Obras

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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

AS PEDRAS DO CAMINHO
Parte 2

No meio do cominho tinha uma pedra; tinha uma pedra no meio do caminho... Assim começa o poema do nosso Drummond. Para a astronomia, porém, são muitas as pedras no caminho, literalmente ou não. As literais são os pedaços de meteoritos rodopiando no espaço que chegaram à Terra num passado remoto, preservados por centenas de milhões de anos sob condições singulares. Com o avanço da ciência. foi possível estabelecer sua idade e composição, revelando aspectos até então desconhecidos. As pedras metafóricas são as enormes dificuldades para se obter respostas para tantas perguntas, entre elas, a origem da vida e se ela está espalhada ou não pelo universo. É o que Gleiser nos conta na continuação do capítulo "Terra rara, vida rara?" do seu livro.

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Em breve, será possível extrair informação da composição química das atmosferas de planetas extrassolares, buscando possíveis sinais de atividade biológica: água, oxigênio, ozônio, metano e possivelmente até clorofila. A expectativa, com que concordo entusiasticamente, é de que sinais de vida serão encontrados. A questão é que tipo de vida será essa. É aqui que a divergência começa. Em seu corajoso livro Rare Earth*, Peter Ward e Donald Brownlee argumentam convincentemente que muito provavelmente a vida extraterrestre só aparecerá nas suas formas mais simples; planetas com características terrestres têm chances de abrigar micro-organismos alienígenas, mas não muito mais do que isso. A vida multicelular complexa depende de fatores muito específicos - mesmo se todas as condições químicas forem satisfeitas - para ser comum.

Um deles, que ainda não mencionei, é a existência de uma lua grande. Com exceção de Mercúrio, todos os planetas do sistema solar giram em torno de si mesmos como piões inclinados a um certo ângulo. Se a Terra não tivesse a Lua, sua inclinação de 23,4 graus com relação à vertical variaria caoticamente, com consequências desastrosas para a vida complexa. O ângulo de inclinação orbital de um planeta determina as estações e a sua duração. Na década de 1980, o geofísico James Kasting, da Universidade Estadual da Pensilvânia, argumentou que um ângulo de inclinação variável tornaria a Terra um planeta praticamente inabitável. Dentre outros problemas, as estações do ano não seriam mais regulares e a água líquida não seria uma presença constante na superfície terrestre por longos períodos.

Outro fator extremamente importante é a existência de um campo magnético capaz de proteger a superfície planetária da radiação letal que vem do espaço. Sem ele, as criaturas seriam expostas a doses letais de radiação vinda principalmente da sua estrela central, no nosso caso, o Sol. Talvez seja isso que tenha ocorrido com Marte, por exemplo. Se Marte teve vida no passado, é pouco provável que tenha agora. Se tiver, está muito bem escondida (ou não sabemos como identificá-la). Sem dúvida, devemos continuar a buscar por vida lá, especialmente abaixo da superfície, onde está mais protegida. Ou, conforme acredita Christopher McKay, o especialista em Marte da NASA, micróbios podem viver nas regiões polares, onde existe gelo [Gleiser estava certo, veja a recente descoberta do lago subterrâneo em Marte,

Isso ocorre na Antártica, onde micro organismos foram encontrados no fundo de lagos congelados numa região conhecida como Vales Secos de McMurdo. Certamente, mesmo que esse tipo de vida esteja longe de ter a complexidade dos homenzinhos verdes da ficção científica, seria um exemplo de vida alienígena e, portanto, de extrema relevância. A enorme repercussão que teria a descoberta de vida em Marte mais do que justifica o enorme esforço que vem sendo dedicado a encontrá-la.

O leitor talvez se lembre de que, em 1996, cientistas da NASA declararam que um meteorito vindo de Marte parecia trazer consigo sinais de vida. A pedra extraterrestre, batizada de ALH84001, caiu na Terra por volta de 11.000 a.C. e foi descoberta na Antártica em 1984. Na ocasião, o administrador da NASA, Daniel Goldin, declarou: "Cientistas da NASA fizeram uma incrível descoberta que levanta a possibilidade de que uma forma de vida primitiva existia em Marte há mais de três bilhões de anos."  Hoje, a pedra 84001 nos fala de um passado de bilhões de anos e de uma distância de milhões de quilômetros. Nos fala da possibilidade de vida. Se essa descoberta for confirmada, será uma das maiores na história da ciência. Suas implicações serão profundas, e inspirarão ainda mais reverência pelo universo em que vivemos.

Ao prometer respostas para algumas das questões mais antigas da humanidade, levanta outras ainda mais fundamentais. O leitor deve estar se perguntando como que uma pedra marciana foi encontrada na Terra. A colisão violenta de um cometa ou asteroide com a superfície de um planeta levanta uma enorme quantidade de detritos. Uma fração deles é ejetada da superfície com tal velocidade que pode escapar da atração gravitacional do planeta. Viajando pelo espaço, algumas pedras podem ser capturadas pela gravidade de um planeta vizinho, numa espécie de pula-pula planetário.

* Publicado no Brasil como Sós no Universo? Campus, Rio de Janeiro, 2000.

[continua]

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