Obras

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sábado, 14 de janeiro de 2017


Só pensar não basta, pensar diferente é fundamental


Seguindo com a conversa sobre transdisciplinaridade iniciada semana passada, adotar múltiplos pontos de vista significa mudar de paradigma. A ideia remonta aos anos 80 com o nome de holismo, que pregava a "percepção do todo", enquanto a 'trans' requer saberes integrados, entrelaçados. Por que mudar de paradigma? Perdoe pela obviedade quase grosseira da resposta, mas mudar o ponto de vista é ter outra perspectiva, uma visão panorâmica do mundo. Um enfoque transdisciplinar multiplica esse ponto. Mas não é assim tão simples. Nós temos o que se poderia chamar de "vício de origem" quando, a partir do momento em que a Filosofia foi banida da formação educacional e da vida pública, desaprendemos a fazer uma reflexão filosófica sobre o conhecimento em razão da sobrecarga de informação sem a imprescindível análise crítica. É justificável o quanto simplifiquei porque tudo é muito complexo.

Paradigma é 'modelo', padrão', um sistema de regras e preceitos que se assume como balizador para as ações, pensamentos e decisões. Mas eles não são perpétuos, não são definitivos nem imutáveis. Ao contrário, são substituídos, sepultados, deterioram, desaparecem. As fronteiras paradigmáticas estão cada vez mais tênues e voláteis, no ritmo em que o mundo se modifica - e ele tem sido célere e voraz nisso. O historiador israelense Yuval Harari vê o mundo como um foguete enlouquecido indo cada vez mais rápido a lugar nenhum, e o perigo está na sociedade entrar em colapso por não acompanhar o passo. No momento em que redijo estas linhas, qualquer coisa que leve o rótulo de "novo" já não o será quando você estiver aqui lendo.

Nós não estamos dando conta da velocidade das mudanças.

E por não dar conta, é mais seguro e confortável ficar sob as cobertas, andar na trilha, seguir a doxa - o conjunto de juízos que uma sociedade constrói em um momento histórico específico, acreditando tratar-se de uma verdade óbvia ou evidência natural, mas que, para a Filosofia, é apenas uma crença ingênua, uma cegueira abrumadora. A mentalidade de uma época é o vetor resultante da interação das práticas sociais e da ideologia estabelecida. Haverá mesmo mais segurança e conforto? Sei não, o mundo anda muito estranho...

Com exaustiva frequência tenho dito aqui que a dúvida é o motor do conhecimento. Mais recentemente, que a inovação é o motor do mundo. A liberdade de escolha, a intelecção é o movente do nosso desenvolvimento e o de uma sociedade, com toda a gama de erros e acertos. Pensei em trazer uma série de paradigmas que mudaram através do tempo, mas a lista vai ao infinito e você sabe do que estou falando. Terra plana e geocentrismo são exemplos de paradigmas que viraram pó. O mundo hoje não é nem de longe o mesmo de 50 anos atrás. E nem preciso recuar tanto. Você acha que pode querer ser o mesmo sem pagar um tributo por isso? A complexidade do mundo é inconciliável com o pensar simples.

Mas há outro tipo de paradigma, o 'setorizado'. Estou falando da especialização do conhecimento em todas as áreas: medicina, direito, engenharia, ciências, todas. Em cada uma delas surge o especialista naquele segmento, naquela área específica, o que traz vantagens, mas, em contrapartida, torna limitante a ação e estabelece conceitos "parciais". O cientista, por exemplo, tende ver o mundo sob um prisma marcadamente científico, e se as respostas que procura não estiverem no seu campo de saber, ele insistirá obstinadamente até encontrar, ou se frustrará e fará uma inflexão de 180 graus na direção oposta, ao transcendente, ao inefável.  As críticas sobre a especialização são duras e não são poucas.

O que estou querendo dizer? Vamos recapitular e radiografar a situação:

1) Não estamos dando conta da velocidade acelerada das mudanças;
2) Inovação é o que movimenta o mundo;
3) Paradigmas não são sagrados nem pétreos, precisam seguir as transformações de cada época;
4) Não negligenciar a malha de conhecimento crescente, aguçando o olhar crítico sobre todas as coisas e sobre a realidade dos fatos.

Descolar-se dos condicionamentos, dos pré-conceitos, das estruturas arcaicas defasadas é desafio permanente, um ato de inteligência e coragem. Sem dúvida o código para entender o mundo, ser parte dele e de sua transfiguração. Não se deve temer a mudança. Não se deve temer acatar um novo modo de pensar. A mudança é inexorável. A única coisa que não muda é a mudança das coisas, dizem os filósofos, e os estoicos completam: "Você pode se insurgir diante do inevitável, mas ele virá independente da sua vontade, ou pode seguir o curso da história". 

Mudar é mais fácil para os jovens porque mais ajustados à mutabilidade do mundo, mas isso tem um preço. Os mais velhos preferem se apegar às certezas de outrora, que lhe dão segurança psíquica e estabilidade emocional. Isso também tem um preço. Mudar é difícil, mas não mudar é fatal. Mudar é multiplicador, não mudar é redutor. Mudar enriquece, não mudar empobrece. Mudar é iluminador, não mudar é obscurantismo. Mudar é revolução cognitiva, mão mudar é estagnação punitiva. Mudar é ter história de vida, não mudar é página em branco. Mudar é estar na ponta, não mudar é ficar para trás. Mudar é liberdade, não mudar é servidão. Servidão voluntária. Mudar é questão de competência e sabedoria.

Para o tema que te traz aqui toda semana, a mensagem não poderia ser mais explícita: O que mudou na ufologia nos últimos 70 anos? Nada, rigorosamente nada. Quem entrou nessa ciranda continua girando em falso. Quem assiste a roda girar não aguenta mais o mesmo cenário, o mesmo script, o mesmo refrão. Não importa de que lado você está, que tal ao menos pensar na mudança? 
É um começo. Que tal sair do círculo vicioso e entrar no círculo virtuoso? Que tal educar seus ouvidos para outros sons, conjugar outros verbos, abrir espaço para outras searas? Garanto que você vai se surpreender. Experimente. Se não gostar, volte para o seu canto e fique por lá, o mundo não notará.

Deixo aqui algumas sugestões com tons de recomendação: Releia o título e não jogue fora minhas palavras. Invista na mudança, crie uma reserva mental só sua e não encaminhe as decisões de sua vida pela linguagem de gurus, mestres, profetas e avatares. Mudar é navegar por um oceano virginal luminoso de largos horizontes. Saia da massa indistinta, essa substância flutuante de espectros catatônicos. É um processo demorado, de longo prazo, contínuo e irreversível. Tenha a Filosofia como seu prisma multifacetado de aprendizado e saber. Cante Raul Seixas: Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Quem não tem colírio que use óculos escuros.


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Baudrillard, Jean. À Sombra das Maiorias Silenciosas. Brasiliense, 1985.

Um comentário:

  1. Seus anos de pesquisa e reflexão o fizeram alcançar o nirvana, senhor Reis! Outro texto lúcido, repleto de razão e recheado de inspiração! Abraço.

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