Obras

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quinta-feira, 24 de outubro de 2019


O JOGO NÃO PODE PARAR



Você deve estar se perguntando de que jogo estou falando, qual jogo não pode parar se todo jogo deve ter um fim. Nem todos. Não se trata de um jogo comum, de um entretenimento qualquer, embora este tenha, como todo jogo, um prazer embutido. Um jogo de cartas marcadas? Talvez, mas só para uma das partes. Os contendores são muito, muito diferentes entre si  diferentes mas complementares , e só um lado está em larga desvantagem. Um jogo de interesses, de poder e por Poder, sem vencedor, apenas um jogo... jogado. E que diabos os três patetas estão fazendo aí em cima? Só lendo para saber.

De um lado da mesa, os Tolos, que se julgam espertos, e os espertalhões, todos patéticos. Tem de tudo: os que conversam com estrelas, pedras, números, plantas, conchas, cartas e até com o sobrenatural. Acreditam saber sobre tudo, física quântica hiperespaço, portais dimensionais, universos paralelos, viagens interestelares, teletransporte, propulsão iônica ou antigravitacional, vórtices energéticos, antimatéria, contatos com seres de outras galáxias, bases secretas alienígenasteoria das cordas, dos buracos de minhoca” e dos buracos negros, transcomunicação multidimensional e até sobre o “combustível dos discos voadores unumpêntio – o elemento 115 da tabela periódica¹... Para tudo há uma explicação lógica que só os iniciados” compreendem através dos cursos, vídeos, livros, palestras e fóruns proferidos pelos nada modestos professores. Um desses eventos foi comentado aqui na semana passada.

Obviamente, os “argumentos” dessa turma se apoiam em sólidas bases científicas”, o que é uma falácia grosseira, prepotência, obscenidade intelectual, insulto, um lixo de pseudociência. A narrativa dos homenzinhos verdes do planeta vermelho ganhou uma versão contemporânea mais tecnológica.  Obviamente, você percebeu o nível de paranoia. Obviamente não há aqui o menor sinal de lucidez, equilíbrio, estrutura psicológica, por isso estão sempre no subsolo menos iluminado da racionalidade. Obviamente, você percebeu também serem Quijotes vivendo numa bolha povoada de moinhos de vento. O excesso de aspas é uma exigência do texto e vem mais por aí.

Do outro lado da mesa estão os, digamos, Agentes da Desinformação”  autoridades, especialistas, cientistas, doutores, astrônomos, pilotos, militares e técnicos, todos muito qualificados em suas áreas mas que, para os Tolos, não entendem nada da matéria. Essa militância dura denuncia-os por negarem, sonegarem e manipularem informações e por guardarem segredos invioláveis sob a tarja de confidencialaltamente sigilososegurança nacional”, top secret e coisas do tipo. Suspeitam de manterem ligações com altas patentes de civilizações extraterrestres para troca de tecnologia (troca?), de conservarem corpos e destroços de naves alienígenas em prédios militares secretos (secretos?) e outros disparates. Nem Varginha escapou dessa conspirata. Obviamente, você percebeu o nível de paranoia aqui também.

A verdade é que, acredite, ambos os lados fazem o jogo que precisam fazer. Uns, como crianças brincando de pega-pega, correndo obcecados atrás da cenoura só pelo cheiro; os outros, como crianças brincando de esconde-esconde, fingindo que a possuem. Uns achando terem informações ultrassecretas que só eles sabem, os outros sabem que não as têm. Uns se sentem excluídos pelo Sistema, os outros pensam que são o Sistema. Uns e outros não sabem nada do assunto porque não se pode saber coisa alguma de alguma coisa que é só imaginação. Existem dois tipos de pessoas que confundem realidade e imaginação: crianças e esquizofrênicos. Eu acrescento os tolos. Os arquivos privados e os confidenciais não trazem nada que já não se saiba: milhares de relatos inconclusivos, fotografias, filmes e outros registros que nada esclarecem, marcas físicas incomprováveis, transtornos psíquicos de causas prováveis... ou seja, vazio, fumaça, ventania. Uns se iludem penando ter nas mãos uma sequência real de copas, os outros, mesmo não tendo nada, seguem no jogo  é a arte do blefe.

O jogo não pode parar porque um depende do outro para continuar jogando. Os Tolos excitados em vã perseguição a borrões indistinguíveis, balões e luzes boiando no céu, buracos e desenhos bizarros na terra; procuram por homúnculos paridos da ficção, da fantasia e dos delírios, se extasiam na presença de uma “intrigante topografia lunar, marciana, venusiana ou onde mais o imaginário criar. Comportando-se como há 20 mil anos faziam os povos caçadores-coletores, as tribos de hoje caçam espaçonaves e coletam histórias com uma miopia ou falência cognitiva assombrosa. Na verdade, não surpreende. Por sua vez, os astutos Agentes, com o glamour de um poste, blefam para manter o statu de detentores do grande segredo”. Então, se conhecimento é poder, esses jogadores duelam para ver quem é o mais imaturo e o mais patético.

Agora me responda, quem você acha que é o terceiro pateta nessa história?

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Na tabela periódica, o elemento 115 é oficialmente denominado Moscovium (Mc), sintetizado em 2014 por cientistas russos e americanos. 

2 comentários:

  1. Oi Carlos.
    Como eu já disse outras vezes, você tem se transformado em um mestre da escrita e é notável a forma como conduz seu raciocínio. Parabéns, de novo. Mas, entrando no cerne de sua reflexão, é importante dizer que, como parte do jogo, tanto um lado como outro pode ser o vencedor. A vida nos oferece partidas o tempo todo, para que conheçamos as regras, entendamos o jogo e suas consequências. Nem sempre ganhamos, nem sempre perdemos, mas nos mantemos em campo para crescer, burilar o pensamento, aprender... Vencer é lucro, perder é incentivo para se adquirir habilidade e conhecimento para um próximo jogo.
    Coloco-me sempre ao lado do pensamento socrático, base da civilização ocidental e oriento-me pela frase atribuída a esse excepcional filósofo grego, “Só sei que nada sei”, para seguir em frente. É assim que mantenho a mente aberta para a necessária aprendizagem que nos impede de estagnar. Assim, querido amigo, sua pergunta final não tem uma única resposta, e mesmo aqueles que creem não precisam ser o terceiro pateta... Acredito que o grande valor de sua mensagem está em sacudir as ideias e propor um eterno reordenar de nossas convicções. E nessa estratégia, você joga como um vencedor.

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  2. Que pancada, senhor Reis! É evidente que o teatro ufológico trará novos espetáculos coerentes com sua incoerência.

    Entre todo o amontoado de igrejinhas, capelas e religiões, o templo da ciência é o único aberto e frequentado por todos, que acerta mais do que decepciona.

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