Obras

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sexta-feira, 10 de março de 2017



Na semana passada você tomou conhecimento, pela primeira vez, da palavra ufotopia, expressão que criei para revelar a verdadeira face da ufologia. Desnecessário explicar. Outros termos virão a reboque, no âmbito da ficção científica, assunto inesgotável, de amplitude muito além do que se supõe e umbilicalmente ligado ao universo do disco voador. Por isso o post está dividido em duas partes, ficando a bibliografia reservada para o final. 

Umberto Eco identifica quatro caminhos possíveis para a obra ficcional: alotopia, ucronia, utopia e metatopia/metacronia. É nesta última que ele entende que a sci-fi encontra sua principal característica: "... o mundo possível representa uma fase futura do mundo real presente; e por mais que seja estruturalmente diverso do mundo real, o mundo possível é possível - e verossímil - exatamente porque as transformações a que foi submetido nada mais fazem do que completar as linhas de tendência do mundo real." Para Eco, a ficção científica assume a forma de uma antecipação, e a antecipação assume a forma de uma conjetura formulada a partir de linhas de tendência reais do mundo real. 

Em outras palavras, o que Eco está dizendo é que a FC segue o padrão utópico: "A projeção ou representação de uma sociedade ideal, muitas vezes caricatural, como deformação irônica de nossa realidade". E conclui: "
... o mundo paralelo é sempre justificado por rasgos, desfiamentos no tecido espaço-temporal, enquanto na utopia clássica ele é simplesmente um não-lugar dificilmente identificado (talvez passado e desapercebido) do nosso próprio mundo físico."  Ele entende que a ficção científica, de modo geral, oferece uma realidade que nem a própria realidade concreta é capaz de suplantar, onde o universo da narrativa é o único no qual podemos estar totalmente seguros de uma coisa e que oferece uma ideia forte de verdade.

São muitos os autores e especialistas que falam da importância da FC não só para a cultura de uma sociedade como para a própria sociedade. Morin, por exemplo, afirma que, por ser um espelho antropológico, o cinema (ou a literatura), como veículo de massa da ficção, reflete as realidades práticas e imaginárias, as necessidades e os dramas da individualidade humana. À realidade imaginária da obra de ficção corresponde a realidade imaginária do homem. Existe uma prevalência da fantasia realista e da ficção sobre o fantástico e o documental, e é a antropologia do imaginário que nos leva à essência das questões contemporâneas.

O crítico literário e estudioso de ficção científica Darko Suvin observa, neste gênero, uma proximidade cognitiva que permite, mais do que profetizar o futuro (não profetiza), compreender a realidade angustiante do presente de onde a exaltação das viagens como estruturas metafóricas da narração cognitiva. Ao mesmo tempo em que aproxima, ela cria uma espécie de "estranhamento cognitivo", um distanciamento invertido, ou seja, familiarizar o desconhecido.

A escritora Doris Lessing entende que a mente humana sente necessidade de se expandir em direção às estrelas, às galáxias e ao infinito, e a ficção seria como a "eclosão do nada", algo como o renascimento da necessidade do mito e da função das religiões na produção estética da obra ficcional. Ela afirma ainda que os mitos são atuais porque oferecem condições "lógicas" ou aceitáveis para viver ao reunir em si os questionamentos sobre a ciência e a sociedade.

Depois deste breviário, incompleto naturalmente, é possível deduzir que na ficção, no mito, no conto de fadas, nas fábulas e no fenômeno Óvni, tempo e espaço são indefinidos - acronia e atopia, ou, indo mais além, heterotopia e heterocronia, dimensões de cruzamento entre o real e o imaginário. Tão importante quanto estudar a ficção à luz da antropologia, é compreender o antropos no contexto da ficção. Na visão de Morin, é no núcleo desta posição que está o fato que caracteriza o homo sapiens e o homo demens - produtor de fantasias, fantasmagorias, ideologias, mitos e magias.


O que estou tentando mostrar, muito resumidamente, é que a narrativa da obra ficcional tem pesada influencia na linguagem ufológica, em todos os sentidos, a tal ponto de não se distinguir onde uma acaba e começa a outra. Definitivamente, ufologia não é para principiantes e amadores. Continua na próxima semana.

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