Obras

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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

FRONTEIRAS DO  IMAGINÁRIO
Parte 4

Neste quarto e penúltimo capítulo, talvez o mais importante, Gleiser toca no ponto nevrálgico da discussão sobre vida extraterrestre ao falar do desejo de companhia cósmica. Aliás, não só ele como muitos dos mais refinados autores adotam linha de pensamento semelhante, não por acaso nem por coincidência. Atenção, é aí que está o ponto fundamental: O imaginário extraterrestre é a raiz desse mito. Ou seja, este sentimento denso e pungente de solidão é o mito fundador da ufotopia a partir do qual se construiu toda a sua narrativa ficcional. Esse tem sido o fio condutor do meu trabalho nos últimos três decênios, o que me obriga à agradável tarefa de montar um feixe de estudos concomitantes, transdisciplinares, porque os temas da solidão cósmica, do imaginário e de um amplo entorno são recorrentes e imbricados entre si em uma extensa malha cultural. E tem gente que ainda não percebeu a complexidade do mundo!

Este imaginário extraterrestre atravessou décadas por conta da ausência de explicação na origem da questão ufológica. Como a não explicação persiste, a ufotopia agoniza, com sintomas de fase terminal. O imaginário, de modo geral, é importante por ser motriz dos nossos sonhos e trampolim para a criatividade, portanto, embora pareça um erro falar em limites, eles existem! Limites são fronteiras, não barreiras, e essas fronteiras existem na medida em que não se pode tomar o imaginário como real sob pena de cair nas teias da psicose, fonte de condutas tortuosas insolucionáveis.


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Essa visão deslumbrante da natureza é profundamente inspiradora e majestosa. Espero que esteja correta. Seria maravilhoso. O desejo por companheiros cósmicos se une ao desejo pela harmonia cósmica. A prova da existência de alguma espécie de "imperativo cósmico" para a vida iria contra a ortodoxia darwiniana, que descarta qualquer tipo de determinismo no que diz respeito a processos relacionados com a origem e a evolução da vida.

De acordo com a teoria da evolução, não existe qualquer plano ou propósito para a vida; o drama da existência ocorre à medida que criaturas lutam para sobreviver em ambientes diversos. Portanto, seria muito difícil resistir à tentação de relacionar algum tipo de imperativo cósmico com um senso de propósito, com a existência de alguma espécie de qualidade universal divina que favorece (e mesmo cria) a vida. Por outro lado, mesmo sendo profundamente transformadora para o senso de identidade da humanidade, não há qualquer razão para equacionar a descoberta de vida extraterrestre com noções religiosas. Poderíamos igualmente argumentar que o cosmo tem um imperativo para criar estrelas, dada a enorme quantidade delas.

Porém, sabemos que estrelas resultam da contração gravitacional de nuvens de hidrogênio, um processo físico bem compreendido que, dadas certas condições, pode ser facilmente repetido por todo o cosmo sem qualquer senso de propósito ou intencionalidade. Em outras palavras, mesmo se a vida for descoberta em algum outro lugar e concluirmos que deve ser bastante comum no cosmo, podemos manter a explicação de sua existência dentro do domínio da ciência.

A situação seria outra se a vida extraterrestre fosse multicelular. Uma coisa é descobrir amebas, outra é encontrar formas de vida complexa, seres com órgãos distintos realizando funções metabólicas e motoras distintas. Dada a incrível resistência dos extremófilos terrestres aparecendo nos ambientes os mais severos, acredito que a vida microbial não deva ser tão rara no cosmo. Entretanto, não vejo como a vida multicelular possa ser comum. Ao contrário, dados os enormes obstáculos que a vida terrestre sobrepujou até chegar ao nível de seres multicelulares, e a desolação dos planetas do nosso sistema solar (a despeito da sua beleza austera), como imaginar que a vida complexa possa ser comum no cosmo? Claro, não sabemos a resposta, e no momento podemos apenas especular. Porém, daquilo que aprendemos até agora, a probabilidade parece ser muito pequena.

Quanto mais complexa a vida, mais frágil ela é. Animais complexos têm menor resistência a mudanças radicais de temperatura e não podem viver em ambientes extremos, como fazem as bactérias. Qualquer planeta que abrigue vida complexa precisa de um excelente termostato, o que implica uma série de limitações geológicas e atmosféricas. Quanto maior a criatura, mais vulnerável ela é a ataques de predadores e de mais energia precisa para sobreviver.

Como formas de vida inteligente - aqui ou em qualquer outro lugar - surgem após seres multicelulares evoluírem por centenas de milhões de anos, a descoberta de vida extraterrestre multicelular ofereceria evidência muito convincente - se bem que ainda indireta - da existência de outros seres inteligentes no cosmo. Lembre-se de que a inteligência humana é produto de uma série de acidentes cósmicos e ambientais: como nos ensinam os dinossauros, que viveram aqui por 150 milhões de anos e de inteligentes tinham muito pouco, a inteligência não é o propósito final da evolução das espécies. Todavia, eu seria o primeiro a admitir que a descoberta de vida alienígena complexa seria profundamente revolucionária.

[continua]

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