Obras

Obras

sábado, 21 de maio de 2016



  A História agradece aos exploradores



Neste último quarto de século, tenho empreendido um olhar crítico com tal vigor e rigor, que muitas vezes me vejo obrigado a refrear o ímpeto, mas, em se tratando de Ufologia, que afinal conheço bem, não poupo o verbo. Por essa razão, reiteradamente sou levado a rebater as "evidências inquestionáveis" da casuística ufológica. Evidências? Inquestionáveis? É enfadonho discutir nesse nível dada a habitual fragilidade do discurso oponente, mas abro uma exceção para esclarecer alguns pontos.

Um dos 'argumentos' que sempre vem à baila é o caso brasileiro conhecido como "A noite oficial dos Óvnis", que completou 30 anos no último dia 19. Não vou discorrer sobre os fatos daquela noite, apenas tomarei como exemplo indo direto ao que interessa. Os mais novos poderão se informar através das referências, os mais velhos sabem do que estou falando.

Quando uma notícia de disco voador vira manchete, os jornais dão destaque, rádios e TVs entrevistam ufólogos e promovem debates com astrônomos, revistas pautam matérias especiais. Passada  ebulição, tudo volta ao normal. Ninguém mais fala do assunto e a imprensa não quer saber o que de fato aconteceu. O caso circula apenas entre os ufólogos, mas a estatística que fica ilude a opinião pública, os leigos  e os crédulos. Não foi diferente com "A Noite", que causou um furor sem precedentes; autoridades e militares envolvidos vieram a público tentar esclarecer os fatos no calor dos acontecimentos. Durante algum tempo não se falou outra coisa até o interesse acabar. Foi mais um caso contabilizado como inconclusivo. 

De concreto, apurou-se, na filtragem dos dados, no cruzamento dos depoimentos e dos registros eletrônicos, que apenas três objetos luminosos (e não 21 como noticiado inicialmente) foram detectados visualmente e pelos radares. Algo aconteceu, balões e pontos fixos foram identificados e descartados, mas não se sabe exatamente do que se tratou. Com certeza discos voadores não foram. O relatório oficial produzido dois meses depois limitou-se a informações técnicas complementares, transcrição das gravações e um brevíssimo e cauteloso parecer. Como os ufólogos não aceitam indefinições, assomam crispados denunciando "acobertamento da verdade" e outras patetices iguais. Tanta renitência tipifica imaturidade e vegetatismo intelectual. Quando não é ingenuidade, é insanidade.

Quando se declara "Óvnis existem", isto é verdade, ninguém discute, mas Óvni não é sinônimo de disco voador. Os ufólogos, no entanto, juntam um e outro na mesma linguagem e a cartilha está pronta. Apesar de tanta "certeza", precisam sempre, obstinadamente, da chancela oficial para validar suas histórias.

Outra alegação muito comum é apresentar o testemunho de pilotos, especialistas, técnicos, patentes do governo e outras figuras, e até do âmbito familiar - primo, irmão, mãe, etc. como prova cabal e irrefutável da existência destes objetos. Errado. Nenhuma palavra pode ser considerada como prova do que quer que seja até que se faça a uma ampla investigação, diligente, isenta e a mais completa possível.

Mas, omo afirma peremptoriamente um amigo, "não há dúvida de que são naves operadas por inteligências não humanas que atuam na nossa atmosfera há séculos". Há uma contradição escancarada nessa fala que nem ele nem seus pares ainda foram capazes de perceber! E não vou dizer, eles que torrem os miolos tentando descobrir. Ela não passa de um blefe, um ardil retórico que fere o principio da razoabilidade, uma falácia doutrinária grotesca despejada sem o menor pudor. Enfim, um bordão anacrônico e decadente que se ouve a todo momento, por isso o debate é enfadonho.

É uma pena que os ufólogos, apedeutas errantes na sua imensa maioria, estejam circulados pelo restrito campo de visão no estudo dessa falsa ciência chamada Ufologia, o porto seguro, o reduto, território sagrado que dá guarida às suas crenças e carências. Dessem um passo à frente e um vasto território se estenderia sob seus pés para possibilidades infinitas de crescimento. Quem o fez jamais recuou. Mas essa massa improdutiva jamais atravessará as portas do seu castelo imaginário, recolhida silente na ignorância, no medo e na covardia.

Imagine se Newton, Galileu, Copérnico e Einstein não ousassem pensar para além do trivial. E se os navegadores do velho mundo resolvessem passar seus dias jogando cartas e bebendo vinho no conforto dos requintados salões? Por que Platão, Pascal, Kant, Spinoza e Nietzsche perderiam seu precioso tempo com complexas elucubrações filosóficas que romperam as barreiras do pensamento? E o que dizer da exploração espacial, quando homens destemidos se lançaram no vazio infinito sem garantias de voltar? A história do mundo se escreve com a coragem e a insaciável vontade de conhecer dos verdadeiros desbravadores.

O rio do conhecimento é largo e caudaloso, e quem ficar à sombra na margem jamais saberá da força e da riqueza dessas águas. Restará esquecido no limbo da história. Por oportuno, Baudelaire: "Conheço muitos que não fizeram, quando deviam, porque não quiseram, quando podiam".


Colaboraram Eustáquio Andréa Patounas e Rogério Chola.
__________________

Of.11/OOP/c199 - 1º CINDACTA - 11/07/1986
RAAD, Mariana. A Noite: Objetos voadores não identificados nos céus                                            do Brasil. Revista Força Aérea nº 43, Jun-Set/2006.

Nenhum comentário:

Postar um comentário