Obras

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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

FAZER OU FICAR
Toda janela é um recorte do mundo.

Se você tem prestado atenção ao que tenho escrito aqui todo esse tempo usando a ufotopia como pano de fundo, e, principalmente, se tem lido nas entrelinhas com olhar profundo  e espero que sim , então terá entendido que o que estou pedindo é que saia da zona de conforto das velhas convicções e velhos conceitos, e pare de ver o mundo pela janela embaçada que mostra sempre a mesma paisagem. Sei, entretanto, que não é fácil fazer isso, é preciso tempo e muita, muita coragem. Não sei se você tem as duas coisas. Provavelmente uma delas não.

Este talvez seja o post mais importante já escrito aqui. Tenho me repetido em vários momentos com a intenção clara de dizer o mesmo de modos diferentes, com outras palavras, outros exemplos, outra linguagem. A ufotopia é só o eixo por onde rodopiam os argumentos e as ideias que realmente interessam. Crer ou não em “disco voador” e outras abstrações é o que menos importa. Importa é saber que existem outros caminhos para crer ou não crer a partir das linhas de reflexão que ofereço, e só posso oferecer o meu patrimônio, lapidado em quase cinco décadas pelos ensinamentos, experiências e vivências daqueles investidos da autoridade de direito. Ainda que esse saber esteja sujeito a revisões, ele é sólido, honesto, tem peso e o mérito de jogar luzes onde antes nem sombra havia. Sim, eu sei, é a minha trajetória, não a sua, e é isso que me impele retransmitir essas luzes. Você fará uso delas se e como lhe convier. Essa caminhada não tem descanso nem janelas, só largos horizontes, que compartilho com quem vem na mesma trilha, e esses são poucos.

Parece que a pergunta final da edição anterior incomodou algumas pessoas. Um jovem leitor ensaiou um debate, mas só ensaiou. Toda divergência de opinião é saudável desde que o interlocutor sustente o contraditório em bases firmes, com conhecimento e experiência, o que não foi o caso, o que aliás ocorre com enfadonha frequência. Todo debate só prospera quando há equilíbrio de forças, mas se a parte com menor repertório tenta fazer prevalecer sua posição, observa-se um nítido desnível de conteúdo. Nota-se também uma indisfarçada impaciência, que aborta o diálogo antes de começar. 

Exemplo: Se você discorda de algum ponto da argumentação de Freud, Einstein ou Spinoza, você só pode manifestar sua visão contrária se somar experiência, prática e estudo no mesmo nível deles, ou esse encontro será pobre, pequeno, triste, amador, inoportuno, inútil e pouco inteligente. Um estudante de Direito não deve divergir de um decano da Corte de forma leviana, assim como um médico recém formado não tem a mesma estatura de um catedrático da área. É fundamental preparo e rigor intelectual, senso crítico e solidez discursiva que façam frente à envergadura oposta. Agir de modo diferente pode ser entendido como uma afronta imperdoável.

É preciso haver um limite entre discordar de uma ideia, pura e simplesmente, e emitir a opinião discordante sem o devido lastro. Lembrou-me o colega Ubirajara Rodrigues a alegoria do bule de chá do filósofo e matemático Bertrand Russell para debater a existência de Deus. Perfeitamente cabível aqui, é usada com frequência em discussões metafísicas. Carl Sagan aproveitou a ideia e escreveu em uma de suas obras que havia um dragão em sua garagem. Diz Russell:
Muitos indivíduos ortodoxos dão a entender que é papel dos céticos refutar os dogmas apresentados  em vez dos dogmáticos terem de prová-los. Essa ideia, obviamente, é um erro. Eu poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um bule de chá chinês girando em torno do Sol em uma órbita elíptica, e ninguém seria capaz de refutar minha asserção, tendo em vista que teria o cuidado de acrescentar que o bule é pequeno demais para ser observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas, se afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada, seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com razão pensariam que estou falando uma tolice. Entretanto, se a existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todo domingo e instilada nas mentes das crianças na escola, a hesitação de crer em sua existência seria sinal de excentricidade e levaria o cético às atenções de um psiquiatra, numa época esclarecida, ou de um inquisidor, numa época passada.
O jovem leitor, refém de suas crenças, domesticado e condicionado como tantos outros iguais a ele, e outros nem tão jovens, questiona um saber contrário imaginando que a sua experiência seja superior à competência do outro  no caso, a minha. Não é. Essa assimetria de pensamento é estrutural. Se lhe falta a malícia do raciocínio lógico formal, a prudência e o crivo sensível da demanda, sobram ingenuidade, inabilidade e aderência ao absurdo  o Absurdismo, a coerência da incoerência, característica da espécie humana: o dilema de buscar o sentido da vida quando não há sentido algum, o conflito entre o mundo real e o ideal, a difícil escolha entre o físico e o metafísico –fé e razão.

O risco de se entregar cega e docilmente ao carcereiro é tornar-se escravo dele. O outro risco, mais sutil e mais danoso, é o de não perceber que caiu na armadilha. A dinâmica do sistema de crenças dominante na ufologia segue a cartilha estereotipada pela ficção e irrigada pela religião. De certa forma, a ufologia, sendo um sistema vicioso de crença, opera como uma espécie de auto-ajuda para o adepto. Trocando em miúdos, os mais culturalmente subnutridos seguem acreditando que é o rabo que abana o cachorro, ou que o Sol nasce quando o galo canta. Assim, como Sísifos modernos, essa gente, ao desafiar e contestar a lógica dos fatos, é condenada pelos deuses a carregar inutilmente nas costas o fardo do absurdo. 

Mitologias à parte, a filosofia do absurdo adotada neste caso é a de que, não havendo provas da não existência de algo, prova que esse algo existe: Como não se pode provar que o unicórnio cor-de-rosa invisível não existe, prova que o unicórnio cor-de-rosa invisível existe! E assim continuam rolando pedras montanha acima, mesmo que elas rolem montanha abaixo depois. Evocar Sócrates com Só sei que nada sei” pressupõe, no mais das vezes, um ato de fuga ao debate. Se fosse levada à letra, o mundo continuaria mergulhado na ignorância. Há muita sabedoria no ar, mas só chega a ela quem não se detém na janela. Até onde vai seu horizonte?

Aos futuros candidatos a debate, jovens ou não, recomendo enfaticamente: Imersão total e absoluta na matéria pelo tempo que for necessário; Senso crítico apurado e autocrítica rigorosa; Estudar as disciplinas envolvidas e as que acharem que não estão, porque estão; Não colecionar revistinhas temáticas, recortes de jornal, documentários sofríveis, filmecos e fotos borradas, entrevistas e falas de celebridades como agentes da verdade; Amadurecer as reflexões, que pode demorar muito; Vivenciar e conhecer intensamente o outro lado da questão, que também pode demorar alguns bons anos; Ouvir o contradito de maneira ética, flexível e imparcial; Ignorar a massa do senso comum, inclusive e principalmente as redes sociais; Ter em mente que o conhecimento não cai no colo e não sai de graça, sabendo escolher fontes confiáveis e de excelência; Não pular nenhuma destas práticas sob qualquer pretexto. Nenhum aprendizado se faz espiando por cima dos ombros de alguém. Conhecimento é suor, não aventura.

Um comentário:

  1. "Sim, eu sei, é a minha trajetória, não a sua, e é isso que me impele retransmitir essas luzes".

    Opa, epa! Como assim, seu Reis? Será essa "trajetória" o que se chama destino? Sua trajetória o impele a compartilhar suas luzes, mas também o impede, já que sua conclusões são apenas suas. Se há destino, quem ou o que nos destinou? Estou cada dia mais inclinado a aceitar que nascemos programados; escolhemos certos rumos, não todos. Parece claro que ninguém é dono da própria vida.

    Abraço.

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