Obras

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domingo, 26 de junho de 2016


Não é coincidência, é consequência


A análise comparativa abaixo intenta demonstrar que a Ufologia não foi obra do acaso nem surgiu de uma suposta e precipitada visão de "pratos voadores". Não. Ela estava incubando no inconsciente, aguardando o momento para invadir o cotidiano da pessoas e de lá nunca mais sair. Era só uma questão de tempo, e ele veio. Para desenhar o disco voador, ligue os pontos.

1938
Ano em que o mundo assistiu incrédulo o irromper de uma nova guerra, duas décadas depois de terminada uma que deixara cicatrizes profundas. O hálito da morte voltava ser sentido, sem sentido. 
Orson Welles, ator, cineasta e roteirista, leva ao ar sua peça radiofônica "Guerra dos Mundos", baseada no clássico homônimo da ficção científica (1898) de H. G. Wells. Resultado: pânico generalizado, suicídios, saques, fuga em massa nas cidades 'invadidas' pelos marcianos conforme as "agências internacionais" noticiavam os ataques em massa. Era sintoma evidente da tensão que pairava no ar e prenúncio do que poderia ocorrer em caso caso de ameaça real. Esse medo nunca mais nos abandonou.

1945/50
Nos estertores da guerra, um saldo terrível: milhões de mortos, economia falida, escombros, banhos de sangue, terra arrasada, horizontes esfumaçados, literal e figurativamente. Temor, insegurança, desconfiança, futuro indefinido, falência das instituições, Igreja e esperança na berlinda.
Surgiam os primeiros "sinais celestes", bólidos e luzes estranhas que riscavam o espaço despertando medo e curiosidade. Forças miliares alertas temendo ataques de surpresa. Escritórios são criados para investigar e acompanhar de perto estas presenças inesperadas e indesejadas. Guerra dos mundos ainda presente no imaginário

1950/1960
No período do pós-guerra começam a germinar nos Estados Unidos os primeiros sinais de um movimento que se disseminaria por todo o globo - a contracultura, com atos de contestação e rebeldia contra o establishment. Revolução artística, social e cultural, 'sexo drogas e rock'n roll', juventude transviada, hippies. A literatura e o cinema de ficção científica ganham impulso vertiginoso, surge a New Age e o florescer das filosofias e doutrinas orientais, xamanismo, medicina alternativa, práticas divinatórias, anjos, esoterismo e ocultismo de toda espécie, cristais, gurus, florais e um diversificado parque temático.

Nesse contexto, a Ufologia pega carona (ou é cooptada), entronizando os "irmãos cósmicos" como guardiães e protetores da humanidade. Proliferam os contatos com entidades "superiores", seres 'iluminados', avatares de uma nova consciência planetária. 'Mensagens' de extraterrestres advertindo sobre nossas experiências atômicas inundam o planeta, assim como seitas e movimentos messiânicos e milenaristas.

1960/1980
A Nova Era ganha mais adeptos e mais espaço, multiplicam-se as mudanças de paradigmas como a proteção ao meio ambiente, desenvolvimento de técnicas de autocura, alimentação natural, sociedades alternativas, convivências comunitárias e um autêntico carnaval da alma místico. Sociólogos se debruçam nos livros tentando prognosticar os rumos de 'nova sociedade. Um incipiente campo de estudos na área das ciências sociais chama a atenção do mundo acadêmico - o imaginário, e novas teses sobre o comportamento humano começam a surgir, enriquecidas com a participação de outras disciplinas. A ficção científica de qualidade conquista definitivamente o cinema e a literatura, tendo como foco os aliens, e os seriados de TV são sucesso absoluto de público, vitaminando a imaginação e as certezas de que não estamos sós no universo.

A Ufologia registra aumento das observações de Óvnis com as 'ondas' nos continentes americano e europeu. Mais e mais "contatos" e "sequestros" são registrados, entupindo os arquivos privados e oficiais, encorpando as estatísticas e as convicções dos ufólogos. Grupos de pesquisa e associações, com seus boletins e publicações artesanais surgem às centenas em todo o mundo, estimulando a imaginação alheia. Sobe a temperatura da febre ufológica e seu arsenal de ideologias.

Seria conclusão natural interpretar estes eventos como simples coincidência, acontecimentos casuais, arranjos fortuitos de situações aleatórias que, de alguma forma, se conectam e se fundem, mas são explicações reducionistas e muito simplórias, próprias da falta de uma reflexão mais profunda.
Meu estudo (lembrando que aqui é só uma pincelada) mostra que as ligações são tão complexas, tão imbricadas entre si e com desdobramentos que vão além das fronteiras primárias, que é praticamente improvável que todas estas conexões contenham mera simultaneidade.

Poderíamos ainda considerar a possibilidade de serem ocorrências sincrônicas, sem vínculos entre si. Entretanto, ao longo de sua vasta obra, Jung foi lapidando e polindo seu entendimento sobre sincronicidade, e um extrato dessa ideia é um dado a ser analisado: "A sincronicidade designa o paralelismo de espaço e de significado dos acontecimentos psíquicos e psicofísicos que nosso conhecimento científico até hoje não foi capaz de reduzir a um princípio comum. (....) Em princípio, é impossível descobrir uma conexão causal recíproca entre os acontecimentos paralelos, e é justamente isso que lhes confere o seu caráter casual. A única ligação reconhecível e demonstrável é o seu significado comum".  Meu itálico sugere pensar nisso com carinho.

O panorama geral de um momento particular da história humana mostra que nunca tantas e tão profundas mudanças foram sentidas a um só tempo. Esse "momento particular", como vimos, iniciou em meados do século passado. Se, fizermos as conexões corretas, e estiverem mesmo corretas, podemos ver que uma situação é decorrência da outra, ou seja, o surgimento da Ufologia deu-se em razão do estado de saúde do mundo naquele instante. Mera especulação? Absolutamente não.

O diagnóstico elaborado por pensadores notáveis, homens de ciência, filósofos, sintetizado em frases curtas, é inquietante: geração de surdos, massa amorfa indistinta, diluição das identidades, império do efêmero, fim das utopias,  era do vazio, surto de apatia da massa, são algumas reflexões que nomeiam nossa atual civilização. Em três palavras: volátil, voraz e vulnerável. O que a Ufologia tem a ver com isso? Absolutamente tudo, mas agora é com você, ligue os pontos e tire suas conclusões. Eu já tirei a minha. O 'disco voador" vai aparecer de corpo inteiro em sua mente.

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AMARRAL, Leila. Carnaval da Alma: comunidade, essência e sincretism na Nova Era. Vozes, 2000.
BLOOM, Harold. Presságios do Milênio: anjos, sonhos e
           imortalidade. Objetiva, 1996.
CAMPBELL, Joseph. A Extensão Interior do Espaço Exterior. Campus, 1991.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Contraponto, 2000.
DURAND, Gilbert. A Imaginação Simbólica. Edições 70, 1993.
MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, Ciência e Religião. Edições 70. 1984.
JUNG, Carl G. Sincronicidade. Vozes, 2000.





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