Obras

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sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O ABRAÇO DA QUIMERA

Trauma original. Mito fundador da narrativa ficcional. Essa frase, desde a penúltima parte da série sobre vida no universo, me fez pensar por vários dias. Pode não representar muito para você, pode soar banal, mas é a pedra lapidada de um estudo que atravessa três décadas. Para ser justo e exato, tudo começou lá pelo final dos anos 1980, quando trocava ideias com o colega e amigo Ubirajara Rodrigues. Em dado momento, ele mencionou algo que foi imediatamente capturada por mim, mas aquietado sem que voltássemos ao assunto: "A premissa maior é a comprovação de vida inteligente no universo". Sei que hoje isso é óbvio demais, mas no contexto da época e daquele momento em particular, posterguei o estudo da questão, muito embora, e isso também é verdade, eu já começava a apontar o nariz para outra direção - mitologia -, onde as estruturas narrativas com a ufologia pareciam se encontrar, e onde a origem da vida - mitos de criação - era um dos tópicos. Criação, origem, início de tudo, vida no universo. Tudo se encaixa.

Vida inteligente abundante no universo, civilizações que nos visitam e nos guardam. Como tais não existem, e não mesmo, irrompe o imaginário, e a peça de ficção segue o roteiro clássico dos "irmãos cósmicos protetores", e o teatro ufológico se organiza com cenário, figurino, atores, figurantes, bilheteria, plateia e adereços característicos da tragicomédia pastelão. Quando desconstruímos esse mito e lançamos as bases para uma reflexão sobre a mitopoética, sabíamos, de algum modo, que a nau das ilusões não tardaria a zarpar. O mito fundador aí está, a narrativa ficcional aí está, as causas e as implicações aí estão. A solidão e o silêncio acompanharão essa barca em sua longa travessia levando a bordo a palavra de Baudelaire: 
As ilusões talvez sejam em tão grande número quanto as relações dos homens entre si e entre as coisas. E, quando a ilusão desaparece, quando vemos o ser ou o fato tal como existe fora de nós, experimentamos um sentimento bizarro, metade dele complicada pela lágrima da fantasia desaparecida, metade pela surpresa agradável diante da novidade, diante do fato real.
Nestes últimos quatro anos você me acompanha nessa cruzada (da qual nem os amigos são poupados de umas espetadas), sabe o que penso, sabe como me posiciono e sabe porque escrevo o que escrevo do jeito que escrevo. Não sei e não tenho como saber o quanto meus textos influenciam suas reflexões, nem se influenciam ou se têm algum efeito posterior. Não importa como você me lê, importa o que faz com a leitura que faz. Então, tomo como meu o conselho de Dante: "Abre tua mente ao que te revelo e retém bem o que te digo, porque não é ciência ouvir sem guardar o que se escuta". Não esqueça que cada postagem não acaba nela mesma, nem peça de quebra-cabeças nem folha morta, são como pratos cheios do  alimento prometeico - o fogo dos deuses, o conhecimento histórico e filosófico trazido da fonte mais pura.

Ufotopia, a utopia dos Ufos, a fantasia, a fábula, a farsa, a falácia, autêntica Quimera -  a criatura mítica híbrida medonha que devora a consciência dos homens. Não entre nessa fossa lúgubre guardada por gárgulas, homúnculos e faunos, uma vez lá só se encontra a saída com muita vigilância, dedicação coragem. Lembra disso? Tenho feito o possível - quase sempre esbravejando - para evitar que você caia nos braços pegajosos dessa coisa nefasta e decrépita e tentáculos traiçoeiros das crendices paridas do pensamento mágico inoculado pelas letras do realismo fantástico, ou maravilhoso, insólito, extranatural, suprarrenal,  das manifestações meta-empíricas¹.

Essa escola literária surgiu nas primeiras décadas do século passado, ganhando força no final dos anos 1950 na América hispânica, mas principalmente na América Latina, juntamente com as novelas de ficção científica e, não por coincidência, o surgimento dos movimentos milenaristas, do messianismo e da filosofia oriental, da cultura do "transcendental", do esoterismo e da New Age numa miscelânea esdrúxula Não vou entrar no quadro histórico do pano de fundo, nos ensaios psicológicos, simbolismos e metáforas nem na massa autoral, que ficam para outro momento.

Ambas as correntes literárias - ficção científica e realismo mágico - unem o mundo fantástico do imaginário ao real do cotidiano em um contexto de verossimilhança: O incomum, o absurdo e o non sense - levitação, entes sobrenaturais, dragões, animais falantes, viagens no espaço-tempo, batalhas interestelares, encontros com civilizações galácticas e todo um repertório de inegáveis representações sócio-culturais que incluem feitiços, milagres, bruxarias, superstições e magia. Acho que você notou parentesco com o universo ufológico.

Não se deixe mais enganar com tanta bobagem disseminada mundo afora por um bando de incompetentes, nem com a mídia popularesca e a internet infestadas de material embusteiro sobre Óvnis e extraterrestres, perpetrado por gente com elevado déficit cognitivo e intelecto empobrecido. Apesar do que diz Santo Agostinho, "Não sacia a fome quem lambe pão pintado", os caçadores de homenzinhos verdes persistem em sua vã perseguição, assim como aqueles que se ajoelham endeusando caricaturas grotescas de 'mestres', 'líderes', 'professores' e 'gurus', de caráter duvidoso, ególatras, raciocínio de batráquio e cultura de mula, vítimas e personagens decadentes de seu próprio analfabetismo espiritualDessa gente eu tenho visceral repugnância e do resto, pena.

É vista como impostura intelectual quando a estupidez (ou desonestidade, ou ambas) vem investida de uma suposta legitimidade conferida por uma pretensa autoridade, e crime de lesa-consciência* quando tal autoridade é notório farsante ou apresenta reais sintomas de psicopatia. Por isso, cuide da sua inteligência e sanidade ficando por aqui, onde estará sempre em companhia dos melhores autores, pensadores e eruditos que enriquecem nosso saber. Fuja do pensamento mágico, do realismo fantástico e outras feitiçarias que não levam a lugar algum, retardam o crescimento e emparedam o intelecto. Fique a bordo desta minha barca para não se afogar nas águas da burrice que aumentam a cada dia (é fato comprovado, está crescendo mesmo!).

* Expressão minha, a meu ver bem adequada.


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¹ FURTADO, F. A Construção do Fantástico na Narrativa. Lisboa, 1980.
TODOROV, T. Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo. 2008.

2 comentários:

  1. "Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos". Nelson Rodrigues.

    "Três grandes forças regem o mundo: estupidez, ganância e medo". Warren Buffet.

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  2. Ah, as quimeras que temos que enfrentar vida afora... Algumas tão reais e tão ameaçadoras que batem à nossa porta de tempos em tempos, a jorrar suas ideias goela abaixo dos incautos, aqueles sem identidade própria e cuja maioria permanece ávida por pertencer a uma tribo que os receba de braços abertos, desde que mantenham a mente vazia para ser preenchida com velhas ideologias, embora recém repaginadas.

    Eu, ovelha negra que sou, nunca consegui me embebedar por tão pouco, haja vista a fonte que jorra suas negras ideias já ter envenenado a tantos... Quisera apenas ser Belerofonte para matar de vez essa besta que continua revivendo seu ciclo eterno de desgraças para uma humanidade que não se cansa de repetir os erros cometidos no passado... Quando iremos, afinal, olhar com seriedade para este planeta, para nosso país, cuidando para que a vida, aqui, seja melhor e mais promissora?

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