Obras

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sexta-feira, 14 de abril de 2017


O círculo, o tempo e a linguagem

Pediram minha opinião, eu dei. Agora escrevo. O assunto tem sido comentado aqui sob vários ângulos, e ainda recentemente voltei a ele quando do anúncio da NASA sobre a descoberta de (mais) um sistema solar semelhante ao nosso: Vida extraterrestre inteligente. Parece que está havendo uma febre pelo tema, só se fala nisso e vem mais por aí. A referência agora é um longa de ficção científica que divide opiniões e crítica, o insosso e sonolento "A Chegada". A presença dos alienígenas como pano de fundo não foi suficiente para impulsionar a questão da linguística. Diluiu-se na névoa da colossal nave. Estou ficando cada vez mais seletivo e exigente na análise, mas não é esse o ponto. O filme é só um pretexto para introduzir a discussão.

Para dar base científica à trama e justificar o papel da linguista, o filme recorre à "Hipótese Sapir-Whorf", que é objeto de controvérsia, inclusive sobre sua autoria. O cerne do debate linguístico gira em torno da tríade cultura-linguagem-pensamento como um trançado borromeano (figura): seus elementos são indissociáveis e sem prevalência de qualquer um deles. Também não é esse o ponto que quero comentar, nem a confusa e tortuosa inserção do fator "tempo" na interação com o extraterrestre.


O que interessa é a ideia que está por trás da narrativa - a linguagem. Se o diretor queria passar algum recado, fracassou, e chego a pensar que nem ele mesmo sabia exatamente o que queria transmitir. O que parece ter tentado dizer é que o sujeito precisa mergulhar na cultura e na mente do outro se quiser compreender e apreender sua lógica, sua linguagem, seu modo de pensar. Até aí, óbvio demais. Usou seres alienígenas como extremo da comunicação com inteligências não humanas. O diretor já fez coisa melhor, mas nesse longa sua atenção se dividiu entre o roteiro e a mensagem, e ambos se perderam no vácuo.

Eu queria entender como diabos a cientista concluiu que o círculo era um símbolo para "tempo"? Por causa dos sonhos que teve após entrar na nave? Forçou a barra. Esqueça o alienígena, coloque em seu lugar um esquimó: se ele desenhar um círculo no ar, acompanhado de um grunhido e bater palmas, estrará se referindo ao tempo, ao mundo ou ao à sua tribo? Poderia ser um afável cumprimento ou seu oposto, um enfático "volte de onde veio"? O círculo pode ter vários significados, alguns até antagônicos, dependendo da cultura em que está inserido.

A rigor, filosoficamente falando, o tempo não tem nada a ver com o círculo!

A cruz suástica, por exemplo. Adotada pelos nazistas durante a Segunda Guerra, sua antiguidade perpassa os celtas, astecas, índios Hopi, budistas, gregos e hindus, com diferentes interpretações. Um detalhe fundamental ressaltado por Cirlot é que os símbolos não estão isolados, mas unidos entre si de algum modo, gerando composições simbólicas mais complexas.

Não sou linguista, mas estudos mostram que, para se decifrar um código ideográfico ou uma língua estrangeira, é preciso que exista uma estrutura por trás do código ou da língua. Pegue um ideograma chinês e tente decifrá-lo. Leia uma frase em dinamarquês, sânscrito ou russo e traduza. Sem conhecer a formação estrutural, não dá. Tente entender o rugido do leão, o canto do sabiá, o coaxar do sapo. Mesmo percebendo que há uma "lógica" peculiar em cada som, a "tradução" só será possível desde que se identifique a estrutura de cada um, e isso pode levar um tempo extraordinário, ou nunca ser descoberta.

O filme comete erros primários, perdendo-se na superficialidade das explicações que não explicam, na invenção de uma serpentina temporal à semelhança de "Interestelar" que atiça o imaginário, mas que só funciona nas teias diáfanas da ficção, porque as da realidade são concretas, "pegajosas", sem filtros. No fim das contas, o diretor não fechou a história. Ela acaba do jeito que as naves foram embora - do nada. Não tem material nem para reflexão, é só mais uma ficção inverossímil que não vai deixar saudades. Brincar com o tempo é um modo de não ter de enfrentá-lo.


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Juan-Eduardo CIRLOT.  Dicionário de Símbolos. Moraes, 1984.

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