Obras

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segunda-feira, 13 de junho de 2016


Será que o tempo existe mesmo?


Pode parecer um tanto descabido discutir se o tempo existe o não, mas não deixa de ser um notável exercício de reflexão. Na verdade, especular sobre este tema leva a aspetos cosmológicos e cosmogônicos, à origem e finitude da vida e até à criação dos deuses. Não é pouca coisa. Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Newton, Einstein, Heidegger, Sartre, toda essa turma de filósofos, cientistas e doutores, em todos os tempos o tempo todo, dedicaram um tempo considerável pensando sobre o assunto. Seria desumano discorrer sobre cada um dos conceitos destes luminares, mas é possível elucubrar um pouco em cima de suas ideias.

Raciocinemos, pois: Se a eternidade é um "tempo sem fim", cabe perguntar: Teve um começo? O que nunca começou, existe? Vejamos de outro modo. Sabemos que passado e futuro não existem, são construções psicológicas, logo, só resta o presente, o imediatamente agora, mas quanto tempo dura esse 'agora imediato'? Não dura nada, menos que uma nanofração de um milionésimo de segundo. Como pode existir algo que não dura nada, não pode ser medido, está no ponto do indivisível?

Se a medição do tempo foi uma necessidade humana para estabelecer regras de ordenação do mundo, o que acontece quando essas regras deixam de existir? O sonho, obra do inconsciente, não obedece a nenhuma regra, aliás, sua regra é não ter regras, articula-se aleatória e maravilhosamente caótico, isto é, atópico: tempo algum e lugar nenhum, outro tempo e outro lugar e qualquer tempo e qualquer lugar.

Experiências com pessoas mantidas isoladas, sem nenhum contato com o mundo exterior e sem reguladores de qualquer espécie, mostraram que elas perdem completamente seus referenciais de tempo, não sabendo distinguir o dia da noite. O metabolismo se reorganiza, os ritmos circadianos se ajustam, os ciclos vitais (alimentação, excreção, sono) adaptam-se às circunstâncias. Para essas pessoas, de algum modo o tempo deixou de existir mesmo que "passem o tempo" fazendo alguma atividade.

Se está difícil acolher uma ideia tão complexa, vamos pensar de modo inverso. Consideremos o tempo não como uma 'seta' apontando para a frente e você caminhando por ela, mas como uma instância absoluta, estática, imutável. Como diriam os antigos filósofos, "o tempo não passa, ele é", ou seja, não flui, não vai a lugar algum. Imagine o tempo como a parte submersa do oceano, sem medidas, não dimensional; a vida é essa bolha de ar que surge do nada, um sopro que flutua frágil até se apagar.

É evidente que estamos subjugados por esse algo que não existe, irreal, algo que criamos e agora inelutavelmente acorrentados. Se pensar bem, presos também a uma miríade de coisas esculpidas pelo espírito, irrigadas e perpetuadas pelo medo, pelo vazio existencial e pelo desejo inextinguível de eternidade.
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AGOSTINHO, Santo. Confissões, livros X e XI.
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. Vozes. 1997.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Vozes. 2005.
BOUTANG, Pierre. O Tempo. Difel. 2000.
ARIÈS, Philippe. O Tempo da História. Francisco Alves. 1986.



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