Obras

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sábado, 11 de fevereiro de 2017



eu sou vários outros
carlosalbertoreis51@gmail.com
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Observação importante (último aviso): Não leia o blog pelo celular, é recomendação médica para não forçar a visão. Dedique alguns minutos lendo no computador, até porque as matérias pedem atenção e reflexão para seu pleno entendimento.
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Desde já aviso que o tema hoje é espinhoso, de difícil digestão, porque fala de nós, todos nós, e dos outros, todos os outros, razão pela qual dividi em duas partes, sendo esta primeira um tanto introdutória. Os estudos sobre alteridade não são poucos, não são novos, não são rasos e serão cada vez mais densos. O Outro é chave fundamental para a Psicanálise, a Psicologia Social, a Antropologia e Filosofia para a compreensão do homem. Mas, outro quem? Todos, o próximo e o distante, o presente e o ausente, o velho e o novo, o irmão e o anônimo, deus e o diabo, o imigrante e o refugiado, todos. Acho que já falei disso aqui, talvez usando o exemplo dado por Sartre em O Ser e o Nada no capítulo "O olhar". Só que o enfoque agora é outro (com perdão do trocadilho), onde trabalho com a ideia de um vidro semitransparente, tão revelador quanto enigmático. O que vem a ser isso? Tu és o espelho de mim; somos, assim, in(ter)divíduos, dizia Emmanuel Lévinas.

Ao se fazer uma consulta médica, o clínico examina, diagnostica e prescreve o tratamento. Se há uma disputa jurídica em curso, o advogado submete aos trâmites legais para resolver o caso. Quando o carro enguiça, é o mecânico quem substitui a 'rebimboca da prafuseta' para fazê-lo funcionar. Se o computador der pane, só o técnico é capaz de recuperá-lo. Em suma, só quem é do ramo pode dar conta do problema. Não é o que acontece na ufologia, onde a inépcia e inabilidade de um compromete o resultado do todo.

O sujeito existe em função do outro, mas o paradoxo está em que é preciso um desaparecer para o outro existir sem a imagem sobreposta. O temor não é que o outro me faça falta, mas que eu faça, porque ele pode existir sem mim. O outro fala muito sobre mim, enquanto nada sei sobre ele. Só compreendendo-o compreenderei a mim, e só quando compreender a mim compreenderei a ele. Aporia absoluta. É a lógica da dialética e da alteridade preconizada por Paul Ricoeur, mas quem vem 'complicar' ainda mais é Lévinas, novamente, para quem o Outro é um outro Eu. Faço uma licença poética para dizer Eu somos nós.



Como a suposta experiência visual ou de contato com o alienígena é impactante e "indizível" pela própria natureza, ela toma contornos de veracidade e legitimidade, fato esse que consagra o erro primário do pesquisador, que acredita na testemunha que acredita no pesquisador. O impasse perdura num acordo mudo de interesses, de cumplicidade recíproca: Um diz o que o outro quer, gosta e precisa ouvir, não importando quem é um e quem é outro.

Nesse momento em que ufólogo e testemunha se encontram, interpomos o tal vidro semiopaco o qual, ao mesmo tempo em que reflete a face de um, deixa ver a do outro. E o que acontece? Exatamente, as faces se sobrepõem, se (con)fundem, um é o outro, um se vê refletido no espectro do outro. O enigma é saber o que há no vácuo formado entre eles, no silêncio que se manifesta entre e por trás das palavras. O silêncio fala, e isso não é poesia, é a senha para as áreas citadas, as quais não ouso invadir. Para o filósofo Santiago Kovadloff, este silêncio "vibra o eco de uma presença sem rosto". 

Saiba que alteridade não é apenas entre sujeitos, mas entre sujeitos e objetos, e com isso a complexidade cresce exponencialmente, na certeza de jamais exaurir o assunto. Agora, por um instante apenas, vamos colocar essa reflexão em termos de ufologia e teremos aí uma difícil equação com quatro componentes, ou, nessa linguagem, quatro "outros": o ufólogo, a testemunha, o alienígena e o disco voador, este entendido como "fenômeno". Um intrincado jogo de espelhos que reflete a si e aos demais. Qual o verdadeiro rosto de cada um? Há um rosto verdadeiro? Seria a presença sem rosto da qual fala Kovadloff? Todavia, há um complicador (mais?) - nenhum deles conhece o outro! E eu me atreveria acrescentar o mundo, o cosmo e a transcendência, ou, se preferir, deus.

Presença sem rosto. Impossível não trazer Roger Scruton em sua brilhante construção filosófica sobre o Rosto do homem, do mundo e do transcendente, Deus. Para ele, a inteireza da subjetividade do sujeito inexiste sem o olhar do outro. E onde está o Rosto que não me vê e eu não vejo? E se o Rosto do outro não é o mesmo que eu vejo? O mundo que me vê é o mesmo que eu vejo? Sentiu o peso da dificuldade e da responsabilidade no trato da coisa? Percebeu o valor e a extensão do estudo? Semana que vem tem mais.

Agora que você terminou de ler, veja a entrevista:
https://www.youtube.com/watch?v=ZtsOWYwN22w

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Paul Ricoueur. O Si-mesmo como um Outro. Papirus, 1991.
Emmanuel Lévinas. Entre Nós - Ensaios sobre a Alteridade. Vozes, 2005.
Samuel Kovafloff. O Silêncio Primordial. José Olympio. 2003.
Roger Scruton, O Rosto de Deus. É Realizações, 2015.

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