Obras

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sexta-feira, 24 de agosto de 2018

NÓS E ELES
Parte 3


Gleiser é cientista e professor de Filosofia Natural, portanto, nada mais natural do que filosofar quando se trata "deles", os aliens. Ele não filosofa exatamente, mas como você já leu aqui muitas vezes, a questão da alteridade está sempre presente como uma espécie de "chave-mestra" que abre as portas deste enigmático castelo que somos nós e eles. Para entendê-los, precisamos primeiro entender a nós, algo que nunca chegamos a fazer completamente, mas podemos ir sempre um pouco mais longe.


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Pedras da Terra também poderiam viajar até Marte, mas a gravidade maior da torna isso menos provável. Vamos continuar a ouvir o que tem a nos dizer, enquanto continuamos a buscar respostas a questões tão antigas quanto a própria humanidade e essenciais ao nosso futuro. Quando escrevi estas linhas, em dezembro de 2009, a maioria (mas não todos) dos cientistas está convencida de que os sinais de vida no meteorito ALH84001 não são reais. Um dos métodos para se identificar atividade biológica em amostras de meteoritos é buscar por minúsculas "marcas de vida” gravadas nas rochas. A dificuldade é que processos geológicos muitas vezes causam efeitos extremamente parecidos com atividade bacteriana. Fora isso, as estruturas encontradas são extremamente pequenas, de dez a cem vezes menores do que as bactérias terrestres.

Mesmo que seja possível argumentar que a vida em Marte é (ou era) radicalmente diferente da vida aqui, a evidência em mãos não é convincente. Embora o caso não esteja completamente encerrado, ALH84001 não é a prova que tanto buscamos. Ao que sabemos, continuamos sendo o único planeta com vida no cosmo. Encontrei-me com Brownlee numa conferência em m aio de 2009 e aproveitei para perguntar se havia mudado de opinião nos últimos anos. Disse-me que não. Se ele e Ward estiverem certos, e acredito que estejam, as consequências são extremamente importantes para nós. Mesmo que formas primitivas de vida não sejam raras, planetas como a Terra são. E, se planetas terrestres são raros, a vida complexa também é. Consequentemente, a vida inteligente, consciente e capaz de refletir sobre sua própria existência é ainda mais rara, talvez até única na nossa galáxia.

Em vez de afirmarmos que p Universo é "certo" para a vida - implicando que a vida é comum no cosmo - deveríamos estar chocados com o fato de que a vida existe, tendo em vista a violência do ambiente cósmico. A questão que devemos então considerar é que estamos sozinhos no cosmo ou se existem outras formas de vida inteligente. Vejamos o que podemos concluir, dado o que aprendemos até aqui.

"Nós e eles" é título de um curso de literatura comparada que leciono ocasionalmente no Dartmouth, onde examino como nosso modo de pensar sore os alienígenas, em particular, sobre a inteligência extraterrestre, vem mudando na cultural ocidental desde o século 17. "Eles" são uma projeção de nossos medos e esperanças, um reflexo do que a humanidade tem de melhor e de pior. Na maioria das histórias e filmes, as máquinas e a aparência dos extraterrestres expressam  o estado da ciência e da tecnologia da época. No final do século 19, os marcianos do clássico romance de H. G. Wells, A Guerra dos Mundos, chegam à Terra em bólidos que aparentam ser balas de canhão ou mísseis detonados da superfície de Marte. Logo após, com a descoberta do voo, os alienígenas começaram também a voar. em seguida, com o desenvolvimento da  genética e da física nuclear, mutações e máquinas movidas a energia nuclear apareceram; a partir de 1950, o mesmo ocorreu com computadores.

Em muitas narrativas, os alienígenas são capazes de feitos que, para nós, são apenas um sonho. Na obra-prima de Arthur C. Clarke, 200ll Uma Odisseia mo Espaço, os alienígenas são indistinguíveis de deuses, "criaturas de radiação, finalmente livres da tirania da matéria". Imagine o que uma pessoa do tempo de Copérnico pensaria se visse um laptop ou um iPhone. Até meu pai, que nasceu em 1927, via os videocassetes com suspeita nos anos 1980.

A possibilidade de que a vida exista em outros lugares do espaço é extremamente fascinante. Como disse o presidente Bill Clinton em seu depoimento, a descoberta de um simples micróbio seria, talvez, a maior em toda a história da ciência. O mundo jamais seria o mesmo. Se tivéssemos provas conclusivas de que, de fato, a vida surgiu em algum outro lugar, a suposição de que ela deve ser comum no cosmo ganharia tremenda força.

A vida deixaria de ser uma anomalia terrestre. Dado que as mesmas leis da física atuam em todo o Universo, e que outros sistemas estelares têm os mesmos elementos químicos que os encontrados aqui, se detectássemos traços de vida primitiva em algum outro planeta ou lua de nossa vizinhança cósmica, concluiríamos que a vida existe também em outras partes do cosmo: o princípio da mediocridade, ao menos no que diz respeito à existência de vida, faria mais sentido. o cosmo seria receptivo à vida, e a possibilidade de que existe uma conexão profunda entre a vida e o Universo deveria ser considerada seriamente. Como escreveu Paul Davies, "Se a vida vem de um sopa pré-biótica com certeza causal, então as leis da Natureza escondem um subtexto, um imperativo cósmico que comanda: Faça-se a vida!"...


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Permita-me um comentário final relevante. Todo cientista, por mais pragmático, realista e racional que seja, possui um olhar filosófico e um religioso naquilo que faz. Enquanto o biólogo procura na menor célula vislumbrar o 'rosto' de Deus, o astrônomo vasculha o infinito esperando 'ouvi-lo'. A rigor, na verdade, a distância entre eles é pura ilusão, pois desejam a mesma coisa: conhecer a 'mente' de Deus. Agora, una os dois e você terá um astrobiólogo filosofando em busca da 'personificação' do Criador em um cosmo permeado de vida, mas não na pele de um humanoide alienígena porque sabe que ambos - Deus e alien - habitam no imaginário e nas nossas angústias mais profundas e anseios mais candentes. 

As perguntas que cientistas, filósofos e religiosos fazem podem ser as mesmas, mas as respostas, ah, essas são totalmente diferentes. Se as perguntas alimentam o espírito, as respostas sangram o coração. Para muitos quase todos, esse tranco é sufocante e um padrão de medida que distingue frouxos e destemidos, entre quem está e quem não está no mundo real.

[continua]

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