Continuando com o tema iniciado na semana passada, o fundo
religioso contido na ideia da reencarnação tem uma força extraordinária, especialmente no
Ocidente, onde o cristianismo tem rebanho numeroso. A crença no "retorno" tem grande poder de sedução justamente porque atende ao mais atávico
anseio humano - a eternidade, ou imortalidade. Quem é regido pelos princípios católicos não rejeita o conceito de
vida eterna, ou vida após a morte, o que pode tomar contornos de heresia.
O sujeito morre,
o corpo é desembaraçado. Sua vida chegou ao fim, mas seu espírito, consciência,
alma, corpo etéreo ou astral ou seja lá que nome tenha, vai para 'outro plano',
outra dimensão, e fica lá por tempo indeterminado esperando a hora de 'habitar'
outra carne - reencarnar -, no jargão espírita. Simples não? Não! Que plano, que
dimensão é essa ninguém sabe, ninguém explica, porque não tem a menor noção do
que seja, na verdade, não sabe nem o que está dizendo. Plantam-se as palavras e cada um colhe o que quiser. Bem, se é o
espírito ou a consciência que está lá seja onde ou o que for esse "lá", então,
pela lógica, animais não reencarnam, lembre-se disso. Se alguém disser o contrário com fundamentação lógica e científica, eu paro de escrever.
Antes de prosseguir, um adendo importante e oportuno. Em 2012, um seleto grupo internacional de neurocientistas reuniu-se para reavaliar os substratos neurobiológicos da experiência consciente e comportamentos relacionados em animais humanos e não humanos. Dessa reunião proclamou-se publicamente a Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não-humanos. Não tire conclusões precipitadas, leia o documento primeiro. O neurologista pesquisador do MIT e chefe da equipe, Dr. Philip Low, esteve no Brasil em 2015 apresentando-se na Unicamp com a conferência "Consciência animal: implicações éticas e práticas". O estudo concentrou-se em três esferas: cognição, autoconsciência e senciência. Note o detalhe no título da declaração: Animais humanos e não-humanos...
Antes de prosseguir, um adendo importante e oportuno. Em 2012, um seleto grupo internacional de neurocientistas reuniu-se para reavaliar os substratos neurobiológicos da experiência consciente e comportamentos relacionados em animais humanos e não humanos. Dessa reunião proclamou-se publicamente a Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não-humanos. Não tire conclusões precipitadas, leia o documento primeiro. O neurologista pesquisador do MIT e chefe da equipe, Dr. Philip Low, esteve no Brasil em 2015 apresentando-se na Unicamp com a conferência "Consciência animal: implicações éticas e práticas". O estudo concentrou-se em três esferas: cognição, autoconsciência e senciência. Note o detalhe no título da declaração: Animais humanos e não-humanos...
Vamos voltar um
pouco no tempo, aí por volta de seis milhões de anos, quando ainda éramos todos australopithecus - "macacos do sul". A
divisão natural da espécie começou lentamente a partir daí, e passamos os três
milhões de anos seguintes em mutação para a classe homo -
neanderthal, erectus.
Os primatas continuaram primatas. Nós não descendemos do macaco, somos uma variação,
uma subespécie. Millôr
Fernandes dizia com filosófico bom humor: "O homem é um macaco que não deu
certo". Levaríamos mais três milhões para chegar ao modelo sapiens. Pergunto:
A reencarnação já existia naquela época? Não, claro que não, animais não
reencarnam, e nós não passávamos de símios
estúpidos digerindo folhagens e raízes. Ou teria sido num passe de mágica ou por intervenção
divina que o último pithecus reencarnou no primeiro homo da fila, dando início à cadeia
reencarnacionista? Não há nenhuma base lógica ou sentido nesse raciocínio. Queiramos ou não, gostemos ou não, continuamos primatas,
agora pensantes. E animais não reencarnam.
Os sequazes dessa doutrina professam suas teses a partir de episódios esporádicos incomprováveis, embora afirmem possuir "provas irrefutáveis": uma criança que toca piano como Beethoven, uma jovem que fala em outro idioma sem prévio aprendizado (xenoglossia), ou alguém, visitando um lugar pela primeira vez, caminha pelas ruas e alamedas com a desenvoltura de um morador. Em outra ocasião, é dito ao sujeito que, em vida pregressa, na Grã-Bretanha da Idade Média, ele era um habilidoso ferreiro na corte do Rei Arthur, e ele não só acredita como passa a entender sua 'interesse' por cavalos e histórias das Cruzadas, pouco importando se se tratar de literatura fantástica,
Os sequazes dessa doutrina professam suas teses a partir de episódios esporádicos incomprováveis, embora afirmem possuir "provas irrefutáveis": uma criança que toca piano como Beethoven, uma jovem que fala em outro idioma sem prévio aprendizado (xenoglossia), ou alguém, visitando um lugar pela primeira vez, caminha pelas ruas e alamedas com a desenvoltura de um morador. Em outra ocasião, é dito ao sujeito que, em vida pregressa, na Grã-Bretanha da Idade Média, ele era um habilidoso ferreiro na corte do Rei Arthur, e ele não só acredita como passa a entender sua 'interesse' por cavalos e histórias das Cruzadas, pouco importando se se tratar de literatura fantástica,
Assim, consultei Jumg para saber se há algum fundamento psicológico para a crença em espíritos, e encontrei uma resposta. Leia com atenção:
Se lançarmos um olhar para o passado da humanidade, encontraremos, entre muitas outras convicções religiosas, uma crença universal na existência de seres aeriformes ou etéreos que habitam em volta do homem e exercem sobre ele uma influência invisível, mas poderosa. Em geral esta crença é acompanhada da ideia de que estes seres são espíritos ou almas de pessoas mortas. Esta crença se encontra tanto entre os povos altamente civilizados como entre os aborígines australianos que ainda vivem na Idade da Pedra. Mas entre os povos civilizados do Ocidente, a crença nos espíritos tem sido combatida há mais de um século pelo Racionalismo e Iluminismo científico, e reprimida em um grande número de pessoas cultas, juntamente com outras crenças metafísicas.
Em Memória, Sonhos, Reflexões, ele amplia seu exame: O problema do carma, assim como o da reencarnação ou da metempsicose, ficaram obscuros para mim. Assinalo com respeito a profissão de fé indiana em favor da reencarnação e, olhando em torno, no campo de minha experiência, pergunto a mim mesmo se em algum lugar, e como, terá ocorrido algum fato que possa legitimamente evocar a reencarnação. Cabe lembrar que ele era profundo estudioso das religiões e mitologias porque eram importantes para a clínica do inconsciente, tendo sempre muita reverência por todas as correntes, incluindo as extra-acadêmicas, o que não o impedia de ponderar criticamente sempre no âmbito de sua competência.
Se lançarmos um olhar para o passado da humanidade, encontraremos, entre muitas outras convicções religiosas, uma crença universal na existência de seres aeriformes ou etéreos que habitam em volta do homem e exercem sobre ele uma influência invisível, mas poderosa. Em geral esta crença é acompanhada da ideia de que estes seres são espíritos ou almas de pessoas mortas. Esta crença se encontra tanto entre os povos altamente civilizados como entre os aborígines australianos que ainda vivem na Idade da Pedra. Mas entre os povos civilizados do Ocidente, a crença nos espíritos tem sido combatida há mais de um século pelo Racionalismo e Iluminismo científico, e reprimida em um grande número de pessoas cultas, juntamente com outras crenças metafísicas.
Em Memória, Sonhos, Reflexões, ele amplia seu exame: O problema do carma, assim como o da reencarnação ou da metempsicose, ficaram obscuros para mim. Assinalo com respeito a profissão de fé indiana em favor da reencarnação e, olhando em torno, no campo de minha experiência, pergunto a mim mesmo se em algum lugar, e como, terá ocorrido algum fato que possa legitimamente evocar a reencarnação. Cabe lembrar que ele era profundo estudioso das religiões e mitologias porque eram importantes para a clínica do inconsciente, tendo sempre muita reverência por todas as correntes, incluindo as extra-acadêmicas, o que não o impedia de ponderar criticamente sempre no âmbito de sua competência.
Jung tinha também especial interesse pelo xamanismo, pajelança, folclore, feitiçaria, ocultismo, práticas divinatórias e oraculares como Astrologia, I Ching, Tarô, pela riqueza de simbolismos e conteúdos arquetípicos, fundamentais para os seus estudos. Sua atitude diante destes fenômenos está assim colocada¹, e novamente peço atenção na leitura:
O homem primitivo não se interessa pelas explicações objetivas do óbvio, mas, por outro lado, ele tem uma necessidade imperativa, ou melhor, a sua alma inconsciente é impelida irresistivelmente a assimilar toda experiência externa sensorial a acontecimentos anímicos. Para o primitivo não basta ver o Sol nascer e declinar; esta observação exterior deve corresponder - para ele - a um acontecimento anímico, isto é, o Sol deve representar em sua trajetória o destino de um deus ou herói que, no fundo, habita unicamente a alma do homem.
O que ele está
dizendo é que vemos o mundo sob um olhar eminentemente simbólico, porque os
símbolos são uma criação humana assim como a arte, a religião, a linguagem,
baseados em nossa experiência e no modo como construímos esse mundo. Cassirer
definia o homem como homo
symbolicum e não rationale. O símbolo é uma
forma de estruturar e harmonizar as relações do homem com o mundo, mesmo sendo
uma relação conflituosa, turbulenta, complexa, mas é a única possível.
Perdoe se me
estendo, mas é essencial aprofundar no pensamento de Jung, porque é quem
melhor trata destas questões metafísicas com olhar livre de paixões:
A
projeção é tão radical que foram necessários vários
milênios de civilização para desligá-la de algum modo de seu objeto
exterior. No caso da astrologia, por exemplo, chegou-se a considerar esta
antiquíssima scientia
intuitiva como absolutamente
herética, por não conseguir separar das estrelas a caracterologia
psicológica. Mesmo hoje, quem acredita ainda na astrologia, sucumbe quase
invariavelmente à antiga superstição da influência dos astros. O
homem primitivo é de uma tal subjetividade que é de admirar-se o fato
de não termos relacionado antes os mitos com os acontecimentos anímicos. Seu
conhecimento da natureza é essencialmente a linguagem e as vestes externas
do processo anímico inconsciente." E finaliza: "O homem primitivo
simplesmente ignorava que a alma contém todas as imagens das quais
surgiram os mitos, e que nosso inconsciente
é um sujeito atuante e padecente cujo drama o homem primitivo encontra
analogicamente em todos os fenômenos grandes e pequenos da natureza.
Voltando à
reencarnação, ainda em Memórias, prossegue Jung (destaque meu): É
evidente que deixo de lado os testemunhos relativamente numerosos que acreditam
na reencarnação. Uma crença prova apenas a existência do
"fenômeno da crença", mas de nenhuma forma a realidade de seu
conteúdo. É preciso que este se revele empiricamente, em si próprio,
para que eu o aceite. Até estes últimos anos, embora tivesse tido toda a
atenção, não cheguei a descobrir absolutamente nada de convincente neste
campo. E encerra confessando que, apesar da boa vontade e cuidado nas
observações, não poderia endossar a realidade da reencarnação.
Ian Stevenson,
um dos mais importantes nomes na pesquisa sobre reencarnação, apesar de
empregar metodologia científica por muitos anos em busca de respostas, nunca
conseguiu comprovar o fato. Ele dizia que os casos estudados apenas sugeriam o fenômeno.
Stevenson tinha em seu acervo casos de xenoglossia manifesta em sonhos e em
vigília, os sonhos propriamente ditos, marcas de nascença ou peculiaridades
físicas que pareciam estar relacionadas a vidas passadas, mas que puderam ser comprovadas.
Mesmo com farto material, não havia nenhuma evidência que pudesse atestar a
realidade da reencarnação.
Mais um adendo necessário. Esteve recentemente em visita ao Brasil, a convite da Universidade Federal de Juiz de Fora, Robert Almeder, professor titular de Filosofia da Ciência da Georgia University, EUA, quando apresentou a conferência "Há evidências científicas
de sobrevivência da
mente/consciência após a
morte?" Apesar de Stevenson ter dito "Não é razoável acreditar na reencarnação", Almeder segue seus passos e acredita na reencarnação, mas admite ser difícil falar em provas ou apresentar evidências científicas, e rebate seu nentor: "Não é possível rejeitar a crença na hipótese da reencarnação" (itálico meu). Continuamos na próxima semana.
Ah, sim,
lamento informar que Elvis morreu e não voltará, nem agora nem nunca.
____________
¹ Carl G.
Jung, Os Arquétipos e o
Inconsciente Coletivo. Vozes, 2000.
_______. O Eu e o Inconsciente. Vozes,
2008.
_______, Memórias,
Sonhos, Reflexões. Nova Fronteira, 1986.
_______. A Natureza da
Psique. Vozes, 2000.
Ian Stevenson, Xenoglossia: novos estudos
científicos. Vida&Consciência, 2012.
_______. Reencarnação: vinte casos. Vida&Consciência, 2010.
Tom Shroder, Almas Antigas. Sextante, 2001.
Ernst
Cassirer, A Filosofia das
Formas Simbólicas - o pensamento mítico. Martins Fontes, 2004.
Robert Almeder, Death
& Personal Survival: The evidence for life after death. Rownam&Littlefield,
1992.
"Pergunto: A reencarnação já existia naquela época? Não, claro que não, animais não reencarnam, e nós não passávamos de símios estúpidos digerindo folhagens e raízes. Ou teria sido num passe de mágica ou por intervenção divina que o último pithecus reencarnou no primeiro homo da fila, dando início à cadeia reencarnacionista? Não há nenhuma base lógica ou sentido nesse raciocínio. Queiramos ou não, gostemos ou não, continuamos primatas, agora pensantes. E animais não reencarnam".
ResponderExcluir"Gzus", senhor Reis! Agora, toca procurar o elo perdido da reencarnação!
Abraço.