Não é por acaso que a imagem símbolo deste
blog é um cérebro "em movimento" já que pensar é sua senha. É por isso que trago um tema voltado ao continuum mente-cérebro. Foi publicado
recentemente na revista Frontiers in Computational Neuroscience¹ o
interessante artigo Cliques of neurons into cavities provide a missing
link between strucutre and function. Agradeço ao Joaquim Fernandes
pela indicação da matéria. O que há de tão relevante que justifique trazê-la
aqui? Tem a ver com o tema principal deste blog? Tem, já vamos saber.
Numa tradução livre, o título do artigo se
refere a um grupo de neurônios que se "reúnem" em espaços vazios,
"bolhas" ou "cavidades", no momento em que o cérebro entra
em operação para processar informações, sinalizando ser possível encontrar a
conexão desconhecida entre a estrutura da rede neural e sua função, algo até
então insondável. Nós encontramos um mundo que nunca havíamos imaginado, relata o diretor do Human Brain Project, Henry
Markram. Existem
dezenas de milhões desses objetos, mesmo em uma pequena área do cérebro de até
sete dimensões. Em algumas dessas redes, encontramos estruturas que chegam
a onze dimensões. Certamente o sentido de 'dimensão' usado por estes
cientistas não é o mesmo entendido pelo senso comum, o que pode dificultar um
pouco o entendimento do artigo.
A equipe descobriu
estruturas arquitetônicas que aparecem quando o cérebro precisa processar
informações, para depois se dissolverem. Entenda, não são os neurônios que
desaparecem, e sim a arquitetura formada por eles, arquitetura essa até então desconhecida. A melhor analogia talvez seja a de um avião voando a baixa
altitude para não ser detectado pelo radar, mas não escapa a um binóculo. Isso significa que podemos ver algumas informações, mas não a
imagem completa. Então, em certo sentido, nossas descobertas podem explicar por
que tem sido tão difícil entender a relação entre estrutura e função do
cérebro, explica a cientista-chefe Kathryn Hess.
Outro membro da equipe, Ran Levi, ilustra
de forma diferente: É como se o cérebro reagisse a um estímulo
construindo e arruinando uma torre de blocos multidimensionais, começando por
hastes (1D), depois plataformas (2D), então cubos (3D) e geometrias mais
complexas com 4D, 5D, etc. A progressão da atividade através do cérebro se assemelha
a um castelo de areia multidimensional que se materializa fora da areia e
depois se desintegra. Essas construções
pluridimensionais ocorrem no neocórtex - a parte mais evoluída do nosso cérebro
-, matriz de nossas ações, sensações e consciência.
Segundo Hess, essa arquitetura é altamente organizada e complexa oculta nos padrões de disparo aparentemente caóticos dos neurônios, e que só foi possível descobrir através de um filtro matemático específico - a topologia algébrica. A topologia algébrica é como um telescópio e um microscópio ao mesmo tempo. Ele pode ampliar as redes para encontrar estruturas escondidas - as árvores na floresta - e ver os espaços vazios - as clareiras - tudo ao mesmo tempo, explica a cientista. Essa é a melhor síntese que posso oferecer, porque o artigo traz questões técnicas pouco familiares para nós. O link ao final levará você ao texto original.
Voltemos à pergunta inicial: O que há de
importante nisso e qual a sua relação com a ufotopia? Em primeiro lugar, a
importância da descoberta está nela mesma, e seria prematuro projetar
resultados. Tempos atrás escrevi aqui sobre a construção de um mapa
quadridimensional de um supercontinente de galáxias com 5500 milhões de anos- luz
de extensão, por uma equipe internacional de astrofísicos. Não há resultados
imediatos disso também, por enquanto. Macrocosmo e microcosmo aos poucos sendo
desvendados pelo "mesocosmo" - nós. O homem em busca
de si mesmo.
Em segundo lugar, estamos falando de atividades cerebrais complexas profundas. Toda pesquisa nesse campo reveste-se sempre de grande
expectativa e a certeza de achados valiosíssimos, mas isso leva tempo. Quando o
projeto Genoma começou, a mais de 50 anos, os cientistas tinham uma direção mas não sabiam o que
iriam encontrar no caminho. Quando Colombo levantou âncoras, tudo o que ele
sabia é que seria uma longa travessia por mares desconhecidos e intermináveis até chegar a algum
lugar. E ele descobriu um novo mundo. É esse o pensamento da cientista-chefe Hess: Nosso trabalho futuro é estudar o papel da
plasticidade - o fortalecimento e o enfraquecimento das conexões em resposta
aos estímulos - com as ferramentas da topologia algébrica. A plasticidade
é fundamental para o misterioso processo de aprendizagem, e espero que
possamos dar uma nova visão desse fenômeno.
Mais perguntas: Onde
o inconsciente entra nisso, se é que entra? A atividade inconsciente se utiliza
dessas arquiteturas? Como os neurônios
se articulam e se organizam nas arquiteturas? Cada conjunto tem uma função
específica? São essas "reuniões" responsáveis também pelos nossos
erros? O cérebro explica a mente, ou o contrário? O que é o insight,
uma 'sobrecarga' da rede neural? E o lapso de memória, uma não ação? Existe um grupo para cada atividade, por exemplo,
para o medo, a criação, decisão, oração, mentira? Dois ou mais grupos de neurônios podem atuar em um única atividade?
Por fim, trata-se um processo autônomo, independente da nossa vontade como os movimentos peristálticos do intestino, do coração? Se não interferimos, o que move o pensamento? Isso nos leva a Nietzsche que dizia Es denkt in mir - algo pensa em mim. O que pensa em mim? O que pensa? Perceba, não é quem, mas o que, e isso é desconcertante. Freud, provavelmente leitor de Nietzsche, tinha razão ao dizer que O homem não é senhor em sua própria casa. O que submerge no inconsciente é mais importante do que o que flutua no consciente, por isso a ideia do iceberg é cabível.
Por fim, trata-se um processo autônomo, independente da nossa vontade como os movimentos peristálticos do intestino, do coração? Se não interferimos, o que move o pensamento? Isso nos leva a Nietzsche que dizia Es denkt in mir - algo pensa em mim. O que pensa em mim? O que pensa? Perceba, não é quem, mas o que, e isso é desconcertante. Freud, provavelmente leitor de Nietzsche, tinha razão ao dizer que O homem não é senhor em sua própria casa. O que submerge no inconsciente é mais importante do que o que flutua no consciente, por isso a ideia do iceberg é cabível.
São perguntas relevantes tanto quanto as que fazem os cientistas.
Apesar da velocidade dos avanços tecnológicos, as respostas deverão levar alguns anos e serão fundamentais, esclarecendo muito sobre as nuances do
comportamento humano. É uma questão de tempo. Fazer muitas perguntas pode
parecer coisa de imbecil, mas não fazer nenhuma com certeza é. O único caminho possível para decifrar o mundo é saber fazer as perguntas certas.
Para saber mais, assista a estes vídeos:
https://www.youtube.com/watch?v=LS3wMC2BpxU&t=5s
(legendado)
https://www.youtube.com/watch?v=37SFQri8g_U
https://www.youtube.com/watch?v=ySgmZOTkQA8
https://www.youtube.com/watch?v=LS3wMC2BpxU&t=11s
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"Se olharmos para manchas de umidade na parede (como fez Da Vinci), para nuvens no céu ou para manchas do teste de Rorschach, logo começaremos a ver mil formas diferentes onde, em regra, a observação casual registra apenas 'borrões'. Onde quer que o homem fixe o olhar, atento, aí começa a haver mudança. Nossa atenção é inerentemente criativa, e talvez só ela seja.
ResponderExcluir"'Do vazio criador nascem todas as coisas', dizem os hindus; 'do vácuo quântico gera-se toda a realidade', afirmam os cientistas de vanguarda".
José Ângelo Gaiarsa.
O olhar.