FANATISMO DOENTE
Mais uma vez, o post anterior também repercutiu, e não poderia ser diferente porque o problema é mais sério do que aparenta, e os leitores perceberam isso. O psiquiatra Fernando Neves, Professor do Departamento de Saúde
Mental da Universidade Federal de Minas Gerais afirma que, de maneira geral,
quando alguém defende fervorosamente um único argumento para sua crença,
ele não admite outros pontos de vista, o que pode se tornar um hábito de
vida a partir dos fundamentos que ela mesma cria, que nem fundamentos são. Para a psicóloga Ana Maria
Franqueira, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, o sentimento
exacerbado de fanatismo – que pode inclusive
desconsiderar a própria família e amigos – é um
distúrbio psicológico diagnosticado quando o sujeito age de acordo apenas com
a emoção, em detrimento da razão.
Na próxima e última parte da série, visitaremos o fanatismo fora dos padrões sociais aceitáveis em condutas que agridem não só a ética como põem em risco a integridade física dos cidadãos e a do próprio fanático. Neste ponto, a análise deixa de ser dos âmbitos da medicina, da antropologia e da sociologia para ser jurídica e criminal. O fanático passa a ser um perigo potencial para si e para a sociedade.
O fanático não percebe que passou dos limites devido o composto irracional que prevalece: o radicalismo, como sinônimo de extremismo. Ainda de acordo com a especialista, esse é o traço psicológico que se desenvolve ao longo do tempo, possivelmente ligado a baixa autoestima, a ausência de identidade, imaturidade, insegurança, desequilíbrio emocional e solidão, o que o faz procurar e unir-se a grupos de mesma ideologia onde se fortalecem mutuamente.
Os estudos de psicopatologia sobre o fanatismo crescem em escala planetária. A falta de uma crença raciocinada e da razão – maturidade psicológica – contribui para a instabilidade emocional e os estados psicopatológicos do fanatismo, que multiplicam-se fora de controle. O fanatismo traz em si um aspecto narcísico camuflado no ego, dificultando a convivência, a comunicação e as relações sociais. É importante ressaltar outro fator fundamental – a sedução – que, assim como toda crença, tem sua matéria-prima na irracionalidade. A sedução tem um componente “mágico” que engana através de um jogo de aparências; do latim seductio, seducere – separar, por à parte, desviar – que preenche um vazio imediato e constrói, pelo imaginário, a sensação íntima de pertencimento no mundo. Separar o quê? Freud explica mais adiante.
A narrativa
do fanatismo é unidirecional, dogmática, intolerante, agressiva, obsessiva,
doutrinária e rígida, sobressaindo pelo sectarismo irredutível. O subterrâneo desse comportamento não esconde o substrato religioso
impregnado no imaginário – a “doença religiosa”, viciante, disruptiva e
destrutiva pelo excesso. Nesse sentido, voltando ao ponto que originou esta
série, não exagerei ao dizer que aquele indivíduo pode, em algum momento,
julgar-se “eleito” pelos deuses astronautas com a missão de esclarecer a
humanidade. Não seria o primeiro, não faltam elementos para isso e, conhecendo o histórico, bem provável acontecer. E a pergunta segue em aberto: É caso para tratamento psiquiátrico ou ação penal?
Para alguns
especialistas, a função das experiências místicas – e o contato/abdução
é uma delas – é ajudar no exercício de uma construção identitária e de
um estímulo existencial. Quaisquer que sejam os dogmas que orbitam na vida do
indivíduo, são como um motor que o impulsiona a persistir em sua caminhada, e a
gerenciar questões psicológicas através de “liturgias cerimoniais”. É o que parece ser no caso em análise –construção identitária – ufólogo; liturgias – palestras, artigos, fóruns; protagonismo – contatos, sequestros, mensagens, “missão”.
Atenção agora. De acordo com Freud, a psicose (o fanatismo é um desequilíbrio psíquico) encontra um modo de ser trabalhada através de instrumentos culturais como religião e arte. Esse movimento tem o objetivo de escapar de uma realidade insatisfatória em busca de um mundo mais agradável através da fantasia, podendo, assim, evitar entrar em contato com os processos psíquicos que causam sofrimento, e agir sobre práticas culturais aceitáveis. As questões sobre superstição e crença e suas funções psíquicas são recorrentes nos estudos freudianos e junguianos, entre outros. A expressão inaugurada por Freud – sublimação – remete à ideia de que “uma atividade socialmente admissível [ufologia] possibilita ao sujeito [ufólogo] externar o seu âmago, caracterizando-o em ações culturais como música, pintura, arte, literatura, poesia, ou pela devoção a figuras sobrenaturais” (sublinhados e colchetes meus).
O deslocamento dessa instância psíquica, normalmente inconsciente, é exposto através desse mecanismo que ajuda no processo de administração desses conteúdos. Embora Freud não cite, não parece fora de contexto incluir as liturgias referidas como parte da a atividade demiúrgica de certos atores.
Atenção agora. De acordo com Freud, a psicose (o fanatismo é um desequilíbrio psíquico) encontra um modo de ser trabalhada através de instrumentos culturais como religião e arte. Esse movimento tem o objetivo de escapar de uma realidade insatisfatória em busca de um mundo mais agradável através da fantasia, podendo, assim, evitar entrar em contato com os processos psíquicos que causam sofrimento, e agir sobre práticas culturais aceitáveis. As questões sobre superstição e crença e suas funções psíquicas são recorrentes nos estudos freudianos e junguianos, entre outros. A expressão inaugurada por Freud – sublimação – remete à ideia de que “uma atividade socialmente admissível [ufologia] possibilita ao sujeito [ufólogo] externar o seu âmago, caracterizando-o em ações culturais como música, pintura, arte, literatura, poesia, ou pela devoção a figuras sobrenaturais” (sublinhados e colchetes meus).
O deslocamento dessa instância psíquica, normalmente inconsciente, é exposto através desse mecanismo que ajuda no processo de administração desses conteúdos. Embora Freud não cite, não parece fora de contexto incluir as liturgias referidas como parte da a atividade demiúrgica de certos atores.
A superstição, a crença, a fantasia, o delírio e o fanatismo podem ter ligação com o
conceito de doença, quando analisadas pela ótica de uma determinada
categoria. Como o sujeito organiza sua agenda a partir de atos
relacionados aos dogmas que segue, denota certa estranheza quando convive
em uma sociedade mais heterogênea. Sugiro acessar a série postada neste
blog que traz os capítulos 5 e 6 da obra “O Futuro de uma Ilusão”, de Freud: Corpo
de ilusões; O Espírito, a psique; Credo quia absurdum; Além da alma; Em nome do Pai.
Jung
ressalta que, “Devido ao seu parentesco com as coisas físicas, os arquétipos
quase sempre se apresentam em forma de projeções, e quando estas
são inconscientes, manifestam-se nas pessoas com quem se
convive, subestimando ou sobre-estimando-as, provocando desentendimentos, discórdias, fanatismos e loucuras de todo tipo”. Autores representativos como MacKay e Le Bon, no século 19, categorizaram o “comportamento de manada” das massas como focos de frustração e loucura em larga escala. O fanatismo é a força ilusória dos fracos, e o único contra-ataque possível está no conhecimento. na formação e informação, no estudo, ponderação e senso crítico. Edgar Morin demonstra grande preocupação, que é nossa também: “A primeira forma de barbárie que nos ameaça é a da doutrinação, da conquista, do fanatismo e da intolerância”. Não é apenas uma opinião, é uma advertência. Estamos mais próximos disso do que se pensa. Falaremos disso em breve.
Como adendo, cabe mencionar que o fanático, nesse estágio de idolatria doentia pelo seu objeto de fascinação, fica vulnerável à ação de outros agentes externos de dependência como fármacos, drogas e álcool, por exemplo. Esses agentes produzem um efeito narcotizante que afeta o sistema nervoso central, inibe processos cognitivos lógicos, reforça o individualismo. Demais sintomas são alucinações, confusão espaço-temporal, estados delirantes e outros transtornos (psicose exotóxica); adicionalmente, encurtam a distância entre o sujeito e sua crença – o “ente sagrado”, amplificando os níveis de confiança, plenitude e prazer por essa pseudo proximidade, aliviando tensões e ansiedades, fazendo-o “esquecer” problemas, medos, frustrações e responsabilidades da vida prática, ainda que temporariamente por serem meros paliativos.
Como adendo, cabe mencionar que o fanático, nesse estágio de idolatria doentia pelo seu objeto de fascinação, fica vulnerável à ação de outros agentes externos de dependência como fármacos, drogas e álcool, por exemplo. Esses agentes produzem um efeito narcotizante que afeta o sistema nervoso central, inibe processos cognitivos lógicos, reforça o individualismo. Demais sintomas são alucinações, confusão espaço-temporal, estados delirantes e outros transtornos (psicose exotóxica); adicionalmente, encurtam a distância entre o sujeito e sua crença – o “ente sagrado”, amplificando os níveis de confiança, plenitude e prazer por essa pseudo proximidade, aliviando tensões e ansiedades, fazendo-o “esquecer” problemas, medos, frustrações e responsabilidades da vida prática, ainda que temporariamente por serem meros paliativos.
Na próxima e última parte da série, visitaremos o fanatismo fora dos padrões sociais aceitáveis em condutas que agridem não só a ética como põem em risco a integridade física dos cidadãos e a do próprio fanático. Neste ponto, a análise deixa de ser dos âmbitos da medicina, da antropologia e da sociologia para ser jurídica e criminal. O fanático passa a ser um perigo potencial para si e para a sociedade.
"Autores representativos como MacKay e Le Bon, no século 19, categorizaram o 'comportamento de manada' das massas como focos de frustração e loucura em larga escala. O fanatismo é a força ilusória dos fracos, e o único contra-ataque possível está no conhecimento, na formação e informação, no estudo, ponderação e senso crítico".
ResponderExcluirOutro texto delicioso, sr. Reis. Abs.