Obras

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sábado, 28 de abril de 2018


VOZES , ECO & SILÊNCIO
A bolha do conhecimento

Se você ainda não leu o post anterior, peço que o faça, porque este é uma amplificação daquele. Dê atenção ao tema que está circulando entre os estudiosos e fala diretamente a todos, sem exceção. É uma leitura de fôlego que exige concentração e muita reflexão. O autor é o professor de Filosofia da Utah Valley University, de Los Angeles, C. Thi Nguyen, que está na linha de frente desse estudo. Ao traduzir, me ative no essencial, tendo o cuidado de não distorcer o texto e prejudicar a compreensão. A série foi dividido em quatro partes - três, na verdade - porque a última é um tema adicional que encorpa e arremata a análise. Dispensei notas ou comentários porque você entenderá o mote, mas reforcei algumas passagens destacando-as no texto.

Antes, para facilitar, trago um trecho do comentário do historiador Leandro Karnal feito em seu blog a respeito do assunto: "Todos sabemos bem menos do que imaginamos e ainda menos do que os outros imaginam que saibamos. Para contrapor o evidente desnível entre o que eu sei e o que eu suponho que saiba, isto seria a ilusão de profundidade explicativa. Entro em bolhas epistêmicas, encontro câmaras de eco e reforço meu viés de confirmação produzindo uma ilusão de profundidade explicativa. Como a decisão de crer é anterior a tudo, a busca do grupo é só um meio para eu me entregar à zona mais confortável para minhas opiniões." 

Boa leitura!

Existem dois fenômenos muito diferentes em jogo, cada um deles subvertendo o fluxo de informação de modos distintos: câmaras de eco e bolhas epistêmicas, estruturas sociais que sistematicamente excluem fontes de informação, exagerando na confiança de seus pares em suas crenças. Mas eles trabalham de formas completamente diferentes e exigem meios de intervenção também muito diferentes. Uma bolha epistêmica é quando você não ouve as pessoas do outro lado. Uma câmara de eco é quando você não confia nas pessoas do outro lado.

Porém, o uso corrente confundiu essa distinção, portanto, deixe-me apresentar uma taxonomia um tanto superficial. Uma "bolha epistêmica" é uma rede informativa da qual vozes relevantes foram excluídas por omissão. Essa omissão pode ser proposital: Podemos estar seletivamente evitando o contato com visões contrárias porque, digamos, nos deixam desconfortáveis. Como os cientistas sociais afirmam, nós gostamos de nos envolver em exposições seletivas, buscando informações que confirmem nossa própria visão de mundo. A omissão também pode ser totalmente inadvertida: Mesmo se não estivermos francamente tentando evitar discordâncias, nossos amigos na rede  tendem a compartilhar nossas opiniões e interesses. Quando pegamos redes construídas por razões sociais e começamos a usá-las como nossas fontes de informação, ficamos inclinados a perder pontos de vista contrários e a entrar em níveis exagerados de concordância.

Uma câmara de eco é uma estrutura social da qual outras vozes relevantes foram sumariamente desacreditadas. Se a bolha epistêmica apenas omite visões contrárias, a câmara de eco leva seus membros a desconfiarem de forasteiros opositores. Em Echo Chamber: Rush Limbaugh and the Conservative Media Establishment (2010), Kathleen Hall Jamieson e Frank Cappella oferecem uma análise inovadora do fenômeno. Para eles, uma câmara de eco é algo como um culto, isolando seus sectários alienando-os ativamente de qualquer fonte externa. Os de fora são considerados indignos de confiança. A confiança do membro de um culto é reforçada, direcionada para certas vozes internas. 

bolha epistêmica esteve no centro das atenções ultimamente, mais precisamente em The Filter Bubble (2011), de Eli Pariser, e em Republic: Democracy in the Age of Social Media (2017), de Cass Sunstein. A essência geral é: Recebemos muitas das nossas notícias de fontes do facebook e tipos semelhantes de mídia social. Essas fontes consistem principalmente de nossos amigos e colegas, a maioria dos quais compartilha nossas visões políticas e culturais. Visitamos blogs e sites favoritos. Ao mesmo tempo, vários algoritmos nos bastidores, como aqueles dentro da pesquisa do Google, personalizam invisivelmente nossas pesquisas, aumentando a probabilidade de vermos apenas o que queremos ver. Todos esses processos impõem filtros à informação.
Esses filtros não são necessariamente ruins. O mundo está sobrecarregado de informações, e não se consegue resolver tudo sozinho. Os filtros precisam ser diversificados. É por isso que todos nós dependemos de redes sociais expandidas para nos fornecer conhecimento, mas qualquer rede informativa desse tipo precisa do modelo certo de amplitude e variedade para funcionar. Por exemplo, uma rede social composta inteiramente de fãs de ópera inteligentes e obsessivos entregaria toda a informação que eu pudesse querer sobre a cena da ópera, mas não daria conta do fato de que, digamos, meu país tenha sido infestado por uma maré crescente de neonazistas. Cada pessoa na minha rede pode ser inteiramente confiável em relação ao meu viés informacional específico, mas, como uma estrutura agregada, minha rede não tem a "cobertura-confiabilidade", como chama Sanford Goldberg em Relving on Others: An essay in epistemology (2010). Esse modelo de rede não me oferece uma cobertura suficientemente ampla e representativa de todas as informações relevantes.
Bolhas epistêmicas também nos ameaçam com um segundo perigo: Autoconfiança excessiva. Em uma bolha, encontramos quantidades exageradas de concordância e níveis reprimidos de discordância. Somos vulneráveis ​​porque, em geral, temos realmente boas razões para prestar atenção se outras pessoas concordam ou discordam de nós. Ouvir os outros em busca de comprovação é um método básico para verificar se um raciocínio está certo ou errado. É por isso que podemos fazer nosso dever de casa em grupos de estudo e ter laboratórios diferentes repetindo experimentos. Mas nem todas as formas de corroboração são significativas. Wittgenstein diz: "Imagine olhar através de uma pilha de jornais idênticos e tratar cada manchete como mais uma razão para aumentar sua confiança. Isso é obviamente um erro. O fato de que o The New York Times relatar que algo tem boa razão para se acreditar, quaisquer cópias do jornal que você encontrar não devem adicionar nenhuma evidência extra."
Mas as cópias não são o único problema aqui. Suponha que eu acredite que a dieta Paleo seja a melhor de todas. Eu monto um grupo no face chamado 'Great Health Facts!' e vou preenchê-lo apenas com pessoas que já acreditam que Paleo é a melhor dieta. O fato de que todo mundo nesse grupo concorda comigo sobre Paleo não deve aumentar meu nível de confiança nem um pouco. Eles não são meras cópias - eles realmente podem ter chegado às suas conclusões de forma independente - mas a concordância deles pode ser inteiramente explicada pelo meu método de seleção. A unanimidade do grupo é simplesmente um eco do meu critério de seleção.

É fácil esquecer quão cuidadosamente os membros são pré-selecionados, como os círculos de mídias sociais epistemicamente preparados podem estar. Felizmente, porém, as bolhas epistêmicas são facilmente destruídas. Podemos estourá-las simplesmente expondo seus pares às informações e argumentos que eles perderam. Mas as câmaras de eco são um fenômeno muito mais complexo.
O livro de Jamieson e Cappella é o primeiro estudo empírico sobre como funcionam as câmaras de eco. Em sua análise, as câmaras trabalham alienando sistematicamente seus membros de todas as fontes epistêmicas externas. O resultado é um paralelo bastante impressionante com as técnicas de isolamento emocional praticadas na doutrinação de um culto. De acordo com especialistas em saúde mental na recuperação de adeptos, a doutrinação envolve novos fieis sendo levados a desconfiar de todos aqueles que sejam externos ao culto. Isso fornece um impeditivo contra qualquer tentativa de retirar a pessoa doutrinada do culto.
A câmara de eco não precisa de conectividade ruim para funcionar. Os seguidores têm acesso total a fontes externas de informação. De acordo com os dados de Jamieson e Cappella, os adeptos de Limbaugh [caso focal do estudo] leem regularmente - mas não aceitam - fontes noticiosas tradicionais e liberais. Eles são isolados, não por exposição seletiva, mas por mudanças em quem eles aceitam como autoridades, especialistas e vozes fidedignas. Eles ouvem, mas rejeitam, fontes externas. Sua visão de mundo pode sobreviver à exposição a essas falas exteriores porque seu sistema de crenças as preparou para esse ataque intelectual.

De fato, a exposição a opiniões contrárias poderia realmente reforçar seus pontos de vista. Limbaugh pode oferecer a seus seguidores uma teoria da conspiração: Qualquer um que o critique está fazendo isso a mando de um grupo secreto de elites malignas, que já assumiu o controle da grande mídia. Seus seguidores agora estão protegidos contra a simples exposição a evidências contrárias. Na verdade, quanto mais eles descobrem que a mídia chama Limbaugh de farsa, mais as previsões dele serão confirmadas. Perversamente, a exposição a pessoas de fora com visões contrárias pode, assim, aumentar a confiança dos membros da câmara de eco em suas fontes internas e, portanto, seu apego à sua cosmovisão. O filósofo Endre Begby chama esse efeito de 'antecipação de  evidência'.  O que está acontecendo é uma espécie de jogo intelectual, em que o poder e o entusiasmo de visões se voltam contra essas vozes contrárias através de uma estrutura interna de crença cuidadosamente manipulada.

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