Obras

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sábado, 17 de dezembro de 2016


A ilusão está na origem do erro



Continuando a prosa com o leitor jogador de xadrez, foram levantados dois pontos que vale a pena serem postos na lousa. Parece não haver mesmo divergências, sendo mais um reposicionamento em consonância com suas observações sobre o que acontece no Brasil e no mundo em relação à Ufologia. Por exemplo, ambos estamos de acordo que as pesquisas dentro e fora do país se auto-alimentam e retroalimentam, provocando um círculo vicioso onde nenhuma delas ousa pisar fora do círculo em busca de novas perspectivas. Nem pensar. O resultado, pasmaceira, tédio, notícia velha requentada o tempo todo. 

Outro pensamento concordante é com relação ao papel da mídia no trato da questão. Ele fala com conhecimento porque atua no campo da comunicação: "Testemunho o descaso da falta de acompanhamento de casos, de todos os tipos e magnitudes, que são relevantes para a sociedade." Para nós dois, a mídia, ou a grande imprensa, como queira, oferece à sociedade o que acha que ela quer saber e não o que precisa saber. Esse tipo de achismo é nefasto.

Dados os acordos, os lances do jogo vão definindo as posições das peças. Diz ele que "Nas Ciências Sociais, algo se torna 'verdade' quando um considerável número de pessoas acredita que aquilo seja verdadeiro (...) No entanto, existe outro conceito de verdade, tangível e mensurável pelas Ciências N aturais." Para exemplificar, ele lista uma série de perturbações físicas e psicológicas e reações psíquicas sofridas pelas testemunhas como demonstração da verdade 'mensurável'. Me parece uma avaliação incorreta. Uma resposta adequada exigiria uma longa exposição, e seria melhor e mais completa se dada por um profissional da Saúde, de qualquer área. Tentarei ser conciso, sabendo de antemão que você sabe do que estou falando.

Todo o qualquer distúrbio físico e/ou psicológico não tem necessariamente uma causa externa; véspera de exame final gera 'dor de barriga', enxaqueca, manchas na pele, náuseas, dores musculares, etc, e nada disso tem a ver com o exame em si. Uma visita a Notre Dame ou ao cume de um vulcão desperta arrebatamentos indescritíveis; um pôr do sol singular faz brotar lágrimas; uma vista deslumbrante nos Alpes Suíços leva a vertigens. O agente causador não é nada em si mesmo, indiferente às reações de cada pessoa. Emoção, perplexidade, riso, espanto, medo, dor, desmaio, paralisia são produtos da psique. Falei o óbvio, sei disso.

Presenciar acontecimentos traumáticos e impactantes costuma produzir perturbações psíquicas muitas vezes irreversíveis. A conhecida Síndrome de Stendhal é um estupor extático que ocorre em evento de natureza puramente estética, também conhecido por hiperculturemia ou Síndrome de Florença. Conheço uma pessoa que diz ter passado por "estranhas sensações", um "mal estar inexprimível" e desorientação ao adentrar uma marca circular deixada por um suposto disco voador. Uma farsa grosseira, de ambas as partes. 

Não é porque alguém diz ter visto um disco voador, tocado nele, entrado, viajado, conversado com alienígenas e, em decorrência, ter sofrido danos físicos e psíquicos que devemos acreditar tratar-se de um fato real. Pode ser tudo, menos um encontro com "seres de outro planeta", porque eles não existem. Esse "tudo" pode ser, por exemplo, sonho, farsa, mentira, imaginação, alucinação, embuste, brincadeira, fantasia, falsa memória ou transtorno mental, desequilíbrio psíquico, surto psicótico e outras ocorrências da mesma ordem.

Aí vem a pergunta, inevitável: - Mas não pode ser pelo encontro com uma nave alienígena ou um extraterrestre? Aí vem a resposta, taxativa: - Não, nunca, porque ETs e discos voadores não existem. Diante dessa negativa, você ri, sente pena de mim, concorda, reflete, se inquieta, se espanta, se indigna ou fica impassível. Qualquer que seja a reação, nada muda a realidade do fato. O preço é alto para quem ousa sair do trilho, caminhar contrário à multidão ordenada, ou, sendo direto, para quem se recusa pertencer ao rebanho. Basta ter coragem, razão, lógica e conhecimento. A segunda questão foi debatida no post anterior sobre a natureza do "fenômeno Óvni", mas como o leitor informa ainda não ter lido Reflexões, vamos esperar que após a leitura o debate tenha continuidade.

Mas gostaria de abordar um aspecto que é recorrente em todas as conversas, debates, fóruns e discussões, que corrompe o raciocínio, distorcendo a construção dos argumentos e a interpretação dos fatos. Esse aspecto, que martelo aqui o temo todo, é contrário a tudo aquilo que você está acostumado a ver por aí. Ou seja, opõe-se ao senso comum, mas não ao bom senso. Veja, sempre que uma conversa dessa tem início, parte-se da premissa errada de que disco voador, como nave alienígena, existe, e a partir daí argumenta-se em cima desse equívoco ingênuo, ainda que compreensível - disco voador existe. Será que 70 anos  não foram suficientes para a ufologia ter noção da sua própria demência? Sete décadas correndo atrás do próprio rabo e não percebe a ilusão de que é autora e vítima?

Aguarde, breve trarei um texto daquele que é um dos mais respeitados nomes da sociologia contemporânea. Apesar de não haver uma palavra sequer sobre "ufologia", ele fala o que precisamos saber sobre o assunto. Por enquanto, fique com Edgar Morin, bem a propósito para o tema de hoje.


"Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão. A educação do futuro deve enfrentar o problema de dupla face do erro e da ilusão. O maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão. O reconhecimento do erro e da ilusão é ainda mais difícil, porque o erro e a ilusão não se reconhecem, em absoluto, como tais. A projeção de desejos ou de medos e as perturbações mentais trazidas por nossas emoções multiplicam os riscos de erro."

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Morin, Edgar. Os Setes Saberes Necessários à Educação do Futuro. Cortez/UNESCO, 2000. 
_______. Ciência com Consciência. Bertrand Brasil, 2005.

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