Se você ainda não leu o
post anterior, peço que o faça, porque este é uma amplificação daquele. Dê
atenção ao tema que está circulando entre os estudiosos e fala diretamente a
todos, sem exceção. É uma leitura de fôlego que exige concentração e muita reflexão.
O autor é o professor de Filosofia da Utah Valley University, de Los Angeles,
C. Thi Nguyen, que está na linha de frente desse estudo. Ao traduzir, me ative
no essencial, tendo o cuidado de não distorcer o texto e prejudicar a
compreensão. A série foi dividido em quatro partes - três, na verdade - porque
a última é um tema adicional que encorpa e arremata a análise. Dispensei
notas ou comentários porque você entenderá o mote, mas reforcei algumas
passagens destacando-as no texto.
Antes, para facilitar, trago um trecho do comentário do historiador Leandro Karnal feito em seu blog a respeito do assunto: "Todos sabemos bem menos do que imaginamos e ainda menos do que os outros imaginam que saibamos. Para contrapor o evidente desnível entre o que eu sei e o que eu suponho que saiba, isto seria a ilusão de profundidade explicativa. Entro em bolhas epistêmicas, encontro câmaras de eco e reforço meu viés de confirmação produzindo uma ilusão de profundidade explicativa. Como a decisão de crer é anterior a tudo, a busca do grupo é só um meio para eu me entregar à zona mais confortável para minhas opiniões."
Boa leitura!
Existem dois fenômenos
muito diferentes em jogo, cada um deles subvertendo o fluxo de informação de
modos distintos: câmaras
de eco e bolhas
epistêmicas, estruturas sociais que sistematicamente excluem fontes
de informação, exagerando na confiança de seus pares em suas crenças. Mas
eles trabalham de formas completamente diferentes e exigem meios de intervenção
também muito diferentes. Uma bolha epistêmica é quando você não ouve as pessoas
do outro lado. Uma câmara de eco é quando você não confia nas pessoas
do outro lado.
Porém, o uso corrente confundiu essa
distinção, portanto, deixe-me apresentar uma taxonomia um tanto superficial. Uma
"bolha epistêmica" é uma rede informativa da qual vozes
relevantes foram excluídas por omissão. Essa omissão pode ser
proposital: Podemos estar seletivamente
evitando o contato com visões contrárias porque, digamos, nos deixam
desconfortáveis. Como os cientistas sociais afirmam, nós
gostamos de nos envolver em exposições seletivas, buscando informações que
confirmem nossa própria visão de mundo. A omissão também pode ser
totalmente inadvertida: Mesmo se não estivermos francamente tentando evitar
discordâncias, nossos amigos na rede tendem a compartilhar nossas
opiniões e interesses. Quando pegamos
redes construídas por razões sociais e começamos a usá-las como nossas fontes
de informação, ficamos inclinados a perder pontos de vista contrários e a
entrar em níveis exagerados de concordância.
Uma câmara de eco é uma estrutura
social da qual outras vozes relevantes foram sumariamente desacreditadas. Se
a bolha epistêmica apenas omite visões contrárias, a câmara de eco leva seus
membros a desconfiarem de forasteiros opositores. Em Echo
Chamber: Rush Limbaugh and the Conservative Media Establishment (2010),
Kathleen Hall Jamieson e Frank Cappella oferecem uma análise inovadora do
fenômeno. Para eles, uma câmara de eco é algo como um culto, isolando seus
sectários alienando-os ativamente de qualquer fonte externa. Os de fora
são considerados indignos de confiança. A confiança do membro de um culto
é reforçada, direcionada para certas vozes internas.
A bolha epistêmica esteve
no centro das atenções ultimamente, mais precisamente em The Filter
Bubble (2011), de Eli Pariser, e em Republic:
Democracy in the Age of Social Media (2017), de Cass
Sunstein. A essência geral é: Recebemos muitas das nossas notícias de
fontes do facebook e tipos semelhantes de mídia social. Essas
fontes consistem principalmente de nossos amigos e colegas, a maioria dos
quais compartilha nossas visões políticas e culturais. Visitamos blogs e
sites favoritos. Ao mesmo tempo, vários algoritmos nos bastidores, como
aqueles dentro da pesquisa do Google, personalizam invisivelmente nossas
pesquisas, aumentando a probabilidade de vermos apenas o que queremos
ver. Todos esses processos impõem filtros à informação.
Esses filtros não são necessariamente
ruins. O mundo está sobrecarregado de informações, e não se consegue
resolver tudo sozinho. Os filtros precisam ser diversificados. É por isso
que todos nós dependemos de redes sociais expandidas para nos fornecer
conhecimento, mas qualquer rede informativa desse tipo precisa do modelo certo
de amplitude e variedade para funcionar. Por exemplo, uma rede social composta
inteiramente de fãs de ópera inteligentes e obsessivos entregaria toda a
informação que eu pudesse querer sobre a cena da ópera, mas não
daria conta do fato de que, digamos, meu país tenha sido infestado por uma maré
crescente de neonazistas. Cada pessoa na minha rede pode ser inteiramente
confiável em relação ao meu viés informacional específico, mas, como uma
estrutura agregada, minha rede não tem a "cobertura-confiabilidade", como
chama Sanford Goldberg em Relving
on Others: An essay in epistemology (2010). Esse modelo de rede não
me oferece uma cobertura suficientemente ampla e representativa de todas as
informações relevantes.
Bolhas epistêmicas
também nos ameaçam com um segundo perigo: Autoconfiança excessiva. Em uma bolha, encontramos
quantidades exageradas de concordância e níveis reprimidos de
discordância. Somos vulneráveis porque, em geral, temos realmente boas
razões para prestar atenção se outras pessoas concordam ou discordam de nós. Ouvir os outros em busca
de comprovação é um método básico para verificar se um raciocínio está certo ou
errado. É
por isso que podemos fazer nosso dever de casa em grupos de estudo e ter
laboratórios diferentes repetindo experimentos. Mas nem todas as formas de
corroboração são significativas. Wittgenstein diz: "Imagine olhar através
de uma pilha de jornais idênticos e tratar cada manchete como mais uma razão
para aumentar sua confiança. Isso é obviamente um erro. O fato de que o The
New York Times relatar que algo tem boa razão para se acreditar,
quaisquer cópias do jornal que você encontrar não devem adicionar
nenhuma evidência extra."
Mas as cópias não são o
único problema aqui. Suponha que eu acredite que a dieta Paleo seja a
melhor de todas. Eu monto um grupo no face chamado
'Great Health Facts!' e vou preenchê-lo apenas com pessoas que já
acreditam que Paleo é a melhor dieta. O fato de que todo mundo nesse grupo
concorda comigo sobre Paleo não deve aumentar meu nível de confiança nem um
pouco. Eles não são meras cópias - eles realmente podem ter chegado às
suas conclusões de forma independente - mas a concordância deles pode ser
inteiramente explicada pelo meu método de seleção. A unanimidade do grupo é
simplesmente um eco do meu critério de seleção.
É fácil esquecer quão cuidadosamente os
membros são pré-selecionados, como os círculos de mídias sociais
epistemicamente preparados podem estar. Felizmente,
porém, as bolhas epistêmicas são facilmente destruídas. Podemos
estourá-las simplesmente expondo seus pares às informações e argumentos que
eles perderam. Mas as câmaras de eco são um fenômeno muito mais complexo.
O livro de Jamieson e
Cappella é o primeiro estudo empírico sobre como funcionam as câmaras de
eco. Em sua análise, as câmaras trabalham alienando sistematicamente
seus membros de todas as fontes epistêmicas externas. O resultado é um
paralelo bastante impressionante com as técnicas de isolamento emocional
praticadas na doutrinação de um culto. De acordo com especialistas em
saúde mental na recuperação de adeptos, a doutrinação envolve novos fieis sendo
levados a desconfiar de todos aqueles que sejam externos ao culto. Isso
fornece um impeditivo contra qualquer tentativa de retirar a pessoa doutrinada
do culto.
De fato, a exposição a opiniões contrárias poderia realmente reforçar seus pontos de vista. Limbaugh pode oferecer a seus seguidores uma teoria da conspiração: Qualquer um que o critique está fazendo isso a mando de um grupo secreto de elites malignas, que já assumiu o controle da grande mídia. Seus seguidores agora estão protegidos contra a simples exposição a evidências contrárias. Na verdade, quanto mais eles descobrem que a mídia chama Limbaugh de farsa, mais as previsões dele serão confirmadas. Perversamente, a exposição a pessoas de fora com visões contrárias pode, assim, aumentar a confiança dos membros da câmara de eco em suas fontes internas e, portanto, seu apego à sua cosmovisão. O filósofo Endre Begby chama esse efeito de 'antecipação de evidência'. O que está acontecendo é uma espécie de jogo intelectual, em que o poder e o entusiasmo de visões se voltam contra essas vozes contrárias através de uma estrutura interna de crença cuidadosamente manipulada.
[continua]
____________
* https://aeon.co/essays/why-its-as-hard-to-escape-an-echo-chamber-as-it-is-to-flee-a-cult
acessado em 21/04/2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário