Obras

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domingo, 24 de julho de 2016


Um mito moderno? Não, um mito pós-moderno
Parte III: a estrutura do mito


Colocar a palavra estrutura na mesma pauta de mito evoca de imediato a figura ubíqua e centenária de Claude Lévi-Strauss. Desde muito cedo, ainda em idade pré-escolar, ele percebeu que poderia ler qualquer coisa, desde que houvesse uma "semelhança estrutural" por trás da palavra, e a partir daí, ele deslocou o mesmo princípio para os mitos. Dizia ele que nenhum mito existe isoladamente, isto é, nenhum deles pode ser interpretado se a análise não abranger os demais. Do mesmo modo, isso digo eu, o fenômeno Óvni não pode ser compreendido se a análise não integrar as demais esferas do conhecimento.

O estruturalismo é amplamente utilizado em praticamente todos os campos do conhecimento - Linguística, Psicologia, crítica literária, Filosofia, Antropologia e Psicanálise, por exemplo, como modelo de inteligibilidade. A noção central do estruturalismo, por si autoexplicativa, é a da estrutura entendida como um todo, no qual as partes só adquirem sentido em relação umas às outras, ou seja, pela sua interdependência e mútua cooperatividade.

Importante ressaltar que o estruturalismo não é um método estático e imutável e muito menos linear, ao contrário, ele se modifica e se reinventa pelos signos que dele são extraídos e pelas interpretações e leituras que deles são feitas. Nesse particular, Umberto Eco entendia que um signo vai muito além de estar no lugar de outra coisa, "mas ele é aquilo que sempre nos faz conhecer algo mais". Tal como ocorre na prática psicanalítica, as entrelinhas, os interstícios, os espaços e os 'silêncios' dos signos revelam muito mais do que supomos saber. Você está me acompanhando?

Lévi-Strauss comparava os sistemas mitológicos à organização cósmica, onde o centro do "corpo" multidimensional se mantém estável e equilibrado, enquanto as bordas se espraiam, se misturam e se confundem. A questão é: Seria a estrutura do fenômeno Óvni homóloga à do mito? Entendo que o mesmo se dá na formação da "galáxia ufológica": enquanto os campos limítrofes se desorganizam e se desalinham, o núcleo se mantém intacto. Se o mito é multidimensional, o fenômeno é polimorfo. 

O meio utilizado para esse estudo é o da hermenêutica ufológica, derivado da técnica psicológica criada por Jung para o estudo dos sonhos, mitos, contos de fadas, obras de arte e demais produtos do inconsciente - a amplificação. Essa técnica consiste em determinar os mitologemas¹ básicos em uma dada estrutura, comparando-os com outras configurações em que estes mitologemas apareçam, e dedicando uma cuidadosa consideração ao contexto em que tal aparecimento se dá. O fenômeno Óvni só pode ser compreendido se tomado em sua totalidade e comparado-o com outras totalidades que permitam interpretá-lo. É exatamente o que Lévi-Strauss fala sobre o mito.

Tanto os mitos quanto o fenômeno são eventos prodigiosos (latim prodigium - profecia, predição), excepcionais (de exceção), contendo vínculos estreitos com o sagrado (latim sacer - à parte, afastado). Podemos dizer que são a expressão simbólica de forças vivas superiores atuando no inconsciente. Campbell dizia que "Mito é algo que nunca existiu, mas que existe desde sempre". Karen Armstrong faz eco: "Mito é um evento que, em certo sentido, ocorreu só uma vez, mas que acontece o tempo todo". No escopo do fenômeno, o indivíduo, ao passar pela experiência mítica do "contato", sente-se privilegiado, "escolhido", destacado da sociedade, apartado, ou, na linguagem ufológica, abduzido (latim ab ducere - afastar, tirar, levar para fora).

Outro ponto em comum é a linguagem. A narrativa mítica e a casuística ufológica apresentam semelhanças na deficiência linguística, originária de uma debilidade inerente à própria linguagem. Ambas, a seu modo e na sua estética, tratam de uma manifestação de natureza mítico-religiosa - deuses, heróis, entes supranaturais e superiores. A respeito da linguagem, Cassirer diz que "Toda designação linguística é essencialmente ambígua, e nesta ambiguidade das palavras está a fonte primeva de todos os mitos."

A imanência da religião na base do mito é a chave para compreender seu significado e o que ele representa para a vida humana. Longe de esgotar esta análise, a estrutura religiosa presente no mito não está ausente no fenômeno, se entendermos o sentido subjetivo do estatuto religioso: O reconhecimento da existência de um poder ou poderes que nos transcendem; O sentimento de dependência a esse poder; O desejo ou a necessidade de qualquer forma de contato ou de relação com esse poder. Todo esse rico emaranhado de proposições nos empurra de maneira quase impositiva para a ideia de um 'envoltório mítico' - Bertrand Méheust² chama de gangue mythique, encapsulando o fenômeno Óvni.



1 Mitologemas são núcleos de significado de um mito. Podem ser psicológicos,                      sociológicos ou históricos, mas geralmente são combinações entre eles.
2  Professor de Filosofia e PhD em Sociologia pela Sorbonne. Autor de Science Fiction et       Soucoupes Volantes (Rennes, Terre de Brume, 2007), entre outros.

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AZEVEDO, Ana V. Mito e Psicanálise. Jorge Zahar. 2004.
CAMPBELL, Joseph. Mitologia na Vida ModernaRosa dos Tempos. 2002.
CASSIRER, Ernst. Linguagem e Mito. Perspectiva. 1992.
ECO, Umberto. Semiótica e Filosofia da Linguagem. Ática, 1991.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. Martins Fontes, 1992
______. Aspectos do Mito. Edições 70, 2000.
FROMM, Erich. Psicanálise e Religião. Ibero Americano, 1966.
LÉCI-STRAUSS, Claude. Mito e Significado. Edições 70, 1987.



LEIA ABAIXO SINOPSE DA OBRA RECÉM LANÇADA  NAUS DA ILUSÃO


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