Saiu recentemente na edição digital do Le
Monde¹, na seção de astronomia, a notícia Des signaux radio
inexpliques das l'espace -
Sinais de rádio inexplicados no espaço. Em resumo, a matéria fala de sinais de
rádio emitidos por uma estrela do tipo anã branca (semelhante ao Sol)
localizada há cerca de 11 anos-luz, captados pela equipe do Observatório de
Arecibo, em Porto Rico. Até aí, nenhuma novidade, afinal, diariamente são
detectados sinais de rádio vindos dos mais remotos rincões do espaço.
Então, naturalmente, você quer saber o que há de diferente nessa notícia.
A diferença está em que, desta vez, os
cientistas, ao elencaram várias opções da origem dos sinais, relegaram a hipótese alienígena para o
fim da lista. Alvíssaras! O bom senso parece ser o norte dessa turma. Nas
palavras do astrônomo Abel Mendez, diretor do Laboratório de Habitabilidade
Planetária da Universidade de Porto Rico, "Nós não sabemos a origem desses
sinais, mas existem três principais explicações possíveis: Poderia ser uma
erupção do tipo solar, emissões de outro objeto no campo de observação da
estrela ou apenas uma explosão de um dos seus satélites se movendo em uma
órbita muita remota". Com ironia, o cientista salienta que a possibilidade
de os sinais serem obra de alienígenas na verdade nem foi levantada. Como
procedimento de rotina, outros centros foram acionados na escuta destas
emissões, incluindo o SETI - Search for Extraterrestrial Intelligence, dos
Estados Unidos. Seria uma exceção num lampejo de sensatez e maturidade, ou tende
a ser uma postura mais coerente com a realidade, menos propensa a
fantasia? Torço para isso, mas só o tempo dirá.
Perceba que temos aqui duas áreas
distintas de pesquisa que nem se tocam, e apesar de serem autoexplicativas na
própria denominação - radioastronomia e exobiologia -, o senso comum, com
contribuição da imprensa leiga, consegue a façanha de juntá-las no mesmo pacote
e a partir daí achar que uma emissão de rádio originada de um astro signifique, necessariamente, um
"sinal alienígena", no sentido de ter sido produzido por uma
inteligência extraterrestre. Parece óbvio, mas este é um erro tão primário quanto imaginar que
nossas transmissões possam ser captadas por uma hipotética civilização das
Plêiades. Trata-se de processos diferentes, frequências diferentes e
intensidades diferentes. Portanto, da próxima vez que você ouvir ou ler alguma
notícia sobre "sinais de rádio vindos do espaço", já sabe, não tem
nada a ver com "civilizações intergalácticas longínquas e avançadas"
tentando contato com a Terra. Deixe isso para a ficção, combinado?
Essa solidão incomoda, não gostamos nem um
pouco da ideia de sermos os únicos em um universo que se agiganta a cada manhã,
o que torna este pequeno e 'pálido ponto azul' cada vez mais ponto e menos
azul. Através das obras de ficção embarcamos em naves imaginárias a viajar
pelos sonhos venturosos da infância, revestidos de uma magia quase possível,
quase tangível, quase real. Então despertamos e as naves, as viagens e os
sonhos esvanecem "como lágrimas na chuva", diria Roy Batty².
Não importa o que se diga ou se escreva e nenhuma análise que possa ser feita sobre o nosso lugar no universo irá demover o homem de procurar por outras formas de vida, seja ela rudimentar ou transcendente. Na mais avançada das ciências e na mais mística das religiões, haverá sempre um esperançar por um eco distante de nossa voz. A longa noite dessa infância cósmica nos cobre com um manto de estrelas e mistérios. Difícil é enfrentar a majestosa e esmagadora vastidão sem a devida grandeza de espírito. Para adquirir este sentimento e não sucumbir à atroz realidade de que "sofremos a existência"³ entre o nada do antes e o nada do depois, e que estamos no meio do nada, não basta apenas inteligência, há que se aprender com as ciências, pensar com as filosofias e olhar como os poetas...
Aceita o universo
Como to deram os deuses.
Se os deuses te quisessem dar outro
Ter-to-iam dado.
Aceita o Universo*
Alberto Caieiro
(heterônimo de Fernando Pessoa)
________________
¹ 18/07/2017
- http://www.lemonde.fr/cosmos/article/2017/07/18/des-signaux-radio-inexpliques-dans-l-espace_5161759_1650695.html
² Roy Batty, o androide de Blade
Runner, interpretado pelo ator Rudger Hauer.
Lev Chestov, As
Revelações da Morte, Morais,
1970.
* Versão original, conforme a gramática portuguesa do início do século 20.
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