Obras

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sábado, 18 de novembro de 2017


ALUCINAÇÃO:NOS MEANDROS DA PSIQUE


Com a segunda e última parte do artigo do Dr. Ubirajara Rodrigues, encerro a série sobre alucinação. Voltando à origem do debate, a pergunta "Visões coletivas são possíveis?" tem por resposta, sim, a visão coletiva é possível e até demonstrável, o que explica uma infinidade de eventos tais como aparições de natureza religiosa, espíritos, criaturas extraordinárias, alienígenas, discos voadores e muitas outras coisas do tipo. Vamos à conclusão do autor convidado.

No fundo, essa experiência é importante porque abrange um processo que nos permite chegar a conclusões surpreendentes. Por exemplo: numa noite escura, durante vigílias, um grupo inteiro pode testemunhar a observação de fenôme
nos estranhos pertencentes ao mundo abstrato da mente. Se interrogados separadamente, cada um dos indivíduos poderá acusar detalhes extremamente coincidentes, sem contudo oferecer prova de que tenha avistado alguma coisa realmente objetiva e concreta. Podemos relatar uma ocasião em que um senhor de 40 anos, negro e de cabelos curtos, observado por um grupo de dezoito pessoas, pareceu-lhes uma mulher jovem, loura, de longos cabelos, seios voluptuosos e vestida apenas com um sutiã.

Apesar do aparente aspecto hilariante, o resultado coincidiu com as fortes tendências sexuais confessadas pelo 
objeto da experiência. Mais complexo foi o índice de coincidência obtido por 22 pessoas, num grupo de 32, durante um curso de parapsicologia ministrado por nós. Uma jovem foi vista como uma freira idosa, de hábito completo, no interior de um prédio antigo, onde de fato residira uma religiosa por toda a vida, coisa que foi confirmada posteriormente e não era do conhecimento de qualquer um dos presentes. [Neste ponto, acrescento que participei da referida experiência naquela ocasião como parte da plateia seguindo os passos de todo o processo, atestando a lisura da pesquisa. Os resultados foram de fato surpreendentes].

Para casos semelhantes é fartamente demonstrado que o inconsciente humano pode representar a realidade que capta de um ambiente impregnado pelas impressões vibratórias de pessoas e fatos que o marcaram. Em grupo, tudo leva a crer que a captação é mais forte e bem mais fácil, portanto, menos rara do que se supunha. Numa de nossas tentativas, uma senhora foi observada por 60% dos presentes com o ventre aberto e luminoso, de onde se projetava a figura de um bebê. Jamais pudera ser mãe e, de idade madura, guardava só para si o que chamava de sua “maior frustração”.

De grande interesse para a ufologia são os registros que os observadores fazem de movimentos, não só do indivíduo sentado, como de objetos fixos do ambiente, movimentos esses, é lógico, não ocorridos. Na verdade, tudo se trata de simbolismos materializados em imagens, que o inconsciente projeta à interpretação das pessoas. Esse recôndito amplo e onisciente do psiquismo humano necessita, pois, de pontos de referência e estímulo para se manifestar. Em casos de observação de Óvnis irreais, atribui- se, primeiramente, à vontade da testemunha em ter pelo menos um contato visual com tais corpos, sem se falar no extremo fanatismo que hoje reina em certos segmentos da área ufológica, que a cada dia criam mais e mais “contatados” Outra razão é o mito do disco voador (mito apenas por seu aspecto de mistério secular), que já está plasmado na mente da humanidade e é trabalhado pelo nosso inconsciente de quando em vez. Ainda melhores e mais fortes são as facetas de um simbolismo arquetípico tão bem analisado por Jung.

Nos demais casos, principalmente durante as experiências já comentadas, o primeiro impulso que forçará a manifestação do inconsciente é a ilusão de ótica. Num ambiente totalmente negro, apenas com uma tênue luz infravermelha incidindo sobre o observado, a vista custa a adaptar-se, provocando perda de perspectiva e distância. Depois a fixação do olhar leva os objetos, quase todos delineados somente em silhueta, a perderem suas referências reais. Nessa situação, se permanecermos de olhos abertos e despertos, a percepção tem que ser suprida de algum modo. Consequentemente, nada mais propício à ação quase imediata do inconsciente, que se utilizará da ilusão para logo nos levar a interpretar as imagens disformes que, aos poucos, tratamos de moldar segundo diversos fatores. 

A projeção de imagens mentais é um campo vastíssimo de estudo, onde já se conhecem fenômenos registráveis até no mundo físico. As fotos paranormais estariam aqui enquadradas, nos casos em que a película grava cenas não-concretas e pessoas que não se acham presentes no momento do disparo da câmera, como revelam muitas dessas fotos em nosso poder. A parapsicologia caminha a passos largos para provar que a mente coletiva humana é capaz de materializar imagens em um espaço dimensional que normalmente não temos condições de observar, embora possa estar mais próximo de nós do que imaginamos.


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Aí está. Finda a série, espero ter contribuído minimamente para esclarecer um assunto que circula com frequência no meio acadêmico mas é pouco discutido no ambiente laico, e, por isso mesmo, objeto de compreensível incompreensão. Todos nós as vivenciamos, em certa medida, porque são mais comuns do que se pensa. Espero, também, ter ficado claro que as alucinações não explicam todos os fenômenos, os fatos espetaculares, fabulosos, apenas parte deles -  discos voadores e alienígenas, por exemplo, criaturas etéreas, celestiais, míticas e sobrenaturais - e toda uma imensa galeria pertencente ao universo simbólico das abstrações necessárias do homem.

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Maurício Aranha, Etiologia das alucinações. Ciência&Cognição, 2004, v. 2, p. 36-41.
Pierre Janet, L’automatisme Psychologique: Essai de psychologie expérimentale sur les forme inférieures de l’activité humaine. Centre National de la Recherche Scientifique. Paris. 1973. In Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 11:2, jun/2008, p. 310-314. (Tradução Alain François).
William James, As Variedades da Experiência Religiosa. Cultrix, 1991.
Ioan Lewis, Êxtase Religioso. Perspectiva, 1977.
Oliver Sacks, Alucinações. Relógio d'Água, 2013.
__________. A Mente Assombrada, Cia. das Letras, 2013.
Carl G. Jung, Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Vozes, 2000.
__________. Símbolos da Transformação. Vozes, 2001.

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