Obras

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sábado, 7 de maio de 2016


Vida extraterrestre é possível. Inteligente, não


Parece haver uma confusão generalizada, em alguns casos conveniente, em outros, por ignorância, quando o assunto é vida extraterrestre inteligente. Conveniente quando se trata de um jogo de retórica executado por ufólogos imbuídos de má-fé, cujo objetivo explícito é direcionar a opinião pública leiga para assim justificar a razão de suas pesquisas. Confusão por ignorância é aquela advinda dos amantes e entusiastas da ciência, obviamente desprovidos de outros saberes necessários ao correto entendimento da matéria. No fundo, o que há é um claro descumprimento das regras do pensamento analítico, lógico, técnico e crítico, cujo conteúdo é mais complexo do que se imagina. Vamos então colocar as coisas nos seus devidos lugares.

Sim, vida extraterrestre é perfeitamente possível, embora até hoje não exista o menor indício, nenhuma comprovação, nada que possa confirmar sua existência. Podemos levantar essa hipótese apenas a partir da descoberta de microrganismos terrestres que sobrevivem em ambientes inóspitos e em condições extremamente hostis, nada além disso.

Uma varredura realizada num raio de 200 anos-luz em busca de sinal de vida resultou infrutífera. Veja os números (aproximados): um ano-luz equivale a 10 trilhões de quilômetros; 200 anos-luz, 2.000.000.000.000.000 (2 quintilhões). Se viajarmos a 100 mil km/h até Plutão (6 bilhões/km) levaremos 10 anos, e à estrela mais próxima, Alfa Centauri (~ 45 trilhões/km), 50.000 anos! Quem se aventura?

Estou farto de ouvir de bocas razoavelmente instruídas que a descoberta de planetas semelhantes à Terra fornece fortes indícios de que a vida por lá possa ter se desenvolvido. É um colossal equívoco, que mostra desconhecimento de pelo menos duas matérias essenciais: paleobiologia e cosmobiologia - os extremos que se tocam ao estudarem, numa ponta, a formação e o desenvolvimento da vida na Terra, e na outra,  a vida fora dela. 

São tantas as variáveis que iforjaram a vida no planeta, tão complexas e tão singulares, que é praticamente impossível que tenham se repetido espaço afora nas mesmas condições. Estou falando da vida como a conhecemos. Por essa razão, "Terra rara, vida rara" tornou-se ideia dominante dentro das ciências astronômicas, contrário ao que pensam os fanáticos pela ficção científica e crentes na vida extraterrestre inteligente. Se houver vida no cosmo, ela deverá estar no nível unicelular ou algo assim. Ou totalmente diferente de qualquer coisa jamais imaginada. 

Quase um consenso científico, o surgimento da vida na Terra foi acidental, fortuita, uma anomalia - ou um prodígio, e ainda que tenha se multiplicado alhures, provavelmente jamais saberemos. Se algum tipo de vida alienígena for constituído à base de estrubiôncio, jamais a encontraremos, porque estrubiôncio não consta da tabela periódica de elementos. É uma enorme perda de tempo, uma tolice monumental, diria até uma estupidez enviar sinais de rádio para algum ponto do espaço esperando por resposta. É como dizer olá a um poste. Acredite em mim, é melhor se acostumar logo com nossa solidão cósmica. 


Em 2014, uma equipe internacional de astrofísicos elaborou um mapa local do espaço com cerca de 500 milhões de anos-luz de diâmetro - uma fração infinitesimal do universo observável, segundo seus membros.* É importante saber também que as galáxias se afastam a centenas de milhares de quilômetros por segundo, ou seja, o universo está em constante movimento. Isto significa que, quanto mais ele se expande (e envelhece), mais a Terra se torna invisível e isolada, um grão de sal errante no oceano cósmico. 

O segundo ponto da discussão é a "inteligência". Não há unanimidade porque não há uma definição clara a respeito, até porque nossa concepção de inteligência é muito pobre. Alguns animais revelam comportamentos 'inteligentes', mas nenhum desenvolve tecnologia ou ciência para viver. Em termos estritamente lógicos, a vida extraterrestre é perfeitamente factível, mas vida inteligente cognitiva que perambule à solta por aí, absolutamente não. É preciso desconstruir essas utopias, os paraísos, os eldorados para que haja espaço para a reconciliação com o mundo real da vida, esse que está ai tocando a ponta do seu nariz, tal como é, e não aquele da ilusão que você idealiza.

Portanto, já passou da hora colocar um ponto final nessa história de uma vez por todas. De agora em diante, quando alguém lhe disser que somos visitados desde sempre por civilizações alienígenas avançadas, ignore. Trata-se de alguém vulnerável, desfocado, desinformado, que flerta com a ficção científica, que navega na onda dos deuses astronautas, abraçado com a mística esotérica, desconectado com a realidade e sem capital filosófico amplo o suficiente para refletir a respeito com a devida seriedade. Acredite em mim, sinal de vida inteligente terrestre é descartar a extraterrestre.

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* The Laniakea Supercluster of GalaxiesTully, R.B. et al. Nature, 04 sept, 2014.

GRINSPOON, David. Planetas Solitários. Rio de Janeiro. Globo. 2005.
WARD, Peter; BROWNLEE, Domald. Sós no Universo?  Rio de Janeiro. Campus. 2000.
MORIN, Edgar. A Cabeça bem Feita. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil. 2003.
________. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil. 2005.



2 comentários:

  1. Sempre fascinantes e inspiradores seus textos, senhor Reis! É delicioso observar a viagem magnífica de conhecimento - e autoconhecimento - que o senhor empreendeu para descobrir o que a imensa maioria do povo, em sua sábia ignorância (bom senso) sempre soube: a Terra jamais foi visitada por seres extraterrestres, ultraterrestres ou coisa que o valha. Abraço.

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  2. "Em termos estritamente lógicos, a vida extraterrestre é perfeitamente factível, mas vida inteligente cognitiva que perambule à solta por aí, absolutamente não" –

    Muito bom o texto, mas essa parte aí acho que ficou sem conclusão. A que eu enxergo é a seguinte: vida inteligente extraterrestre é factível, mas não temos qualquer evidência mínima de que estejamos sendo visitados.

    Dentro das probabilidades seria possível que algo como a nossa civilização se repetisse por aí. Talvez até que descobrisse algum "buraco de minhoca" para encurtar as distâncias cósmicas citadas. Isso tudo é factível, mas não passa de especulação.

    Os casos de UFOs agora admitidos pelo governo dos EUA ou mesmo aqueles que são assim classificados por cientistas do porte de Michio Kaku não significam um salto lógico que signifique serem causados por civilizações de ETs nos visitando.

    Os auto-alegados contatados por ETs nunca foram capazes de provar o que dizem, mesmo muitas vezes insistindo que o fizeram até mesmo para a imprensa internacional (v. o primeiro livro do J.J. Benítez).

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