Obras

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sábado, 13 de agosto de 2016


O extraterrestre no divã. Nem Freud explica


Imagine a cena, hoje. Freud em seu gabinete tomando notas no tablet enquanto aguarda o próximo paciente. De repente, uma criaturinha cabeçuda e esverdeada abre suavemente a janela da sala e diz, em perfeito alemão: "- Com licença, Dr. Freud, podemos conversar? Estou com um probleminha." Atônito, incrédulo, Freud titubeia, engasga, mas resolve atender seu inusitado visitante, afinal, é uma oportunidade única de aprendizado clínico.

- Sabe o que é 'seu' Freud, estou há tanto temo por aí, fui fotografado, fiz selfie, dei rasantes em aeroportos e bases militares, provoquei blackouts em cidades inteiras, muitos programaram encontros comigo, fui perseguido por aviões, deixei marcas no chão, cheguei até a sofrer um acidente...
- Hum hum.
- Peguei um monte de gente para conhecer meu planeta, algumas vezes à força, reconheço; dei voltas com elas em torno da Terra, conversamos, fizemos amizade, dei souvenirs. Uma de nossa gente até se envolveu com um brasileiro, mas acho que a coisa não rolou, não pintou clima, sei lá...
- Hum hum
- Doutor, já fizeram muitos filmes a meu respeito, virei celebridade, escreveram centenas de livros, blogs, todo dia tem congresso, seminário, palestra, seriados, programas, entrevistas e documentário na TV. Muita gente ganha dinheiro em meu nome. Mando mensagens telepáticas, psicografadas, espirituais, gravadas, viva voz, de tudo quanto é jeito. Dizem que fizeram autópsia em um dos nossos, mas sacho meio estranha essa história.
- !
- Li outro dia que são milhares de associações de pesquisa, centros, grupos privados e oficiais; artigos são escritos, teses, dissertações, ensaios acadêmicos, mas esses aí falam que eu não existo, que é coisa da cabeça das pessoas, que é tudo imaginação, fantasia... um apadrinhado seu andou dizendo que eu sou assim uma espécie de mito, coisa de arquétipo, inconsciente, não entendi direito...
- Eu sei de quem você está falando...
- Então, como estava dizendo, depois de tudo isso, muitos ainda não acreditam em mi, quer dizer, em nós. Não sei mais o que fazer, sinto que estou passando por uma profunda crise existencial, 'seu' Freud. Acho que estou à beira de um ataque de nervos. O que o senhor acha, tenho cura?
- Deveras interessante seu caso meu rapaz, sem dúvida, mas terei que consultar meus colegas, trocar ideias, rever a literatura, sabe como é... volte daqui a alguns anos-luz para uma nova sessão. Quem sabe eu possa te explicar.

Bem humorada na forma, esta breve ficção traz um interessante ponto para discussão. Para que servem os grupos de pesquisa, se o que dizem pesquisar não se deixa ser pesquisado? Outro dia um amigo informou que seu grupo completou um quarto de século de existência. Muitos outros igualmente comemoram suas efemérides. Sim e...? Que resultados concretos trouxeram? Nenhum, nada, zero, traço, nem fumaça fizeram. Esse amigo disse que seu grupo "estava sem atividade por falta de casuística ufológica". Emblemático, não? Não havendo disco voador na praça, pesquisar o quê? Nosso extraterrestre no divã deve estar mesmo com uma tremenda dor de cabeça. Ninguém o vê mesmo om todas aquelas peripécias.

É isso que venho tentando mostrar todos esses anos. É isso que as pessoas, e os ufólogos em particular, ainda não entenderam. O ufólogo não pesquisa o disco voador, ele apenas documenta quem alega ter visto um. Da mesma forma, o pesquisador do paranormal também não investiga o 'fantasma', mas o sujeito que diz tê-lo visto. Nenhum deles tem o objeto da pesquisa porque tal objeto não existe! Por que é tão difícil entender isso? A esmagadora maioria dos que participam dessas sociedades e centros de pesquisa é formada por crédulos e entusiastas, que estão lá para colecionar fotos de discos voadores como "prova definitiva" de sua existência. Se não houver fotos, casos ou "contatos", não terão o que fazer! Suas salas e ‘garagens’ ficarão às moscas. Não é incrível? 

E não vamos esquecer aqueles que estão convencidos de que os ETs não se mostram abertamente para "não causar pânico na população", ou porque "uma revelação dessas acabaria com as instituições religiosas" e coisas do tipo. Pela mesma razão, afirmam que governos e Vaticano sabem, mas escondem toda a verdade sobre eles. Devo informar que quem defende tal “teoria da conspiração” não faz a menor ideia do que está dizendo, vivendo num mundo de ilusão e da mais fantasiosa ficção. São eles que deveriam ir para o divã.

Agora, imagine se nos próximos anos a casuística minguar de vez, se os discos voadores nunca mais retornarem ao planeta, o que será desse pessoal? Sugestão: Que tal ler um pouco mais, estudar um pouco mais, pensar um pouco mais? Poucas coisas libertam tanto quanto o conhecimento, ele faz a diferença entre a vida e a morte, entre a ação e a paralisia, entre a autonomia e a servidão.

Já me perguntaram o que fazer para ser um ufólogo. Difícil responder. Se eu indicar seguir o caminho que fiz, levará anos para chegar aonde cheguei, e o que as pessoas querem é o prato pronto, tipo leia isto ou faça aquilo e você será um ufólogo. Não é assim que funciona, não há fórmulas nem regras, não é receita de bolo. Ler de tudo um pouco é fundamental, mas não suficiente. No ritmo alucinante em que vivemos, paciência e dedicação estão fora do mapa. Só funcionam se o objetivo é olímpico, e olhe lá.


Vejo a Ufologia com os dias contados, em franco declínio, ao menos essa que aí está: canhestra, paleolítica, paralítica, falaciosa, idiotizante, com elevado grau de demência. Exagero? Pois não é que um parlamentar siderado vindo sabe-se lá de que planeta apresentou uma proposta para regulamentar a "profissão" de ufólogo? É caso para psiquiatria. Sei que minhas palavras não surtirão nenhum efeito e se perderão no vazio. Sei que muitos darão de ombros e seguirão em frente, impassíveis. Sei, por fim, que nenhum grupo fechará suas portas porque são eles que precisam justificar sua existência, senão, quem notará que existem?

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