Obras

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sábado, 6 de agosto de 2016


Um mito moderno? Não, um mito pós-moderno
Parte V (final): Com a palavra, Jung


Como vimos desde o início desta série, Jung foi pioneiro ao estender uma ponte, entre o campo fértil do conhecimento e o pântano sombrio da crendice e da ingenuidade (ingenuidade é uma face da ignorância). Qualquer estudo sério que pretenda explicar ou esclarecer determinados fatos e construído sobre bases consolidadas, não pode ser desvalorizado nem ter sua legitimidade questionada.

Jung só se manifestou após ouvir especialistas, colher depoimentos, ler algumas obras específicas sobre o assunto, tomar notas em sua clínica psicanalítica, traçar paralelos e submeter análises comparativas em campos do seu domínio. Isso consumiu tempo e se tornou uma referência na área. Extraio de sua obra trechos que mostram a profundidade do seu raciocínio. Cumpre ressaltar que ele não ignorava os dados factuais do fenômeno, mas não tinha capital suficiente para dar um parecer final, deixando isso a cargo dos mais capacitados. O que trago é só um aperitivo, mas de leitura fundamental.

Lamentavelmente, não me foi possível compilar, em dez anos de dedicação ao assunto, uma quantidade suficiente de observações que permitissem estabelecer conclusões mais confiáveis. Por isso, tive que me contentar em esboçar pelo menos algumas diretrizes de procedimento, para futuras investigações.
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Não é a presunção que me impele, mas sim a minha consciência médica que me aconselha a cumprir com o meu dever de preparar aqueles poucos que podem me ouvir para os acontecimentos que estão reservados à humanidade, e que significam o fim de um éon (era).
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O método de amplificação que usei para a interpretação do significado revelou-se frutífero, tanto no material histórico, quanto no material recente. Este método permite a conclusão - ao que me parece - bastante segura de que nos meus exemplos manifesta-se de forma unânime um arquétipo conhecido como central, que eu denominei o si-mesmo. Isto acontece, através dos tempos, em forma de uma epifania que vem do céu, cuja natureza, em muitos casos, é caracterizada como antagônica, ou seja, como fogo e água, de acordo com o "escudo de Davi" [estrela de 6 pontas], que é constituído de ▲ = fogo e ▼= água. A "sextidade" é um símbolo da totalidade: quatro como divisão natural do círculo, e dois, como eixo vertical (zênite e nadir); portanto, uma imagem da totalidade espacial.
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Um objeto deste tipo desafia, como nenhum outro, a fantasia consciente e inconsciente. Uma produz suposições especulativas e estórias inventadas, e a outra fornece o fundo mitológico que faz parte destas observações excitantes.

Já que os corpos redondos e luminosos que aparecem no céu são considerados como visões, não podemos deixar de interpretá-los como quadros arquetípicos. Isto significa que eles são projeções automáticas, involuntárias, baseadas no instinto; imagens que tampouco podem ser menosprezadas como se não tivessem sentido, ou como se fossem pura coincidência, como outras manifestações ou sintomas psíquicos.


Quem dispõe dos necessários conhecimentos históricos e psicológicos sabe que os símbolos circulares, o "rotundum" em linguagem alquimista, desempenharam um papel significativo em todo lugar e em todos os lado do já mencionado símbolo da alma. A antiga afirmação diz: "Deus est circulus cuius centrum est ubique, cuius circumferentia vero nusquam" (Deus é um círculo cujo centro está em todo lugar, cuja circunferência, porém, em nenhum lugar). "Deus" e sua "omniscientia", "omnipotentia" e "omnipraesentia", um έν τò παν (Uno, o cosmo) é o símbolo da totalidade por excelência, um redondo, um completo, um absoluto.

Epifanias deste tipo estão, na tradição, muitas vezes ligadas ao fogo e à luz. Por isso, ao nível da Antigüidade, os OVNIs podem ser facilmente entendidos como "deuses". Eles são manifestações de impressionante totalidade, cuja simples "circularidade" representa propriamente aquele arquétipo que, conforme a experiência, desempenha o papel principal na Unificação de opostos, aparentemente incompatíveis, e que por esse mesmo motivo corresponde, da melhor forma, a uma compensação da dissociação mental da nossa época.

Além disso, ele desempenha, entre outros arquétipos, um papel especialmente significativo, sendo ele, principalmente, o ordenador de situações caóticas e o que proporciona à personalidade a maior unidade e totalidade possíveis. Ele cria a imagem da grande personalidade do homem-deus, do homem primordial ou anthropos, de um chen-yen, de um Elias que invoca o fogo do céu, que sobe ao céu num carro de fogo e é um predecessor do Messias, a figura dogmaticamente definida de Cristo e - last not least - do cádi islâmico, o esverdeante, que por sua vez é um paralelo de Elias, a peregrinar como o cádi pela terra como personificação de Alá.
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O OVNI fornece o motivo para a manifestação dos conteúdos psíquicos latentes. A respeito dele, só sabemos, com alguma certeza, que possui uma superfície que é vista com os olhos e que, ao mesmo tempo, rebate um eco de radar. Todo o resto é, em princípio, tão inseguro que deve ser considerado como conjetura improvável, ou seja, como boato, enquanto não se possa conseguir mais dados a seu respeito.
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Apenas para dar um pouco mais de calor, reproduzo um trecho dessa obra: "Aqui devo observar que, mesmo se os OVNIs fossem reais, as projeções psíquicas que lhes correspondem não são propriamente causadas por eles, e sim, apenas motivadas. Afirmações míticas desta espécie existiram sempre, com ou sem OVNIs. Todavia, antes das observações, ninguém teve a ideia de associar umas com as outras. A afirmação mítica baseia-se, em primeiro lugar, na constituição particular do substrato psíquico, do inconsciente coletivo, cuja projeção sempre existiu."

Esteja certo de que Jung não tem a palavra final, mas soube usá-la com singular riqueza. Pisou solo virgem e inóspito abrindo caminho a golpes de foice. Quem incorporar o mesmo espírito explorador deve se empenhar para alargar a trilha. Não tenho foice, me viro com canivete de segunda, certo de que o caminho está sob intensa claridade.

Se o fenômeno é ou não um mito, só o tempo dirá. Os instrumentos de reflexão e de pesquisa estão postos à mesa, e outros mais virão. Pressinto que você esteja prestes a perguntar: "E daí, e se for um mito? E se o disco voador for apenas uma ilusão, uma quimera, um delírio? O que importa? O que muda na minha vida?" Bem, nesse caso, tudo o que posso dizer é que a resposta já está em você, sempre esteve. É o que Jung diz aí em cima. É uma questão de escolha, sem negociação: continuar sonhando ou despertar. Independente da escolha, haverá um ônus.

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