Nesta segunda parte do capítulo V de "O Futuro de uma Ilusão", Freud discorre sobre as relações da religião com o espiritismo e como este tenta se sustentar nas proposições daquela. Freud escreveu esta obra em 1927 e é um clássico absolutamente atemporal. Um mergulho nas profundezas abissais da psique à procura de si mesmo. Há semelhanças originais entre espírito e psique: De forma resumida, mas objetiva: Espírito, do verbo latino spirare, do grego pneuma - sopro, alento, aquilo que vivifica, intelecto - em geral o significado predominante na filosofia moderna e contemporânea, bem como na linguagem comum (Cf. Abbagnano). Psique, do grego psychē - sopro, inspiração (in spirare), mente, "alma da vida", alento!
Quando
perguntamos sobre o fundamento da pretensão de que se acredite nelas [as ideias religiosas], recebemos
três respostas que se harmonizam notavelmente mal entre si. Em primeiro lugar,
merecem crédito porque nossos ancestrais já acreditavam nelas; em segundo
lugar, possuímos provas que nos foram transmitidas precisamente dessa época
antiga, e, em terceiro lugar, é absolutamente proibido questionar essa comprovação.
No passado, esse atrevimento era punido com os mais severos castigos, e ainda
hoje a sociedade vê com desagrado que alguém o renove. Esse terceiro ponto
precisa despertar as nossas mais fortes reservas.
A única
motivação de semelhante proibição só pode ser o fato de que a sociedade conhece
muito bem o caráter duvidoso da pretensão que reclama para suas doutrinas
religiosas. Caso contrário, ela certamente colocaria o material necessário, com
a maior boa vontade, à disposição de todo aquele que busca formar a sua própria
convicção. Por isso, passamos ao exame dos dois outros argumentos com uma desconfiança
difícil de apaziguar.
Devemos acreditar porque nossos ancestrais acreditaram.
Esses nossos antepassados, porém, eram muito mais ignorantes do que nós; eles
acreditavam em coisas que hoje nos são impossíveis de aceitar. Manifesta-se a
possibilidade de que as doutrinas religiosas também possam ser desse tipo. As
provas que nos deixaram estão registradas em escritos que trazem, eles
próprios, todos os sinais de serem indignos de confiança. São
contraditórios, retocados e falsificados; quando relatam comprovações efetivas,
eles próprios carecem de comprovação. Não ajuda muito afirmar que suas formulações,
ou apenas seus conteúdos, têm origem na revelação divina, pois essa afirmação
mesma já é uma parte daquelas doutrinas cuja credibilidade deve ser
investigada, e nenhuma proposição pode provar a si mesma.
Chegamos assim
ao estranho resultado de que precisamente as comunicações de nosso patrimônio
cultural que poderiam ter para nós o maior dos significados, às quais cabe a
tarefa de nos esclarecer os enigmas do mundo e nos reconciliar com os
sofrimentos da vida – de que precisamente elas possuem a mais fraca
comprovação. Não poderíamos nos decidir a aceitar um fato para nós tão
indiferente quanto o de que as baleias parem seus filhotes em vez de colocar
ovos se ele não fosse melhor demonstrável. Esse estado de
coisas é por si só um problema psicológico bastante notável. E que ninguém
acredite que as observações anteriores acerca da indemonstrabilidade das
doutrinas religiosas contenham algo novo.
Ela foi percebida em todas as épocas,
e certamente também pelos antepassados que legaram tal herança. É possível que
muitos deles tenham nutrido as mesmas dúvidas que nós, porém se encontravam sob
uma pressão forte demais para que ousassem expressá-las. E, desde então, um
número incontável de homens se atormentou com as mesmas dúvidas, que queriam
sufocar porque se julgavam obrigados a crer; muitos intelectos brilhantes
sucumbiram a esse conflito, e muitos caracteres
sofreram danos em razão dos compromissos em que buscavam uma saída.
Se todas as
provas apresentadas em favor da credibilidade das proposições religiosas provêm
do passado, é natural verificar se o presente, que pode ser julgado com mais
acerto, também pode oferecer tais provas. Se, dessa forma, se conseguisse
colocar a salvo de dúvidas mesmo que apenas uma única parte do sistema religioso,
o todo ganharia extraordinariamente em credibilidade. É aqui que entra a atividade
dos espíritas, que estão persuadidos da continuidade da alma individual e que
pretendem nos demonstrar que essa proposição da doutrina religiosa é isenta de
dúvidas.
Infelizmente, não conseguem refutar o fato de as aparições e as manifestações de seus espíritos serem apenas produtos de sua própria atividade psíquica. Eles evocaram os espíritos dos maiores homens, dos mais destacados pensadores, mas todas as manifestações e notícias que deles receberam foram tão tolas, tão inconsolavelmente ocas, que não se pode acreditar em outra coisa senão na capacidade dos espíritos de se adaptarem ao círculo de pessoas que os invoca.
[continua na próxima semana]
Infelizmente, não conseguem refutar o fato de as aparições e as manifestações de seus espíritos serem apenas produtos de sua própria atividade psíquica. Eles evocaram os espíritos dos maiores homens, dos mais destacados pensadores, mas todas as manifestações e notícias que deles receberam foram tão tolas, tão inconsolavelmente ocas, que não se pode acreditar em outra coisa senão na capacidade dos espíritos de se adaptarem ao círculo de pessoas que os invoca.
[continua na próxima semana]
Psicanálise e Religião, Erich Fromm
As religiões autoritárias estimulam a dependência humana. É fato
que o homem está sujeito à morte, ao envelhecimento e à doença, mas uma coisa é
reconhecer a dependência do homem e suas limitações, e outra é estimular essa
dependência e cultuar as forças que escapam ao seu controle. Compreender
realisticamente, e nas justas proporções as limitações humanas faz parte
essencial da sabedoria adulta, mas adorar essas limitações constitui atitude
masoquista e autodestrutiva.
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