Obras

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sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

CORPO DE ILUSÕES
Parte 1

Quanto mais diversifico minhas leituras, mais consigo compreender o mundo em que vivo, quem somos e porque somos o que somos. Por isso, quero compartilhar algumas páginas de uma obra de Freud, "O Futuro de uma Ilusão" (LP&M, 2010), escolhendo os capítulos V e VI justamente por serem a base de tudo o que este blog produziu nesses anos, principalmente as últimas edições: a necessidade de se ter mestres, gurus, deuses, líderes, sacerdotes, demiurgos. E extraterrestres, por que não?

Quero chamar sua atenção para o fato de que o assunto 'religião' é só um pretexto para trazer Freud; o tema de fundo que interessa é a necessidade, a dependência de crenças, sua genealogia e desdobramentos. Mesmo que Freud não detenha a verdade última, sua análise precisa ser considerada. Reflexões e enunciados de outros expoentes engrossam o caldo. Apesar de trazer apenas dois capítulos, a compreensão do seu pensamento não fica comprometida. Você pode até não concordar com suas proposições, contestar e rejeitá-las, mas não poderá negar-lhe o mérito do pioneirismo, a coragem de pensar o que ninguém havia pensado antes e abrir as portas a reflexões mais atuais que nunca.

Antes de entrarmos no texto freudiano, que não é complicado nem hermético mas pede atenção, um trecho do Prefácio escrito por Renata Cromberg é muito bem-vindo:


Em O futuro de uma ilusão, Freud procura analisar a origem da necessidade do ser humano de ter uma crença religiosa na sua vida. Apesar de Freud respeitar o fenômeno religioso como manifestação cultural e manifestação de fé singular calcada nos sentidos, ele tenta desmontá-la enquanto forma de conhecimento do mundo por considerá-la a origem da alienação, da superstição, além de um fenômeno calcado na imaginação. Freud se aproxima muito do filósofo Espinosa ao procurar esclarecer e liberar o ser humano no intuito de ajudá-lo na compreensão e na transformação dos seus afetos para que ele não se torne submisso a opressões reais e imaginárias, dentro e fora de si.

Boa leitura.

Retomemos o fio da investigação: qual é, pois, o significado psicológico das ideias religiosas? Como podemos classificá-las? Não é fácil, de modo algum, responder a essa questão imediatamente. Depois de rejeitar diversas formulações, nos deteremos nesta: as ideias religiosas são proposições, são enunciados acerca de fatos e circunstâncias da realidade externa (ou interna) que comunicam algo que o indivíduo não encontrou por conta própria, e que reivindicam que se creia nelas. Visto que informam sobre aquilo que mais nos importa e mais nos interessa na vida, elas gozam de alta consideração. Quem delas nada sabe é deveras ignorante; quem as incorporou aos seus conhecimentos pode se considerar muito enriquecido.


Obviamente, há muitas dessas proposições sobre as coisas mais variadas deste mundo. Cada lição escolar está cheia delas. Tomemos a de geografia. Lá ouviremos que Constança se localiza junto ao lago de mesmo nome. Uma canção de estudantes acrescenta: “E quem não crer, que vá lá ver”. Estive lá, casualmente, e posso confirmar que a bela cidade se encontra às margens de um vasto lago que todos os habitantes dos arredores chamam de Lago de Constança. Agora estou plenamente convencido da veracidade dessa afirmação geográfica. Isso me faz lembrar de uma outra experiência, bastante notável.

Eu já era um homem maduro quando pisei pela primeira vez a colina da acrópole de Atenas, em meio às ruínas do templo e com vista para o mar azul. À minha felicidade se misturava um sentimento de espanto, que me sugeriu a seguinte interpretação: “Então é realmente como aprendemos na escola! Como deve ter sido débil e superficial a crença que adquiri na verdade real do que foi ouvido naquele tempo se hoje posso ficar tão espantado!” Mas não quero dar ênfase excessiva à significação dessa experiência; há ainda uma outra explicação possível para o meu espanto, que não me ocorreu na ocasião, cuja natureza é inteiramente subjetiva e está ligada à singularidade do lugar. 

Todas essas proposições, portanto, reivindicam a crença em seus conteúdos, mas não sem fundamentar sua pretensão. Elas se apresentam como o resultado abreviado de um longo processo de pensamento baseado na observação e, certamente, também na dedução; e a quem tiver o intuito de refazer esse processo por conta própria, em vez de aceitar seu resultado, elas mostram o caminho. Quando o conhecimento anunciado pela proposição não é evidente, como no caso de afirmações geográficas, também se acrescenta sempre a sua proveniência. Por exemplo, o conhecimento de que a Terra tem a forma de uma esfera; como provas disso, são aduzidos o experimento de Foucault com o pêndulo, o comportamento do horizonte e a possibilidade de circunavegá-la. Visto que é impraticável, conforme reconhecem todos os interessados, enviar todos os escolares em viagens de circunavegação, a escola se contenta em deixar que seus ensinamentos sejam aceitos de “boa-fé”, sabendo, porém, que o caminho para a convicção pessoal permanece aberto. Tentemos medir as proposições religiosas com o mesmo critério.

[continua na próxima semana]




Resposta à Pergunta:  O que é o Iluminismo?, Immanuel Kant.

A preguiça e a covardia são as causas por que os homens, em grande parte, após a natureza os ter há muito liberado do controle alheio, continuem, no entanto, de boa vontade, menores durante toda a vida; e, também, por que a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores. É tão cômodo ser menor. Não me é forço pensar quando posso simplesmente pagar'outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida. Porque a imensa maioria dos homens considera a passagem à maioridade difícil e também muito perigosa, é que os tutores de boa vontade tomaram a superintendência deles.

É, pois, difícil a cada homem desprender-se da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e é por agora realmente incapaz de ser servir do seu próprio entendimento, porque nunca se lhe permitiu fazer um a tal tentativa. Preceitos e fórmulas, instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes, do maus uso dos seus dons naturais são os grilhões de uma menoridade perpétua.

Mesmo quem deles se soubesse só daria um salto inseguro sobre o mais pequeno fosso, porque não está habituado a este movimento livre. São, pois,  muito poucos apenas os que conseguiram, mediante a transformação do seu espírito, arrancar-se à menoridade e iniciar então um andamento seguro. Mais ainda, é quase inevitável, se para tal lhe for dada liberdade.

Com efeito, sempre haverá alguns que pensam por si, mesmo entre os tutores estabelecidos da grande massa que, após terem arrojado de seu jugo da menoridade, espalharão à sua volta o espírito de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem para por si mesmo pensar.

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