Obras

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sábado, 29 de outubro de 2016


Praia é abatedouro de filósofos

carlosalbertoreis51@gmail.com



Como anunciei semana passada, vou filosofar mais um pouco, agora levado também por um debate com um amigo, amizade essa a completar quatro décadas de boas histórias vividas no interesse comum, a ufologia. Mas seguimos rumos distintos, e algumas diferenças se acentuaram e se crisparam nos últimos anos. “Amigos, amigos, crenças à parte”. Intactos o respeito e o carinho.

Ele se tornou um astrólogo conhecido na cidade em que se estabeleceu, abraçando o Budismo e o Yoga, além de seguir nos estudos da Antroposofia de Rudolf Steiner e na Teosofia de Madame Blavatsky. Como se depreende, seu universo é o da metafísica, da 'transcendência', do 'oculto', do conhecimento 'superior', dos agentes externos que movem os fios da vida dos mortais. Curioso é ele dizer que “Não existe ‘lá fora’, o caminho é dentro”. Como explicaria suas crenças no lá fora? Vamos analisar um pouco essa questão. Peço desculpas, mas desta vez não deu para poupá-lo de uma leitura mais extensa. Acho que vale a pena.

Em dado momento, a conversa gerou mais calor que luz. Ao contrário dele, eu não me filio a nenhuma doutrina, religião ou sistema filosófico; sou, por assim dizer, livre-pensador. Tenho na Filosofia uma ferramenta de aprendizado através das leituras, aulas, reflexões, cursos, na polifonia discursiva dos melhores, dialogando ora com Platão, ora com Spinoza, ora com Kant, ora com Montaigne, entre muitos. Isso dá liberdade de escolha, de movimento e ausência de dogmas. Admiro todos, mas não rezo a missa de nenhum. Questiono não para contestar, mas para encontrar outras formas de entendimento. É assim que a coisa funciona porque é assim que deve funcionar.

Na sala de aula, quando o aluno levanta a mão e pergunta "- Professor, por que tal coisa é assim?", nenhum mestre em sã consciência dirá “porque sim”; ao contrário, dará ao aluno todos os instrumentos, inclusive fora da matéria central, para que ele encontre a resposta e compreenda a lógica do problema. 

Eis um dos pontos nevrálgicos da discussão: Toda doutrina tem todas as respostas porque todas as perguntas já estão pontas lá dentro. Todo sistema doutrinário se retroalimenta, numa estrutura fechada que não abre para o contraditório. Toda doutrina solapa a individualidade do sujeito. A vida que vale por ela mesma é a vida soberana. O contrário é servidão voluntária.

Já a Filosofia propõe contradições, complementares e antagônicas; pergunta e não responde, não traz soluções nem fórmulas prontas, não centraliza, não radicaliza nem escraviza. Não facilita, não se põe intramuros, não te deixa refém de qualquer certeza, não te torna heterônomo, mas autônomo, ao oferecer meios para raciocinar, questionar, duvidar, indagar, deliberar. E, certamente o mais importante, aguça o senso crítico. Em última análise, é diálogo permanente consigo mesmo para plateia de um único ouvinte. Sem direito a aplauso.

Vejamos o budismo, por exemplo. Segundo Abbagnano, uma “Doutrina religiosa e filosófica que se originou dos ensinamentos de Gautama Buda”. Doctrina, do latim – conjunto de regras, princípios ou instruções que servem de base a um dado sistema de ensinamentos. Regras existem para serem obedecidas, instruções existem para serem seguidas, logo, alguém deve se submeter a elas. Ao bater o sino, não pergunte, ajoelhe e reze é a liturgia nuclear de qualquer doutrina. Sobre Buda, Eliade destaca que "Na língua páli e em sânscrito significa 'iluminado', sendo, muito provavelmente, um personagem histórico, e no plano mitológico, o protótipo do homem divino”. 

Um momento emblemático e surpreendente daquele embate se deu quando, ao citar alguns dos principais filósofos das minhas leituras, meu amigo saiu-se com esta pérola: “Todos eles morreram na praia” e “Todos ficaram na esfera do conhecimento, segundo Steiner". Morreram na praia significa que não chegaram aonde queriam chegar. Aonde queriam chegar? Queriam chegar? Os filósofos abatidos são Descartes, Voltaire, Spinoza, Engel, Hume, Platão, Pascal, Rousseau... 

Para este amigo, se entendi bem, seus mestres Buddha, Krishna, Thomas Merton, Krishnamurti, Alan Watts estão fora da esfera do conhecimento? Foram além da praia? Filósofos morrem, mestres e deuses não. Nietzsche deve estar se debatendo no túmulo. Meu amigo ignora a esfera do conhecimento, preferindo a "intraduzível experiência da totalidade dos sábios", que diz alcançar sempre que esvazia a mente quando medita. Pergunto: como sabe que a sua 'totalidade' é a mesma do sábio? Como saber o que é totalidade? Só porque é "intraduzível" ficaremos a ver navios? Muito conveniente eximir-se de explicações. Clássica zona de conforto. 

O que não entendi também foi ele ter postado, após o debate, a seguinte frase: "Procure as respostas para as questões eternas e essenciais sobre a vida e a morte, mas prepare-se para não encontrá-las. Usufrua da busca". Deduzo que ele concorda com esse pensamento, mas, então, só a experiência intraduzível da totalidade é que vale, não morre na praia? A frase de Morris Schwartz é exatamente o que tenho dito aqui o tempo todo - o percurso é mais enriquecedor que o objeto da procura, até porque nunca teremos a certeza de termos encontrado as respostas certas porque nem saberemos se fizemos as perguntas certas.

Confesso ter dificuldades para entender como é possível passar algum ensinamento adiante sem o conhecimento daquilo que se propõe ensinar. Como explicar as bases, a origem, os fundamentos de tais ensinamentos? É assim porque assim é? É um saber meramente contemplativo, um insight dado pela Providência? O mundo não se explica pelo transcendente nem pelo imponderável, aliás, não se explica nem por ele mesmo, se explica pelo que fazemos dele com o que fazemos de nós. Eis a chave!

Aí está, meu caro amigo, minha querida leitora, exatamente aí reside a grande questão da relação entre nós, e entre nós e o mundo. Não há nada fora do mundo que nos diga respeito. As divindades fazem parte das mitologias, contam histórias sobre a criação do mundo para nos dizer quem somos, mas não interferem em nossas vidas. Nós criamos os deuses por medo de viver, por não suportamos a dor, porque somos fracos, infantis e despreparados para o mundo, por isso estamos sempre em busca da 'salvação divina'. Não são os deuses que devem nos dizer o que devemos fazer. Isso é subserviência, covardia, omissão diante de nossas próprias responsabilidades. Não se deve imputar aos deuses, aos "iluminados", aos demiurgos as causas e os efeitos de nossas ações. A vida é uma só, sem ensaio, sem volta, sem segunda chance, portanto, tenha dignidade e coragem de assumir o seu controle. Conciliação com o mundo. Os deuses agradecem, porque estão fartos de aturar tanta imaturidade.

Se a espécie humana é a única presenteada com a faculdade do cogito, a única a ter consciência de si e a única capaz de traçar seu próprio caminho, ora, justamente no momento de usar esse dom especialíssimo, esvazia a mente, como faz meu meditativo amigo? Prometeu pagou com o próprio fígado por roubar o fogo dos deuses - o logos - para que você não morra de fome nem sirva de alimento ao primeiro leão, e você retribui a dádiva com desprezo, desocupando a mente? Sem a razão, não temos como compensar a nossa total fragilidade. Não poupo ninguém: acreditar no além. em anjos, deuses e fadas, tudo bem, mas se for evacuar a mente, por favor, fique por lá, no vazio, vagando no sertão mental, o mundo não dará pela sua falta. O mundo precisa é de mentes intrépidas, férteis, volitivas, dinâmicas, e não de mentes frouxas, improdutivas e acanhadas, que giram como birutas de aeroporto na direção dos ventos a favor, só dos ventos a favor.

Se o entendimento entre os homens não se der pela esfera do conhecimento, não o será pela via da contemplação e menos ainda pela fé mística. É chique falar que o real é ilusão da mente ou que “a mente assassina o real”. Pode ser, mas apenas como exercício filosófico, não para aplicação prática, não para a busca do saber, não para a compreensão do mundo. Usando a metáfora praiana, o litoral do conhecimento é vasto, mas o oceano da ignorância é muito maior. Já o disse aqui: sejamos gratos aos provocadores, aos desbravadores, aos inquietos, enfim, àqueles que vivem atormentados pela dúvida, porque são eles que nos colocam em ação. Segundo meu caro amigo astrólogo, questiono porque é da minha "dupla natureza geminiana". Fico aqui pensando se piscianos, cancerianos, taurinos também não questionam.  Rezam em silêncio quando bate o sino?

Com toda franqueza (de novo), a crença discipular de que o verdadeiro saber vem de inspiração divina é de extrema fragilidade; é se colocar vulnerável aos influxos de ministérios ungidos por forças cósmicas, supranaturais, transcendentais. Sendo mais direto, é negar a realidade, é acovardar-se ante os desafios, as agruras, as adversidades e os fracassos do cotidiano. É escamotear medos e fraquezas, é esquivar-se do enfrentamento do mundo. Quanto maior a inadaptação ao mundo real dos fatos e das coisas, tanto maior as idealidades escapistas e as rotas de fuga. Alienação. Viver o mundo é fardo pesado, contemplar o mundo é "pegar leve". Esvaziar a mente é paz fugaz, pensar o mundo é angústia permanente. Pergunto: se o real é ilusão da mente, esvaziar a mente não seria também uma ilusão? O vazio não faz parte do real? Fico com Aristóteles, outro que sucumbiu na areia: “O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete”.

Tomara que você tenha percebido ironias sutis nas entrelinhas.


Thomas Merton - monge trapista, escritor sobre espiritualidade.
Alan Watts - teólogo, especialista em filosofias orientais.
Jiddu Krishnamurti - Filósofo e educador indiano.
Krishna - uma das divindades mais cultuada do panteão hindu.
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ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de FilosofiaMartins Fontes, 2007.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Ática, 2011.
ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan P. Dicionário das Religiões. Don Quixote, Lisboa, 1993. 
HUME, David. Tratado da Natureza Humana. UNESP, 2009.
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Bertrand Brasil, 2005.


sábado, 22 de outubro de 2016

O candeeiro alumia dois caminhos

carlosalbertoreis51@gmail.com



Lembra quando eu disse semanas atrás que, caso esteja em dúvida sobre qual caminho escolher - fantasia ou realidade, você deveria perguntar ao gato de Alice? Você sabe qual foi a pergunta que ela fez e o que o gato respondeu? Sêneca disse a mesma coisa com outras palavras e o recado é o mesmo. Já notou que você faz perguntas o tempo todo, todos os dias, e não há gato algum para te responder? É claro que estou falando de filosofia, que está presente em nossas vidas o tempo todo e em toda a parte. As escolhas que fazemos não dizem quem somos, mas o que somos. Já pensou nisso?

Mas, e as crianças, mentes e personalidades em formação, sujeitas a toda espécie de influências, exemplos, indicativos, caprichos, regras e ditames, tentando ser elas mesmas sem, contudo, saber exatamente qual o próximo passo? É preciso uma bússola bem calibrada apontando o norte corretamente. Calma, não quero dar uma de educador, pedagogo, professor, nada disso, minha bagagem se resume a quatro filhos e oito netos. O que estou tentando dizer é que a nossa responsabilidade na hora de ensinar certo é muito maior do que imaginamos. Ensino, do grego en signo, "deixar uma marca para alguém". A boa cartilha recomenda que devemos ser um farol, expor os prós e os contras das escolhas que têm a fazer, e deixar a critério delas o voto final. Dito isso, vamos ao que interessa.

Você lembra também que usei mais recentemente a história da filha do Rubem Alves como exemplo de uma mente bem encaminhada. Suponho que, sendo filha de quem é, seu ambiente educacional e familiar preparou sua consciência com a lucidez necessária para compreender certos mistérios da vida. É óbvio também que ela era potencialmente apta a receber tais ensinamentos. Não é a resposta o aspecto o que mais importa, mas o que está além das palavras, a essência do pensamento, o fundamento filosófico do que está em jogo. 

Quantas crianças podem dar a mesma resposta, perceber a sutileza da questão? Como estamos formando essa geração que está chegando? Estamos preparados? Você se sente pronto a oferecer um caminho razoavelmente iluminado a quem vem por aí? Seu capital filosófico dá conta dos desafios que te esperam a cada amanhecer? Reparou quantas perguntas só neste parágrafo? 

E o que você acha que estou tentando mostrar neste blog? Chegamos ao ponto.

Ao longo destes meses, a cada semana, me esforço para trazer um conteúdo de qualidade, novos campos de reflexão, autores, obras, estudos e ensaios que ampliem os horizontes do conhecimento para balizar seus questionamentos. Aqui desfilam nomes consagrados em quase todas as áreas, e para quê? Para que você se abasteça com o que há de melhor, para refletir com sabedoria, achar seu caminho sem precisar consultar o gato de Alice. Estou praticamente te levando pela mão, portando um candeeiro.

Não me julgue pretensioso e arrogante, dono da verdade. Não sou. Posso estar errado e não tem nenhum problema reconhecer isso quando e se for o caso, mas não nego que me sinto absolutamente confiante do que estou fazendo. Não tenho mais tempo a perder com tentativa e erro. De onde vem tanta segurança? Dado o polimento permanente nas lentes, o ajuste fino e a precisão dos instrumentos, a excelência da companhia e com a rota seguindo o mapa, a chance de naufrágio é quase zero.

Eu te levo pela mão, mas você pode soltá-la quando bem quiser.

Vejo a Filosofia como o eixo central por onde orbitam todas as outras matérias; ela é a cellula mater, o mais belo e puro pensamento que o homem foi capaz de produzir, razão pela qual tem sido a minha bússola, e penso que possa ser a sua também. Filia Sofia, do grego - amor pela verdade, paixão pelo saber. John Locke, filósofo inglês do século XVII, defendia assim esse princípio: "Um sinal infalível de amor à verdade é não considerar nenhuma proposição com convicção maior do que a autorizada pelas provas que a fundamenta." O título é referência a antigo provérbio português: “Candeia [ou candeeiro] que vai adiante alumia duas vezes; o caminho de quem a segura e o de quem vem atrás”. Semana que vem vamos filosofar mais um pouco.

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LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Martins Fontes, 2012

sábado, 15 de outubro de 2016

Como tornar a ausência presença

carlosalbertoreis51@gmail.com


Você não entende papai, chorei justamente porque ETs não existem.

Abro a conversa de hoje com a frase que fechou o post anterior, porque entendi ser importante continuar no tema, começando com o comentário do Rubem Alves, relator e partícipe do episódio: "Compreendi, então, que ela já sabia o segredo das histórias. O ET não existe. As histórias são falsas, mas nós choramos, e por isso são verdadeiras; elas delimitam os contornos de uma grande ausência que mora em nós. Elas contam um desejo, e todo desejo é verdadeiro (muito embora o ET não exista...)."

Esse encantador mundo das histórias, contos de fadas, mitos e fábulas tem gramática própria, é preciso ver não o que está escrito pelas palavras, mas entre elas, no intervalo da pronúncia, nas bordas da narrativa. Só é possível compreendê-las na leitura além da leitura, no silêncio entre os sons, silêncio que a psicanálise ouve com carinho. O visível é a farsa do teatro, a mímica dos personagens, espelhos mágicos que dissimulam a verdade. 

Encantamo-nos não apenas com o oque vemos, mas principalmente, talvez, com o que imaginamos. A imaginação presentifica um desejo, e um desejo preenche uma lacuna, uma ausência, porque somos entes desejantes o tempo todo, porque carentes, porque algo nos falta, sempre. Em um mundo revolto tomado de animosidade como esse que vivemos, é cabível supor que as pessoas sejam religiosas porque desejam algo dos deuses: fim das doenças, prosperidade, vida longa - ou até a imortalidade - e muito mais

Essas pessoas acreditam que podem convencer seus deuses a lhes conceder tais favores, e essa hierofania mostra que a adoração não precisa ter, necessariamente, um fundo de interesse. Quando elas aspiram atingir a transcendência simbolizada pelo céu (tema da próxima semana), creem também que possam 'burlar' a fragilidade da condição humana e passar a outro nível de existência. De todo modo será, sempre, uma fuga e jamais o enfrentamento da realidade.

O "contato", em qualquer nível, surge como uma espécie de ligação com os poderes superiores, do alto, dos céus, esboçando um 'diálogo' com Deus. Desejos, necessidades, carências... ausência, lembrança, saudade. Para Debord, "À medida que a necessidade se encontra socialmente sonhada, o sonho torna-se necessário". Sua análise é mais aguda quando afirma que, "Quanto maior a alienação do espectador em relação ao objeto de sua contemplação – resultado de sua atividade inconsciente –, quanto mais ele admite reconhecer-se na imagem dominante, menos ele compreende sua própria existência e seu próprio desejo." Quando os deuses nos faltam, criamos outros.

Uma pesquisa no final dos anos 1980 mostrou que, para uma parcela significativa das pessoas, era muito importante observar um Óvni. Na mesma época, na Espanha, outra pesquisa demonstrou que mais de 80% acreditavam na origem extraterrestre desses objetos. Eramo números expressivos que deixavam evidente a necessidade ou o desejo de passar por essa experiência. Uma das conclusões das pesquisas é que quanto mais se acreditava no fenômeno Óvni, menos se aceitavam os modelos tradicionais de religião. Não sei se essas cifras e conclusões se repetiriam hoje.

Para deixá-lo com uma baita pulga atrás da orelha, recordo uma instigante frase dita em 1983 pelo luminar amigo Willi Wirz, sagaz investigador do fenômeno Óvni desde o princípio: "O disco voador não é disco e muito menos voador". Um aparente paradoxo ocultando um sentido inesperado? Pois vejo como uma dedução lúcida carregada de sabedoria. O disco voador não é mesmo disco nem voador.

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DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Contraponto, 1967.



sábado, 8 de outubro de 2016


Sabedoria de criança é coisa séria


Por mais que eu procure conter meu ímpeto crítico em direção ao mundo da ufologia, não posso me calar diante de tanto despautério, tanta vigarice, tanta desvario e tanto desrespeito com a inteligência alheia. A sua inteligência. Mas, como diz a sabedoria popular, “Haverá sempre espetáculos medíocres enquanto houver plateias medíocres a lhes aplaudir”. Isso explica por que os medíocres rechaçam tudo aquilo que sua compreensão não alcança. 

Faço o que faço do jeito que gosto e sei fazer: pela palavra, denunciar a falácia intelectual com requintes de lavagem cerebral contida nesse pacote, que produz um poderoso efeito multiplicador e ressonante. Dois pensamentos ajudam a entender minha atitude. De Rabelais: "Conheço muitos que não fizeram quando deviam, porque não quiseram quando podiam". De Hilel, rabi filósofo do século I: "Se não eu por mim, quem o será? Mas, se eu for só por mim, que serei eu? Se não agora, quando?"

Pode ser que minha percepção esteja errada –acho que não – mas na observação do cotidiano sinto que o olhar das pessoas sobre o assunto vem mudando gradualmente, pelo menos dentro de uma faixa etária mais madura, mais vivida, mais experiente. Que mudança é essa? Qual ou quais fatores seriam responsáveis por esse comportamento, se é que acontece realmente e não seja um equívoco meu? Não conto o público fiel que lota congressos, seminários e fóruns que rodam país afora, sempre ávido por novas “revelações”, novos casos e novas descobertas. Esse público não vai mudar. O que ele não percebe é que não há novidade alguma, é sempre a mesma coisa travestida de nova, pura enganação, mas se a plateia aplaude...

Vamos supor, por um momento, que eu esteja certo e que há de fato um novo enfoque nas ruas, um movimento silencioso indicando uma postura, digamos, de maior consciência dos fatos. Devemos deduzir múltiplas causas mas é impensável elenca-las todas neste espaço. O acesso, a velocidade e a quantidade de conhecimento disponível sem dúvida são algumas delas, sem entrar no mérito da qualidade da informação, óbvio. A internet é um veículo facilitador, mas cuidado, Umberto Eco dizia que a internet democratizou a imbecilidade, e ele está certo. A leitura que se faz hoje do mundo também mudou, porque o mundo mudou, e isso certamente contribui muito  para um novo pensar.

Essa minha percepção ultrapassa o âmbito regional porque quando conversei com colegas pesquisadores em Paris, há um ano, eles relataram que os franceses, de modo geral, não se interessam mais pelo assunto como antigamente, considerando-o exótico e fantasioso. Não se apresse, não estou tomando a parte pelo todo, em particular o francês como um novo padrão de conduta, falta consultar o resto do planeta, mas é um dado de realidade, logo, de reflexão. Em contato mais frequente com o historiador português Joaquim Fernandes, fico com a mesma impressão. Para resumir, o interesse continua existindo, mas nem de longe com a mesma intensidade de antes. Entra na conversa quando falta assunto melhor.

Penso que há ainda outro aspecto que deve ser examinado mais de perto: a formação e a educação das crianças. É claro, muito em função do ambiente social e de como pais e/ou educadores veem e transmitem seus conceitos sobre a questão. É uma enorme responsabilidade a qual me empenho por inteiro. Não raro nos surpreendemos como os pequenos absorvem conhecimentos e técnicas – não só tecnologia (celulares, micros, aplicativos...) – mas do mundo mesmo, e isso naturalmente inclui assuntos de natureza pouco usuais como a vida extraterrestre, por exemplo. De novo, não estou generalizando, mas faça um teste com seu filho, sua sobrinha, e depois me conte.  A história que trago me parece emblemática, vivida pelo filósofo e teólogo Rubem Alves.¹ Naturalmente, é um caso isolado, mas vale a pena refletir sobre ele.

Conta ele que estava com sua filha de 7 anos assistindo ao filme “ET – O extraterrestre”, de Spielberg. Na sequência final, quando o simpático alienígena está se despedindo de seus amiguinhos, ele notou a filha em prantos, um choro silencioso e pungente. Reparou que também ele estava com os olhos lacrimejados. Na volta para casa, vendo a menina calada e entristecida, tentou animá-la: - Veja como o céu está estrelado, para qual estrela o ET terá voltado? Como resposta, silêncio.

Mais tarde, percebendo a filha ainda calada, com a fisionomia séria, fechada, tentou descontrair: - Filha, vamos dar uma volta para ver se encontramos o ET? Desta vez, a menina respondeu: – Pare com isso, papai, ETs não existem.
– Ah não? Então porque você chorou tanto ontem à noite? [referindo-se ao filme]
A resposta da garota foi de uma simplicidade irretocável.

- Você não entende papai, chorei justamente porque ETs não existem.

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 ¹ MORAIS, Regis de. As Razões do Mito. Papirus, 1988.


sábado, 1 de outubro de 2016


  Compare, reflita, escolha: fantasia ou realidade

Na noite de lançamento de Naus, um amigo que não via há muito apareceu por lá, mais pela amizade que pelo interesse no tema. A certa hora, ele me perguntou se valeu a pena dedicar tantos anos a um assunto que agora eu 'não acreditava' mais: - Não foi perda de tempo? Dúvida natural, a amizade é relativamente recente e o que ele sabe do assunto vem da imprensa, ou seja, nada. Me pergunto se outros não querem fazer o mesmo questionamento.

No final dos anos 70 realmente senti vontade de parar com o estudo; havia poucos eventos e poucos amigos que pudessem conversar seriamente. O assunto sempre foi motivo de piada, deboche, escárnio, uma situação incômoda e constrangedora. Me afastei por alguns meses até que um congresso em São Paulo me animou e me trouxe de volta à cena. Fiz novos amigos, a coisa engrenou e decidi assumir o desafio de pesquisar com seriedade e acabar com as chacotas, exercendo e aprimorando o espírito crítico.

No início dos anos 90, com mais rodagem e por isso mesmo mais decepcionado, resolvi me afastar em definitivo das pesquisas de campo. Passei a observar à distância o canto da sereia e percebi que poderia prosseguir desde que mudasse meu foco e tomasse outra direção, que aliás já vinha mesmo se desenhando. A partir daí você conhece a história. Quanto a "não acreditar no assunto", a questão foi mal formulada, mas entendi o sentido: "assunto" queria dizer "disco voador".

Então, vem comigo.

Não se trata de acreditar ou não acreditar, mas de saber o que pesquisar e como. Em si mesma a Ufologia não tem nada para ser estudado - nada! - daí parte da minha decepção. Pegando um chiste bem popular, "se murar vira hospício, se cobrir vira circo", e realmente, se não tomar certas precauções, o risco de insanidade é alto e prognostica um potencial estado demencial. Há tempos adjetivamos a ufologia como a nau dos insensatos, um manicômio a céu aberto. Uma nação de patetas.

Entenda, de uma vez por todas: Ufologia não é matéria de nada, não é ciência, não é doutrina, não é religião, não é seita, é um sofisma barato que ainda funciona, fazedo dela o que lhes convém fazer em proveito próprio. Um hobby, passatempo de fim de semana, papo de boteco, embora alguns aufiram lucros de modo um tanto suspeito. Por extensão, ufólogo também não é profissão, não está na academia, mão tem sindicato, carteirinha ou diploma e não paga imposto; mesmo não tendo o objeto da pesquisa, está tão viciado e tão empostado pelo habitus do 'ofício' que já nem sabe mais o que está fazendo lá, sem se constranger nem enrubescer com a exposição pública de sua mais absoluta inutilidade. Mas, se não atuar nesse palco, continuará um obscuro professor, um reles bancário, um funcionário público mediano e descartável. Em outras palavras, ele precisa que alguém chancele seu 'status' de ufólogo como atestado sua existência social.

Fato é que a Ufologia não passa de um festival de absurdos, um mercado persa de relatos delirantes, uma mixórdia de teorias fantasiosas, ideias esdrúxulas e devaneios, sem contar as sandices, as paranoias, as cretinices, a psicopatia, o charlatanismo e a pajelança. Um verdadeiro circo de horrores.

Sim, valeu a pena, não foi perda de tempo, aprendi e ainda aprendo, e o mais legal, compartilho com você esse conhecimento, sempre renovado, consciente e comprometido com tal responsabilidade. Por isso, acho também que vale a pena você ficar por aqui. Por quê? Porque aqui as palavras têm peso, não são como fumarolas ao vento, você não é enganado e não tropeça em banalidades. Sua inteligência não é espancada nem traída nem subtraída. Aqui não tem embromação, a realidade é dissecada a sangue frio. Aqui você não é doutrinado por um sacerdócio de ideologias metafísicas porque este espaço é consagrado à razão, onde a irracionalidade é abatida em pleno voo pela artilharia da lógica. Aqui você tem um corpo robusto de saber proveniente de fontes confiáveis, que premia uma informação de conteúdo. Aqui, a reflexão é o motor e a discussão vai além da superfície. Enfim, aqui você é tratado com respeito. Compare, reflita e escolha o caminho. Se estiver em dúvida, pergunte ao gato de Alice.