Imagem: Zenith, bronze, 2010
A postagem anterior – A ópera dos corvos – escrita com necessária acidez, trouxe comentários de consenso porque, de fato, o comportamento exacerbado de alguns espelha um fanatismo que ultrapassa os limites do razoável. É disso que vamos falar – fanatismo, como quer que se manifeste – na política, na religião, no esporte. Trata-se de um tema complexo que vai além do campo das Ciências Sociais, exigindo leitura atenta e reflexão permanente. Ademais, é assunto muito atual nestes tempos estranhos de polarização acirrada, autoverdade, enfrentamento e esfacelamento da ética. O alvo de nossa crítica tem sido as crenças pertencentes ao universo do pensamento mágico e ficcional, quando no limiar da irracionalidade, o fanatismo: fantasmas, espíritos, anjos, deuses, crendices, superstições e extraterrestres.
O que me levou a abordar este tema teve sua origem no post referido, quando certo ufólogo, para sustentar e justificar suas crenças pessoais, decidiu envolver seus dois filhos, um deles adolescente, na tramoia mentirosa e abominável de se colocarem como vítimas de uma abdução alienígena. Sem dúvida, uma atitude que expõe seu caráter – ou a falta dele – desprezível, desregrado e comezinho. As semelhanças com os “mercadores de ilusão” não são coincidências. Como não sou da área médica nem jurídica, pergunto: Uma conduta dessa natureza não caracterizaria um grave transtorno mental ou um ato criminoso? Deixo a palavra com os especialistas.
Fanatismo vem do latim aefanum – templo, santuário, empregado a partir do século 18 para “indicar o estado de exaltação de quem se crê possuído por Deus e, portanto, imune ao erro e ao mal” (Abbagnano:427). Logo, fanático expressa a convicção de quem fala em nome de um princípio absoluto, seja divindade, líder, poder, seita ou igreja, pretendendo que suas palavras também sejam absolutas. Fanático é traduzido como vigilante, guardião, serviçal, servo, lacaio, escravo do templo e, por extensão, das suas crenças. Estamos falando de um estado psíquico de devoção cega e inflexível que, em grande parte, flerta com o delírio, impossibilitando o diálogo. O fanático tem seu mundo próprio apartado da realidade.
No caso da Ufotopia, centro dessa conversa, seu arcabouço contém os princípios de uma religião embora não seja uma salvo casos muito específicos. Dito de outra forma, o fanático está absolutamente seguro de que suas ideias estão certas, são únicas, verdadeiras e indiscutíveis. Seu trabalho é convencer a qualquer custo aquele que não crê em sua verdade, em certa medida visto não como opositor, mas inimigo a ser (a)batido. O fanático acredita em qualquer mentira que reforce sua crença, e qualquer fala contrária, por mais racional e científica, será sempre hostilizada, devendo os descrentes ser combatidos ou eliminados como “solução final”. A mentira anda de mãos dadas com a crença falsa. O que o fanático não percebe é o quanto ele está fossilizado no tempo e no espaço, ajoelhado de costas para o mundo. Quem se posta de joelhos desconhece a própria estatura.
Paradoxalmente, para mentir, o mentiroso conhece a verdade justamente para poder desmenti-la, invertê-la e distorcê-la. Diz Cassorla:
Matteo Pugliese
A postagem anterior – A ópera dos corvos – escrita com necessária acidez, trouxe comentários de consenso porque, de fato, o comportamento exacerbado de alguns espelha um fanatismo que ultrapassa os limites do razoável. É disso que vamos falar – fanatismo, como quer que se manifeste – na política, na religião, no esporte. Trata-se de um tema complexo que vai além do campo das Ciências Sociais, exigindo leitura atenta e reflexão permanente. Ademais, é assunto muito atual nestes tempos estranhos de polarização acirrada, autoverdade, enfrentamento e esfacelamento da ética. O alvo de nossa crítica tem sido as crenças pertencentes ao universo do pensamento mágico e ficcional, quando no limiar da irracionalidade, o fanatismo: fantasmas, espíritos, anjos, deuses, crendices, superstições e extraterrestres.
Contudo, você sabe que neste blog não dá para aprofundar a discussão como
seria desejável, operando mais como um candeeiro a alumiar caminhos, como sempre digo,
ou plantar sementes aqui e acolá esperando que germinem em terras férteis. Então, dividi o tema em três partes de modo a proporcionar ao menos um ponto de partida para sua análise, longe de esgotar o assunto. Não ousaria ir além do que a minha experiência
permite, recorrendo à literatura e aos conhecedores onde o meu saber esbarrou na ignorância. Espero
que os amigos psicanalistas e psicólogos e de outras áreas que estejam lendo
este artigo possam dar suas contribuições – e correções
– se assim julgarem cabíveis.
O que me levou a abordar este tema teve sua origem no post referido, quando certo ufólogo, para sustentar e justificar suas crenças pessoais, decidiu envolver seus dois filhos, um deles adolescente, na tramoia mentirosa e abominável de se colocarem como vítimas de uma abdução alienígena. Sem dúvida, uma atitude que expõe seu caráter – ou a falta dele – desprezível, desregrado e comezinho. As semelhanças com os “mercadores de ilusão” não são coincidências. Como não sou da área médica nem jurídica, pergunto: Uma conduta dessa natureza não caracterizaria um grave transtorno mental ou um ato criminoso? Deixo a palavra com os especialistas.
Fanatismo vem do latim aefanum – templo, santuário, empregado a partir do século 18 para “indicar o estado de exaltação de quem se crê possuído por Deus e, portanto, imune ao erro e ao mal” (Abbagnano:427). Logo, fanático expressa a convicção de quem fala em nome de um princípio absoluto, seja divindade, líder, poder, seita ou igreja, pretendendo que suas palavras também sejam absolutas. Fanático é traduzido como vigilante, guardião, serviçal, servo, lacaio, escravo do templo e, por extensão, das suas crenças. Estamos falando de um estado psíquico de devoção cega e inflexível que, em grande parte, flerta com o delírio, impossibilitando o diálogo. O fanático tem seu mundo próprio apartado da realidade.
No caso da Ufotopia, centro dessa conversa, seu arcabouço contém os princípios de uma religião embora não seja uma salvo casos muito específicos. Dito de outra forma, o fanático está absolutamente seguro de que suas ideias estão certas, são únicas, verdadeiras e indiscutíveis. Seu trabalho é convencer a qualquer custo aquele que não crê em sua verdade, em certa medida visto não como opositor, mas inimigo a ser (a)batido. O fanático acredita em qualquer mentira que reforce sua crença, e qualquer fala contrária, por mais racional e científica, será sempre hostilizada, devendo os descrentes ser combatidos ou eliminados como “solução final”. A mentira anda de mãos dadas com a crença falsa.
Paradoxalmente, para mentir, o mentiroso conhece a verdade justamente para poder desmenti-la, invertê-la e distorcê-la. Diz Cassorla:
Defrontamo-nos
com aspectos perversos, diferentes dos ingênuos e psicóticos, em que erros
de percepção redundam em falsidades. O ingênuo acredita que o Sol gira em
torno da Terra. O psicótico afirma que está sendo perseguido. Ambos não
estão mentindo.
Quem induz deliberadamente
seus filhos a cooptarem numa farsa, comete uma delinquência moral e
ética condenável, revelando-se covarde, indecente, de espírito torpe e mente deformada. Veja o que diz Le Bon:
Os resíduos ancestrais formam a
camada mais profunda e mais estável do caráter dos indivíduos e dos povos.
É pelo seu “eu” ancestral que um inglês, um francês, um chinês, diferem tão
profundamente. Mas, a esses remotos atavismos sobrepõem-se elementos
suscitados pelo meio social (casta, classe, profissão, etc.), pela educação
e ainda por muitas outras influências. Eles imprimem à nossa personalidade
uma orientação assaz constante.
O fanático “são”, “do bem”, demonstra entusiasmo pelo seu objeto de adoração, paixão pelo time de futebol, admiração
pelo líder político, devoção pelo santo, amor pelo ídolo com
moderação e equilíbrio, sem danos a terceiros. Tenho amigos fanáticos pelo seus clubes, outro que ainda coleciona tudo sobre Ayrton Senna e assim por diante, mas sabem ser críticos e dosar seus apegos. Porém, transposta essa fronteira, o caso se torna patológico e com consequências, como veremos em nosso próximo encontro.
______________
Nicola Abbagnano: Dicionário de Filosofia.
Ronaldo Brum: Fanatismo - Um Estudo Psicológico. Letra & Vida, 2007.
Ronaldo Brum: Fanatismo - Um Estudo Psicológico. Letra & Vida, 2007.
Jaime Pinsky e Carla Bazzanesi Pinsky: Faces
do Fanatismo. Contexto, 2015.
Roosevelt Cassorla: "Notas sobre fanatismo e
mentira". Soc. Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
Sigmund Freud: Totem e tabu e outros
trabalhos. Obras Completas, Vol. XIII. Rio de Janeiro: Imago.
_______. O Ego, o Id e outros trabalhos. Obras
Completas, Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago.
Carl J. Jung. O homem e seus símbolos. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira.
_______. Psicologia do Inconsciente.
Petrópolis, 1980.
É o fanatismo que estremece os alicerces do planeta... em qualquer nível... sempre!
ResponderExcluir"No caso da Ufotopia, centro dessa conversa, seu arcabouço contém os princípios de uma religião embora não seja uma salvo casos muito específicos. Dito de outra forma, o fanático está absolutamente seguro de que suas ideias estão certas, são únicas, verdadeiras e indiscutíveis. Seu trabalho é convencer a qualquer custo aquele que não crê em sua verdade, em certa medida visto não como opositor, mas inimigo a ser (a)batido. O fanático acredita em qualquer mentira que reforce sua crença, e qualquer fala contrária, por mais racional e científica, será sempre hostilizada, devendo os descrentes ser combatidos ou eliminados como 'solução final'. A mentira anda de mãos dadas com a crença falsa. O que o fanático não percebe é o quanto ele está fossilizado no tempo e no espaço, ajoelhado de costas para o mundo. Quem se posta de joelhos desconhece a própria estatura".
ResponderExcluirQue surra, seu Reis! Indiscutível!
Embora eu acredite numa força metafísica que é guardiã da minha existência - não consigo crer que sou só uma peça de carne - gostei muito do texto, Carlos. Adoro te ler.
ResponderExcluir