A postagem da semana passada provocou manifestação de um leitor, que respondo de pronto para não deixar um
intervalo longo entre comentário e resposta. O leitor traz apenas duas citações
do livro do psiquiatra José Ângelo Gaiarsa, O
Olhar, sem qualquer
comentário adicional. Fiquei sem entender seu objetivo, corroborar
ou contrapor o que escrevi. Como não tive acesso à obra, também não sei exatamente em
que contexto se encontra cada frase:
Se olharmos para manchas de
umidade na parede (como fez Da Vinci), para nuvens no céu ou para manchas do
teste de Rorschach, logo começaremos a ver mil formas diferentes onde, em
regra, a observação casual registra apenas 'borrões'. Onde quer que o homem fixe
o olhar, atento, aí começa a haver mudança. Nossa atenção é inerentemente
criativa, e talvez só ela seja.
Manchas, nuvens, borrões, objetos, sombras e relevos de fato induzem a um fenômeno ilusório conhecido por pareidolia, fazendo cm que "vejamos" figuras as mais diversas. Um olhar atento gera mudança, claro, porque a concentração estimula a reflexão (con centrar - convergir os focos de atenção para o centro), e toda reflexão é em si criativa. Esta primeira parte, a meu ver, faz eco a tudo o que tenho escrito aqui. A última frase também é verdadeira - só a reflexão, o pensar, é inerentemente criativo. Cm certeza, porém, em clara contradição à outra frase trazida pelo leitor: Do vazio criador nascem todas as coisas', dizem os hindus; 'do vácuo quântico gera-se toda a realidade', afirmam os cientistas de vanguarda.
Ao indagar se procede este "vazio criador" a um amigo
graduado em Ciências da Religião e estudioso da filosofia Hindu,
respondeu: Segundo algumas perspectivas filosóficas do Hinduísmo, a
expressão procede,... mas é
filosofia especulativa. Sugeriu, então, que eu pesquisasse a concepção
de śunyata, a escola Samkhya, śrşti, pralaya... A exploração desse
tema exige imersão completa e demanda um tempo incalculável para absorver todos
os conceitos adequadamente. Como de hábito, recorri à academia, à
lógica e às minhas leituras atrás de mais esclarecimentos.
Se Nietzsche tiver razão (Algo pensa em
mim), se Freud estiver certo (O homem não é senhor em sua casa) e se as descobertas do Human
Brain Project se mostrarem
válidas, então o pensamento independe mesmo
do homem, um processo autônomo, logo, o tal 'esvaziamento' da
consciência não passa de uma ilusão ou falácia. A meditação pode até levar a um estado de
quietude, serenidade e equilíbrio, mas só isso, mais nada. Sua mente estará em
permanente atividade, queira você ou não. Em outras palavras, nada surge do
nada. Vazio criador ou vácuo quântico são meras divagações místicas, conjecturas
metafísicas, ilações filosóficas ou, na pior das hipóteses, conversa fiada. A
verdade inegável é que há algo "lá", latente, pronto para
fazer surgir outro algo. Junte todos os zeros e você não terá nada, acrescente
"1" e terá um número, uma medida, um valor. De ovo vazio não nasce passarinho. A trilha seguida pelo Brain
Project é descobrir de onde vem o pensamento e o que o produz. Se vai conseguir é outra
história.
Vazio criador? Vácuo quântico gerador da
realidade? Cuidado com certos cientistas 'de vanguarda', muitos costumam defender ideias que ninguém entende e que nem eles sabem explicar, uma confraria de iniciados no vazio. O pensamento não tem limites, o conhecimento não tem limites, porém, triste sina, somos humanos, e a estupidez também não tem limites, por isso o mundo se afoga em teorias das mais estapafúrdias. Cuidado, não deixe sua inteligência se ajoelhar por estas 'pérolas',
que só encantam e seduzem cabeças mais, digamos, tolinhas.
No momento em que terminava esse post, uma leitora enviou pelas redes sociais a entrevista de um famoso filósofo indiano, tido por muitos um "líder espiritual", falando sobre o sagrado e o pensamento, entre outras coisas. Vale comentar, mas só os primeiros minutos do vídeo; farei uma análise maior na próxima postagem, após assisti-lo na íntegra. De imediato, desconfio de alguém que diz nunca ter tido um conflito sequer na vida, porque, segundo ele, conflito "destrói a mente, a dignidade humana e o sentido de atenção". Meu estupor é indescritível diante de tal despropósito. Será que o sujeito não sabe que o simples ato de pensar por si só já é conflituoso? Aquele que nunca enfrentou um revés, dilema, dúvida ou angústia simplesmente nunca viveu, como nos versos do poeta Francisco Octaviano:
Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e ão sofreu,
Foi espectro de homem, não foi homem
Só passou pela vida não viveu.
No momento em que terminava esse post, uma leitora enviou pelas redes sociais a entrevista de um famoso filósofo indiano, tido por muitos um "líder espiritual", falando sobre o sagrado e o pensamento, entre outras coisas. Vale comentar, mas só os primeiros minutos do vídeo; farei uma análise maior na próxima postagem, após assisti-lo na íntegra. De imediato, desconfio de alguém que diz nunca ter tido um conflito sequer na vida, porque, segundo ele, conflito "destrói a mente, a dignidade humana e o sentido de atenção". Meu estupor é indescritível diante de tal despropósito. Será que o sujeito não sabe que o simples ato de pensar por si só já é conflituoso? Aquele que nunca enfrentou um revés, dilema, dúvida ou angústia simplesmente nunca viveu, como nos versos do poeta Francisco Octaviano:
Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e ão sofreu,
Foi espectro de homem, não foi homem
Só passou pela vida não viveu.
À parte minhas reservas sobre a
credibilidade do entrevistado, nenhum conflito é destruidor na essência, muito
ao contrário, totalmente edificante, porque é próprio da mente transitar entre dor e prazer, êxito e fracasso, escolhas, decisões. Nenhum
ser humano pode almejar o equilíbrio de sua existência sem experimentar
essa dualidade! Isso é tão elementar que levanto suspeitas quanto a
honestidade do depoente. Ora, o "sentido da atenção"- leia-se
concentração, reflexão - é o instrumento por excelência que conduz à
(auto)crítica, à (auto)análise e, portanto, ao melhor conhecimento de si mesmo.
Perdoe-me a insistência, mas se há algo que destrói a mente é não pensar, é juntar-se à
massa mansa, seguir o rebanho ao som da sineta. E ainda estamos no primeiro
minuto da entrevista! Fico por aqui. Semana que vem tem mais. Preciso pensar
sobre o que vou escrever. Como reflexão final, uma frase do escritor Victor Hugo: "Água que não corre forma um pântano; mente que não pensa forma um tolo".
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