Obras

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sexta-feira, 18 de novembro de 2016


Cacto insolente

carlosalbertoreis51@gmail.com


Mais uma vez voltei a debater com aquele meu velho amigo de sempre. Não é um personagem fictício como talvez você possa pensar, como pretexto para puxar assunto. Ele existe, e é pelas redes sociais que nossas discussões costumam soltar faíscas. Enquanto ele insiste em me persuadir a aderir às suas convicções, eu, ao contrário, me limito a discorrer sobre a minha visão de mundo. Contudo, quando o assunto é Ufologia, nossos pontos de vista estão sempre em rota de colisão, e eu o imagino inconformado prestes a pular no meu pescoço. É só uma figura de linguagem, não se preocupe, somos bons amigos e jamais chegaremos às vias de fato. 

Desta vez, ele disse que gostaria de me ver debatendo com ufólogos porque eu teria "matéria prima para bater e socar" todos eles sem sofrer um arranhão, e até me apoiaria na contenda. Nesse ponto ele tem toda a razão, porém, ao dizer que se do outro lado houver pilotos, operadores de radar, militares, essa gente toda, eu serei “massacrado”. Ele está redondamente enganado, e no melhor estilo “valentão de rua” eu chamaria todos para a briga, e podem cerrar fileiras astronautas, físicos, engenheiros, o diabo. Ele disse que eu deveria ser menos arrogante e mais humilde, e deixar de lado essa “vaidade intelectual”. Agora errou feio. Não há soberba alguma, o que há é muita segurança na fundamentação dos argumentos.


Penso que é possível desatar o nó dessa discórdia. A certa altura da conversa ele escreveu uma frase absolutamente correta, certeira, ainda que para outro assunto do seu domínio. Ele queria dizer que eu não poderia contradizê-lo porque “Pra entender (...) tem que estudar a complexidade da época”. Bingo! Ele acertou na mosca. Na réplica, sublinhei suas palavras, pedi que atentasse ao que havia escrito e arrematei: “Ora, pois foi exatamente o que fiz com a Ufologia." Acho que ele não gostou de provar do próprio veneno. Como costuma fazer quando se sente acuado, esquivou e não voltou a falar de Ufologia.

Fiquei pensando nesse diálogo. Por conta dessas divergências cascudas, ele não leu nem vai ler meus livros e não acompanha este blog, portanto, está fora do perímetro de contestação, sem capital para entabular qualquer discussão porque não tem a menor noção do que venho falando todos esses anos. Sua declarada recusa dessa leitura é sintomática, característica daqueles que temem ser confrontados diante da fragilidade de suas crenças. Então, apela para a casuística como se eu mão fosse do ramo e não a conhecesse. Seu universo literário está circunscrito às obras ufológicas e outras mais específicas – budismo, astrologia, espiritualidade em geral, ou seja, um universo finito e limitante. Essa é a vantagem do livre pensador, ter arsenal variado e munição de sobral. Acredite, não serei massacrado por ninguém. Sabe por quê? Porque tenho boas razões para isso. Muito resumidamente, vamos a algumas elas:

Primeira, não estou nem um pouco interessado em pelejar com patentes menores da Aeronáutica, dos Fuzileiros Navais ou da Armada russa. Se os conhecimentos técnicos são indiscutíveis nas áreas que atuam, o entendimento sobre o fenômeno Óvni é precário, restrito e episódico, portanto praticamente nulo. O debate nem começaria.

Segunda, quem manda mesmo nesses departamentos - o primeiro escalão, sabe do que estou falando e sabe que tenho razão, mas, é compreensível, por motivos óbvios e conveniência, tem que manter o statu quo¹Isso inclui assumir atitudes ambíguas e dissimuladas, ter centenas, talvez milhares, de relatórios tarjados de "confidencial", "secreto", "ultra-secreto" mas totalmente inúteis, porque não passam de depoimentos comuns, sem absolutamente nada de extraordinário. The show must go on...

Terceira, não sou um tolo inseminado pelas narrativas fantásticas de 'Arquivo X' nem pela gramática verossímil da ficção científica, muito menos pela paranoia das teorias conspiratórias de silêncio e outros desvarios. Repudio as  pseudos sociedades 'secretas', as escolas iniciáticas e a cultura do ocultismo. Não me vergo a credos, doutrinas, filosofias, religiões, escrituras, demiurgos, avatares, seitas e outros grupelhos. Minha consciência é livre para pensar por seus próprios méritos.

Quarta, não é problema meu se crédulos no cio endossam excitados qualquer relato, da autoridade ao roceiro, como testemunhos críveis da verdade. A casuística ufológica é natimorta. É exatamente isso que você leu. A análise fria e honesta mostra que todo evento alegadamente ufológico está morto antes de nascer, ou seja, todos acolhem uma explicação bastante razoável fora da moldura ufológica, sem exceção. Lamento que, encabrestados, só olhem para a cenoura e não ampliem seus horizontes culturais. Estão, em larga maioria, na vala comum da mediocridade. Minha saúde mental me põe a salvo de ficar feito sonso à caça de disco voador ou invocar ETs imaginários, já bastam os siderados de carteirinha.

Quinta, enquanto trago à luz a gênese do problema pelo esforço intelectivo e processo investigativo, outros se divertem com as sombras, a caverna alberga todos. Enquanto se lambuzam com belos frutos de sabor duvidoso, eu depuro as raízes. Em outras palavras, são as causas que precedem e determinam os efeitos, não o contrário. Não é a casa pronta que me interessa, mas de onde vem a areia que a levanta. Essa é a tinta que reescreve a história - para entender o nascedouro do problema, tem que conhecer a complexidade da época, como dizia Jung, o Zeitgeist - o espírito do tempo.

Sexta, não me amparo em fantasmagorias ou idealidades metafísicas alucinantes e alienantes. Não professo um diletantismo ficcional. Não tropeço em divagações teóricas frouxas. Não brinco de fazer ciência. Não me alimento de utopias, mas de saberes, sem medo de engasgar com a verdade. Não estou só. Confiança, razão, fundamentação, legitimidade, coragem, segurança e solidez. E retaguarda, altamente qualificada. Não pretendo convencer ninguém, mas uma coisa é certa, quem se abrigar sob o meu guarda-chuva não irá se molhar. 

Não haverá massacre algum. 

O título foi extraído de um trecho do Soneto III-96 de Bruno Tolentino, bastante apropriado: ...e a vida inteira fui assim, cacto insolente a situar-se onde o deserto empalidece. (A Imitação do Amanhecer, Globo, 2006).

¹ Statu quo - sem o 's' final é a grafia correta da expressão latina.

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