Obras

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sábado, 15 de outubro de 2016

Como tornar a ausência presença

carlosalbertoreis51@gmail.com


Você não entende papai, chorei justamente porque ETs não existem.

Abro a conversa de hoje com a frase que fechou o post anterior, porque entendi ser importante continuar no tema, começando com o comentário do Rubem Alves, relator e partícipe do episódio: "Compreendi, então, que ela já sabia o segredo das histórias. O ET não existe. As histórias são falsas, mas nós choramos, e por isso são verdadeiras; elas delimitam os contornos de uma grande ausência que mora em nós. Elas contam um desejo, e todo desejo é verdadeiro (muito embora o ET não exista...)."

Esse encantador mundo das histórias, contos de fadas, mitos e fábulas tem gramática própria, é preciso ver não o que está escrito pelas palavras, mas entre elas, no intervalo da pronúncia, nas bordas da narrativa. Só é possível compreendê-las na leitura além da leitura, no silêncio entre os sons, silêncio que a psicanálise ouve com carinho. O visível é a farsa do teatro, a mímica dos personagens, espelhos mágicos que dissimulam a verdade. 

Encantamo-nos não apenas com o oque vemos, mas principalmente, talvez, com o que imaginamos. A imaginação presentifica um desejo, e um desejo preenche uma lacuna, uma ausência, porque somos entes desejantes o tempo todo, porque carentes, porque algo nos falta, sempre. Em um mundo revolto tomado de animosidade como esse que vivemos, é cabível supor que as pessoas sejam religiosas porque desejam algo dos deuses: fim das doenças, prosperidade, vida longa - ou até a imortalidade - e muito mais

Essas pessoas acreditam que podem convencer seus deuses a lhes conceder tais favores, e essa hierofania mostra que a adoração não precisa ter, necessariamente, um fundo de interesse. Quando elas aspiram atingir a transcendência simbolizada pelo céu (tema da próxima semana), creem também que possam 'burlar' a fragilidade da condição humana e passar a outro nível de existência. De todo modo será, sempre, uma fuga e jamais o enfrentamento da realidade.

O "contato", em qualquer nível, surge como uma espécie de ligação com os poderes superiores, do alto, dos céus, esboçando um 'diálogo' com Deus. Desejos, necessidades, carências... ausência, lembrança, saudade. Para Debord, "À medida que a necessidade se encontra socialmente sonhada, o sonho torna-se necessário". Sua análise é mais aguda quando afirma que, "Quanto maior a alienação do espectador em relação ao objeto de sua contemplação – resultado de sua atividade inconsciente –, quanto mais ele admite reconhecer-se na imagem dominante, menos ele compreende sua própria existência e seu próprio desejo." Quando os deuses nos faltam, criamos outros.

Uma pesquisa no final dos anos 1980 mostrou que, para uma parcela significativa das pessoas, era muito importante observar um Óvni. Na mesma época, na Espanha, outra pesquisa demonstrou que mais de 80% acreditavam na origem extraterrestre desses objetos. Eramo números expressivos que deixavam evidente a necessidade ou o desejo de passar por essa experiência. Uma das conclusões das pesquisas é que quanto mais se acreditava no fenômeno Óvni, menos se aceitavam os modelos tradicionais de religião. Não sei se essas cifras e conclusões se repetiriam hoje.

Para deixá-lo com uma baita pulga atrás da orelha, recordo uma instigante frase dita em 1983 pelo luminar amigo Willi Wirz, sagaz investigador do fenômeno Óvni desde o princípio: "O disco voador não é disco e muito menos voador". Um aparente paradoxo ocultando um sentido inesperado? Pois vejo como uma dedução lúcida carregada de sabedoria. O disco voador não é mesmo disco nem voador.

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DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Contraponto, 1967.



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