Obras

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sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

EM BUSCA
NASCIDO PARA SABER
Fatti non foste
Bronze, 2016 
Matteo Pugliese


Considerate la vostra semenza: fatti non foste a
viver come bruti, ma per seguir virtù e conoscenza.
Reflete sobre vossa origem: não haveis sido feitos
para viver como animais, mas para praticar
a virtude e aprender a conhecer.
Inferno, Canto 26 
Dante

Sempre que um leitor se manifesta sobre meu texto, eu prontamente respondo para que todos acompanhem. Isso mostra que os leitores estão atentos aos assuntos propostos e, apesar de concordarem com a argumentação, não deixam de dar opiniões pertinentes, via de regra complementares sobre tópicos que ampliem o debate. As questões trazidas em cima do último post, embora sejam parecidas, pedem abordagens distintas. A chave para entender o problema está na inteligência.

O primeiro ponto diz respeito aos “mercadores de ilusão”, sujeitos que exploram a boa-fé alheia, a ingenuidade e a falta de conhecimento do público sobre assuntos nos quais se julgam especialistas, quando não passam de amadores, entusiastas, diletantes aventureiros, mas é verdade também que, como diz o leitor, é a demanda que determina a oferta”, no que está certíssimo. Eu nunca disse o contrário e só não entro nesse aspecto por julgar óbvio demais: só há vendedores porque há compradores! Se você quiser um perfume à base de lágrimas de castor da Manchúria, ou um Toscano Sassicaia safra 1996, com certeza encontrará quem os tenha. Digo com frequência uma frase que resume tudo: Haverá sempre oradores medíocres enquanto houver plateia medíocre a lhes aplaudir. Se há compradores, há vendedores.

O outro assunto trazido por uma leitora é mais complexo e mais delicado, uma vez que, adepta do espiritismo, sente-se desconfortável com as críticas. Nesse quesito, trata-se de , terreno que mexe fundo com suscetibilidades. Complexo e delicado porque, mais uma vez, tônica deste blog, estamos falando da fragilidade do ser, da sua covardia intrínseca, seus medos existenciais, sua incompreensão sobre a vida e a morte e a imperiosa necessidade de crer em algo que o transcenda, que esteja acima do seu entendimento para se tornar uma âncora. Em última instância, a crença em espíritos, vida após a morte, reencarnação e temas afins não passa de estratégia psíquica para ocultar o terrível temor da finitude. É claro que os defensores da doutrina negarão firmemente esse fato, recorrendo aos ensinamentos dos espíritos, às “indiscutíveis” mensagens psicografadas e outras “evidências” como provas inegáveis da existência do “outro lado”. Reitero uma velha expressão: servidão voluntária. Reitero outra: quem vive ajoelhado desconhece a própria estatura. A leitora alega, em favor de sua convicção, que na instituição que frequenta não há charlatães, ao contrário, são pessoas de bom nível cultural, e que
A doutrina espírita vem ocupando a grade curricular das universidades e sendo defendida por gente para lá de instruída, ex-reitor de universidade, médicos, juízes, professores muito conceituados.
Eis um aspecto importante a ser discutido. Ingenuamente, recorre-se ao argumentum magister dixit - apelo à autoridade ou argumento de autoridade, uma falácia lógica utilizada recorrentemente para evocar a reputação de alguma autoridade buscando validar um argumento - que não o é de fato -, um expediente equivocado por apoiar-se tão somente na credibilidade do personagem e não nas razões que sustentam sua proposição. Ainda mais no âmbito da investigação de uma realidade que transcende a experiência sensível, portanto, incapaz de oferecer fundamento científico legítimo, o que se tem são meras opiniões, calcadas em subjetividades que não podem se converter em argumentos.

Tais opiniões, sistematicamente repetidas, tornam-se doxas - crenças comuns ou opiniões populares - e depois, dogmas, que não permitem discussões e que, por isso mesmo, emolduram a zona de conforto do sectário. Alguém “instruído”, seja médico, professor ou juiz, não implica que esteja imune a crenças pessoais. Uma pessoa pode ser muito culta e acreditar em discos voadores, ter vasto saber filosófico e afirmar que a Terra é plana. Veremos adiante que informação e conhecimento não têm ligação com inteligência. Além disso, espiritismo não integra nenhuma grade curricular universitária, apenas é objeto de interesse de núcleos específicos de estudo e pesquisa. A complexidade do tema vai muito além destas poucas linhas.

Numa era em que a informação preenche de forma  agressiva todos os espaços e ao alcance dos dedos, é paradoxal, condenável e injustificável que o conhecimento esteja sendo posto de lado em prol de um imediatismo consumista irrefreável. Dito de outro modo, o homem não se dedica mais à reflexão prolongada do todo, ao amadurecimento das questões, à análise critica, à dialética refinada, exercendo o “qualquer coisa serve” desde que atenda às suas necessidades. Informação e conhecimento não produzem inteligência, que é inata ao ser: ou o sujeito é inteligente ou jamais será. Há muita gente iletrada, não instruída, que demonstra inteligência no trato da vida, enquanto que muitos ditos intelectuais carecem desse atributo. Há, claro, os que são eruditos e muito inteligentes.

Filosoficamente, inteligência é a capacidade de aprender, ter a real percepção das coisas do mundo e daquilo que é, saber encontrar soluções, ter consciência de si. Para Platão, inteligência é a esfera do conhecimento que compreende a ciência e a dianoia - conhecimento prévio, intuitivo. Dianoia - grego  dia noien, que pode significar, de modo mais profundo, pensamento, escuta, silêncio, poiesis. O prefixo dia - entre, através de, por meio de, junta-se a logos - dia-logo. Dialogar não é escutar em silêncio o outro? Ainda segundo Platão, inteligência opõe-se a crença

De fato, só informação não basta, é preciso aprender a conhecer e isso compete à inteligência, à consciência (latim conscius - saber o que fazer, e sciens - conhecimento obtido pela leitura, estudo e erudição). São poucos os que conseguem concatenar as duas coisas. Já que fomos feitos para o saber, a rota de fuga da desinformação, que leva à incompreensão, a opiniões insustentáveis na origem e à leitura distorcida dos fatos passa pelos caminhos do conhecimento, da consciência, da reflexão e da inteligência. 

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