Obras

Obras

sexta-feira, 26 de maio de 2017


Nas teias da fé

Atendendo meu pedido, e sabia que o faria, o historiador Joaquim Fernandes, amigo de muitos anos, manifestou-se em menos de 24 h. após a publicação do post sobre Fátima. Reitero minha gratidão pela sua intervenção, enriquecendo a matéria. Fernandes é reconhecidamente um dos mais conceituados estudiosos sobre a "problemática fatimista e similares", com teses e obras e participações na mídia, referências em todo o mundo. É evidente que o blog jamais poderia esgotar a questão pela sua grandeza e complexidade, e ainda que ele avalize a análise, acrescenta que há outras dimensões a serem consideradas. Sem dúvida que há. Sua nota está na íntegra, com a perspectiva de novo aporte em breve.

Um dos aspetos ainda por dissecar foi o “aviso/recado” que o Papa Francisco deixou na Cova da Iria. A leitura das suas duas intervenções deixa margem para profundas avaliações que deixarão marcas na leitura convencional do fenómeno que é “Fátima 1917 e o seu complexo estrutural”, como a designo.

O Sumo Pontífice não perderia a oportunidade de conclamar os fiéis à reflexão, não só naquela data em especial, mas nas celebrações anuais, ainda mais diante de um cenário global turbulento e da mais absoluta incerteza e insegurança como esse que vivemos. O "complexo estrutural" referido por Fernandes para o evento Fátima é o mesmo - não posso deixar de dizê-lo - da ufotopia, e, em ambos os casos, há que se ter o devido "aparato crítico" multi e transdisciplinar, como citado mais abaixo, se se quiser compreender o objeto em toda sua extensão.

Por aqui andam exaltados os leitores integralistas das “aparições” de Virgem Maria (entre aspas, como as grafa o grande especialista da matéria, o teólogo jesuíta René Laurentin), aceitando mal a distinção alternativa de “visões” que alguns 'opinion makers' da “intelligentzia” católica vão fazendo nos media, com acabrunhadas e confusas reações dos teóricos ortodoxos, “mais fatimistas que Fátima”. 

Imagina-se que, de fato, as controvérsias não sejam poucas, dada a impalpabilidade da gênese do fenômeno. O teólogo francês Laurentin, prestes a completar um século de vida, pede que a Igreja tenha sempre muita cautela e discernimento na qualificação dos fatos, para não ser vítima de enganos ou os dos riscos do iluminismo. Segundo ele, "O Papa Pio X, na Encíclica, disse que a autoridade do Magistério nunca poderá ter certeza de uma aparição, mesmo quando a reconhece."¹ Só a aparição de Fátima é aceita oficialmente pelo Vaticano.

Aliás, nada que desde o ano 2000 o cardeal Josef Ratzinger, o Papa Emérito Bento XVI não tivesse já teorizado com profundidade e aparato crítico, de natureza antropológica, sociológica e teológica. Os próximos tempos poderão ser prometedores e exaltantes no que toca a novas etapas da controvérsia que já está lançada. 

As discussões talvez um dia se substituam pelas reflexões com "aparato crítico de natureza sociológica, antropológica e teológica", mas nada moverá a devoção dos fiéis nem sua certeza na operação dos 'milagres' e na realização das predições. São essas dimensões que estão à espera de serem compreendidas. Deixemos como está. As teias da fé religiosa são pegajosas, elas enredam, imobilizam, entorpecem e asfixiam. Mesmo que Fátima nunca tenha existido, agora existe. No ano do seu centenário, informa-nos Joaquim o seguinte evento:

20-21/out/17 - Congresso REVISÕES DE FÁTIMA (grafismo original), promovido pelo CTEC - Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência, da Universidade Fernando Pessoa, Porto. Um amplo painel multidisciplinar com diversas autoridades.

Além disso, acaba de estrear no History Channel (ainda indisponível no Brasil) o documentário "As Faces de Fátima", tendo como âncora o próprio Joaquim Fernandes e mais de 20 convidados, especialistas, acadêmicos e teólogos de diversas correntes, para debater e oferecer o que de melhor se pode conhecer sobre o fenômeno.

___________
¹ Le Pope Pio X a précisé dand l"Encyclique que l'autorité du Magistére n'a jamais de certitude sur une apparition, même lorsqu'elle la reconnaît. (tradução livre) em "L'appel du Ciel": http://www.appel-du-ciel.org/?page_id=20

3 comentários:

  1. Tempo de desmistificações... muito bom.

    ResponderExcluir
  2. Caem os "milagreiros" religiosos e os políticos também.

    ResponderExcluir
  3. Sem rodeios, um fenômeno análogo ao apocalipse mítico está a nos esfregar a verdade no nariz! Abraço, sr. Reis.

    ResponderExcluir