A DIFERENÇA É SER HUMANO
O homem é uma corda esticada
entre o animal e o super-homem,
uma corda por cima do abismo.
Nietzsche
Outro dia postaram nas redes sociais a foto de um indígena caracteristicamente pintado e adornado, com o seguinte texto, imaginado ser politicamente correto: “Selvagem não é o habitante da floresta, selvagem é quem a destrói”. Embora seja possível entender o espírito da mensagem, ela está semântica e conceitualmente errada. Selvagem é sim o habitante das selvas, das florestas; etimologicamente, tem a mesma raiz latina para selvícola, silvícola, selvático, silvestre, por extensão rude, rústico, o que não significa que seja violento, ignorante, um bárbaro sanguinário. O selvagem pode ser inculto para os padrões do homem “civilizado”, mas ele preserva sua cultura, sua lógica, seus valores e sua ética.
Não, selvagem não é quem destrói a floresta, queima as matas, derruba árvores, caça por lazer e mata por prazer, envenena o meio ambiente. Quem faz tudo isso e mais um pouco é o humano branco mesmo, ele sim cada vez mais truculento, estúpido, hostil, cruel, selvagem no sentido que ele entende. A imagem que encima o post mostra as muitas semelhanças entre o animal humano e o – este sim – selvagem: a face da dor, o medo, na luta pela sobrevivência, na defesa do território e da prole, na fome, na disputa pela chefia do bando. Os impulsos anímicos são organicamente os mesmos, o olhar é o mesmo, o grito é o mesmo, a impotência ante a tragédia é a mesma. Somos todos animais.
Organicamente semelhantes mesmo. A diferença genética entre o homem e o macaco Bonobo e o chimpanzé é de apenas 1%. Segundo os pesquisadores que fizeram o mapeamento genético destes animais, analisando as características de ambos será possível, em futuro próximo, descobrir como o lado mais sombrio da nossa natureza evoluiu. Esse é o dado empírico que está faltando, porque o antropológico sócio-comportamental já é conhecido.
Nossa configuração cerebral apresenta, em sua região mais interna, o Complexo Reptiliano, ou cérebro basal, o mais primitivo legado animal que carregamos até hoje. É ali que residem nossos instintos primais de sobrevivência – reprodução, autodefesa, fuga, fome, etc. – e dos processos automáticos de respiração e ritmo cardíaco. Além disso, determina muito do nosso comportamento repetitivo e intuitivo. Um detalhe fundamental é que, em certo sentido, o Complexo R é paranoico e reativo, pois para ele tudo é ameaça e perigo. É nessa região também que crenças e convicções estão profundamente enraizadas, e por essa razão são facilmente manipuláveis e controláveis pela intimidação e pelo medo. As técnicas de marketing e as doutrinações religiosas sabem disso e exploram com sucesso essa fraqueza.
O historiador israelense Yuval Harari, em Homo Deus, diz que na maioria das línguas semitas, “Eva” significa “serpente” ou “serpente fêmea”, nome que refere um mito animista arcaico segundo o qual as serpentes são nossas antepassadas. Para ele, os autores do livro do Gênesis podem ter preservado um resquício das crenças animistas ao escolher o nome de Eva, tendo o cuidado de ocultar outros traços. Linguística à parte, e voltando à neurociência, não passamos de primatas com cérebro maior que o deles mas com o mesmo número de neurônios. A diferença está em como processamos essas informações e o que fazemos com elas.
A ciência não sabe responder como se dá essa síntese informacional, em outras palavras, de onde vem o pensamento. Mistério insondável. Somente 16% dos neurônios situam-se no córtex – a área do pensamento, o “setor nobre”dessa magnífica fábrica de ideias; a maior parte deles opera lá onde você deve estar pensando, no sistema reptiliano! Como diz a Dra. Herculano-Houzel, “Nosso cérebro é um cérebro ordinário de primata com a distinção de ser o maior cérebro de primata que consegue ter mais neurônios corticais. (...) A evolução humana recente é uma história do aumento do número de neurônios no córtex e de como levamos cada vez mais tempo para chegar à vida adulta independente”³. O sublinhado propõe uma reflexão mais demorada.
Organicamente semelhantes mesmo. A diferença genética entre o homem e o macaco Bonobo e o chimpanzé é de apenas 1%. Segundo os pesquisadores que fizeram o mapeamento genético destes animais, analisando as características de ambos será possível, em futuro próximo, descobrir como o lado mais sombrio da nossa natureza evoluiu. Esse é o dado empírico que está faltando, porque o antropológico sócio-comportamental já é conhecido.
Nossa configuração cerebral apresenta, em sua região mais interna, o Complexo Reptiliano, ou cérebro basal, o mais primitivo legado animal que carregamos até hoje. É ali que residem nossos instintos primais de sobrevivência – reprodução, autodefesa, fuga, fome, etc. – e dos processos automáticos de respiração e ritmo cardíaco. Além disso, determina muito do nosso comportamento repetitivo e intuitivo. Um detalhe fundamental é que, em certo sentido, o Complexo R é paranoico e reativo, pois para ele tudo é ameaça e perigo. É nessa região também que crenças e convicções estão profundamente enraizadas, e por essa razão são facilmente manipuláveis e controláveis pela intimidação e pelo medo. As técnicas de marketing e as doutrinações religiosas sabem disso e exploram com sucesso essa fraqueza.
O historiador israelense Yuval Harari, em Homo Deus, diz que na maioria das línguas semitas, “Eva” significa “serpente” ou “serpente fêmea”, nome que refere um mito animista arcaico segundo o qual as serpentes são nossas antepassadas. Para ele, os autores do livro do Gênesis podem ter preservado um resquício das crenças animistas ao escolher o nome de Eva, tendo o cuidado de ocultar outros traços. Linguística à parte, e voltando à neurociência, não passamos de primatas com cérebro maior que o deles mas com o mesmo número de neurônios. A diferença está em como processamos essas informações e o que fazemos com elas.
A ciência não sabe responder como se dá essa síntese informacional, em outras palavras, de onde vem o pensamento. Mistério insondável. Somente 16% dos neurônios situam-se no córtex – a área do pensamento, o “setor nobre”dessa magnífica fábrica de ideias; a maior parte deles opera lá onde você deve estar pensando, no sistema reptiliano! Como diz a Dra. Herculano-Houzel, “Nosso cérebro é um cérebro ordinário de primata com a distinção de ser o maior cérebro de primata que consegue ter mais neurônios corticais. (...) A evolução humana recente é uma história do aumento do número de neurônios no córtex e de como levamos cada vez mais tempo para chegar à vida adulta independente”³. O sublinhado propõe uma reflexão mais demorada.
Selvagem é o animal da selva, o homem da selva, o fruto da selva. Quando o humano não age como tal, o que ele é? É um animal que perdeu seu único dom – a lucidez. Culpa dos deuses? Quem sabe, afinal, quando eles querem destruir o homem, começam por lhe tirar a razão, diz o provérbio. As diferenças tendem a diminuir até que, em algum ponto, desaparecem. Ao que chamamos de pós-modernidade não seria antes um neo-barbarismo? Não quero parecer cruel, mas o avesso do espelho revela que teu rosto e voz escondem um animal acuado com um rosnar preso. Não é preciso muito para libertá-lo. A “corda” mencionada por Nietzsche é frágil e tensionada no limite de sua resistência. Inspirado pelo poeta inglês T S. Elliot², eu diria que o fim dos tempos pode vir acompanhado não de um clarão cegante, mas de um gemido, um choro, um suspiro. Ou um urro.
____________
¹ Homo sum: nihil humani a me alienum puto.
² O Poema (estrofe final): Assim expira o mundo, não com um estrondo, mas com um suspiro.
³ Suzana Herculano-Houzel. Longevity and sexual maturiry across species with number of cortical neurona, and humans are not exceptiom.The Journal of Comparativ Neurology 23/10/2018.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/cne.24564 Acessado em 29/09/2019.
Kay Prüfer, et al. Tje bonobo genome compared with the chimpanze and human genomes. Nature, 2012.
Kay Prüfer, et al. Tje bonobo genome compared with the chimpanze and human genomes. Nature, 2012.
As palavras do cronista Paulino Azurenha (1860-1909) são de 1906 e parecem indicar que a "neo-barbárie" não é tão neo, seu Reis:
ResponderExcluir"A sociedade moderna apenas usa e abusa de um verniz de civilização. A pretexto de originalidade, de exotismo, de independência, de liberdade de preconceitos e de convenções, cometem-se os maiores atentados contra a moral, os bons costumes e educação dos sentimentos, fazendo, paulatinamente mas seguramente, reverter, descambar a humanidade para a confusão grosseira da barbárie, de que, a muito custo, a cultura da Renascença fê-la emergir".
Abraço.
AI together with precisely how Chek. https://imgur.com/a/fcnKZhD https://imgur.com/a/ymXvn2e https://imgur.com/a/r8oirGS https://imgur.com/a/apPvZ0f https://imgur.com/a/lbGZefH https://imgur.com/a/q89aqSf https://imgur.com/a/cZBjzxK
ResponderExcluir