de 2016


Um encontro improvável , um diálogo possível


O encontro mostrado nessa foto nunca aconteceu, é uma montagem artística meramente ilustrativa, mas alguém irá dizer que é um "desejo inconsciente" meu. Errado, é consciente mesmo, gostaria de um dia trocar ideias com este badalado pesquisador franco-americano, o cientista Jacques Vallée. O mais próximo que cheguei foi coordenar uma entrevista para uma revista brasileira especializada em ufologia.1

Por que trazê-lo aqui? E para quê? Primeiro, porque Vallée ainda é considerado um pesquisador de respeito dentro da comunidade ufológica, e um pensador atuante, sempre disposto a explorar novas possibilidades que satisfaçam sua inquieta curiosidade científica. Segundo, para mostrar que essa inquietude é a seiva inesgotável que conduz ao igualmente inesgotável saber. Qualquer semelhança entre nossas atitudes e pensamentos, nessa esfera, pode até ser mera coincidência, mas é também produto de mentes inquisidoras em permanente ebulição.

Naquela entrevista, quando indagado sobre seu afastamento da Ufologia, disse que ele se deu apenas das discussões públicas "porque o campo tornou-se tão confuso com ramos de ideologias conflitantes, que qualquer coisa que eu dissesse como cientista se perderia na 'confusão'." Disse também que muitos pesquisadores "seguem a mesma estratégia de trabalhar em silêncio, longe das controvérsias da mídia". E finaliza: "o quadro que continua a emergir é o de um fenômeno muito forte, que combina parâmetros físicos com efeitos psicológicos e psíquicos muito interessantes."

Vallée prega a necessidade de se manter a mente aberta perante um problema de tal magnitude: "A Ciência está baseada em medidas. O desafio é determinar qual medida é significativa e qual não é. Ao mesmo tempo, é saudável explorar novas hipóteses. Após 50 anos [referindo-se ao início da "era moderna"- 1947], é óbvio que as explicações simples para o fenômeno falharam todas." E sua fala sobe o tom quando assinala que "nós temos que amadurecer e abandonar o conceito de espaçonaves como era visto nos filmes de ficção científica de 1950" (o destaque é para chamar enfaticamente sua atenção). Seu discurso só não repercute mais porque a indigência mental dentro da ufologia é assustadora.

Pouco mais de uma década se passou desde então e, mesmo recluso, não deixou de lado suas pesquisas e reflexões. Em entrevista recente, ele reforça que a responsabilidade do estudo compete à comunidade científica, com desapego e isenção: "Deve haver um esforço concentrado, sóbrio, estruturado, com ampla participação das partes interessadas. Precisamos levar os dados que temos aos especialistas, para que possam trabalhar e obter resultados mais consistentes. A ciência só funciona e só avança quando há debate e diferença de interpretação". Você já leu algo parecido aqui mesmo.

Vallée relata os rumos do estudo que o consumiu por 12 anos no livro Wonders in the Sky (reeditado a cores em 2016): uma retrospectiva crítica de documentos, registros, arte e textos antigos, sugerindo que a presença do fenômeno remontaria a tempos imemoriais. Perguntei a mim mesmo, ressabiado: Däniken à francesa? Não exatamente, mas um estudo comparativo entre e os 'prodígios celestes' do passado e as observações contemporâneas.

Nessa obra, Vallée faz uma releitura de seu Passport to Magonia - em que analisa o fenômeno no âmbito social e cultural -, analisando os casos de ontem considerados inexplicáveis, pelas lentes interpretativas dos contextos de cada um pelo crivo da ciência e do saber acumulado. Para muitos desses casos, as explicações são naturais, enquanto outros - uma porcentagem irrisória - permanecem em aberto. Mesmo sem respostas e sem conclusões, mas também sem frustrações, Vallée segue estudando: "Nós acreditamos que é apenas o começo, e isso é fascinante".

Vallée e eu nunca nos encontramos, nunca conversamos, apesar de ele ter estado no Brasil diversas vezes. Trocamos curtos e-mails em 2009 e 2011. Acompanho seu trabalho quando algum bom amigo me notifica de algo novo na praça. Sinto-me afinado com sua forma de pensar, seu olhar crítico e discernimento, o que não me impede de divergir em várias questões relevantes. Nosso trabalho conversa de algum modo, andam juntos, e ainda que seguindo rotas paralelas de mesmo sentido, lá longe, lá na linha do horizonte, eles parecem se encontrar. Tomara. 

Para manter ou despertar seu interesse, mas sobretudo para trazer dados às suas reflexões, no próximo post pinçarei alguns comentários extraídos de seu livro, e trechos de outras obras pertinentes às "maravilhas no céu" que tanto fascinaram os antigos. Discos voadores? A conclusão é sua.

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¹ Revista UFO, nº 100, jungo 2004.
Vallée, Jacques & Aubeck, Chris, Wonders in the Sky, Penguim, 2009.
https://lvsitania.wordpress.com/2010/10/28/sleuths-estudam-ovnis-na-antiguidade/
http://www.etseetc.com/2016/08/palestra-de-jacques-vallee-legendada-uma-aula-de-ufologia-seria/





sábado, 3 de setembro de 2016

A hermenêutica desconstrói. O saber reconstrói



Como dito na postagem anterior, uma vez tomada a decisão irreversível de trilhar novos caminhos com um panorama bem mais largo, iniciei a década de 1990 bebendo em outras fontes. As pesquisas de campo e as contendas interpessoais foram para o escaninho do passado, oferecendo farto material de estudo. Tirei um período sabático para me livrar do ranço e da pasmaceira que impregnavam a atmosfera.

Foi um recomeço altamente produtivo e de sólidas perspectivas. O espectro do estudo cresceu de modo geométrico, gerando uma avalanche de conhecimento. Um elenco de notáveis pensadores surge de todos os lados. Livros, aulas, conferências, artigos, ensaios, nada escapa ao radar panóptico permanentemente ligado. Com boa experiência prática e um novo arsenal de informação, só faltava dar forma ao conteúdo. Não falta mais, aí estão as obras que se anunciam neste blog.

Diante desse novo quadro, não foi difícil constatar que o fenômeno só poderia ser melhor avaliado se "fatiado", atomizado, desconstruído, para observar seus elementos separadamente. Que ligação teriam entre si - se é que teriam - e como poderiam operar em conjunto - se é que poderiam. Não podem. É como um quebra-cabeça de peças distintas não conectáveis. É a hermenêutica que leva nossa razão a desvestir os trapos rotos da 'velha' ufologia. Mas só ela não basta, é necessário fazer também o caminho inverso.

O passo seguinte foi recompor a dinâmica do fenômeno a partir dos saberes até então adquiridos. Tarefa complexa e delicada,  porém de prazer incomparável. O que surge é uma estrutura de base segura, de elementos sinérgicos e conexões fortes, e, mais importante, com centro de gravidade firme. Não tem como desmoronar. Trata-se de um corpo sólido de argumentos que dá outra configuração ao estudo. São questões polares - o disco passa de protagonista a coadjuvante, troca de lugar com o sujeito, ou. Dá-se uma guinada de 180° no foco da discussão, vai-se da água ao vinho - do insípido ao inebriante.

Toda essa mudança ensejou uma nova caminhada. Se alguém vem nessa mesma estrada, não aparece no retrovisor. Tenho ânimo para uma longa jornada, sigo a rota traçada que indica ser esse o caminho. Não tenho pressa de chegar seja lá onde for,. Como dizia Sêneca, não há vento a favor para quem não sabe a que porto chegar. Quem não segue essa máxima terá um grande problema pela frente, plural e hiperbólico. Onde está o problema?

O problema está na volatilidade das relações, na vulnerabilidade das palavras, na mediocridade das ações, na extinção das fronteiras, na irresponsabilidade do indivíduo, na voracidade e ferocidade do mundo, na transitoriedade dos valores, na precariedade do cogito, na falta de ética, na ausência de reflexão. Na liquidez do mundo, enfim. Para quem ainda não entendeu a coisa, sugiro olhar pela janela ou dar uma voltinha na praça.

Penso que você compreendeu que mudar foi um imperativo categórico, uma questão de atitude. A Ufologia do século passado, essa que acontece por aí, não faz mais sentido, caducou, não traz nenhum saber sobre o que supõe estudar. Em contrapartida, veja só, escancara as portas para conhecermos justamente o que mais ignora o tempo todo - o ser humano. As lições estão aí para quem quiser aprender. Os livros estão aí para quem souber ler. A boa dicção está aí para quem tem bons ouvidos.