Obras

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terça-feira, 31 de março de 2020

OS NOVOS  CAVALEIROS


Ainda no contexto do post anterior, face à paisagem atual do mundo, quero falar sobre algumas figuras que chamam atenção, não que não o fizessem antes, mas porque agora aparecem com mais intensidade. A realidade ainda não chegou até elas, não lhes aplicou um bom direto no queixo, não golpeou o fígado de jeito, não deu uma bicuda nas canelas, mas deve dar um belo pontapé nos fundilhos. A história de hoje fala das novas bestas do apocalipse pós-moderno, cavalgaduras cuspidoras de fogo paridas dos tártaros da terra, trotando excitadas por planícies e planaltos, tropeçando em si mesmas, engasgando com a própria língua, confundindo-se com suas montarias - um burro, um asno, um jumento e uma mula. 

A primeira morde e distribui coices afugentando os indesejáveis de seus domínios, protegendo seus filhotes e a manada confinada e cada vez mais isolada no fundo do estábulo, mas com boa provisão de alfafa. Para ela, tudo o que acontece do lado de fora é balbúrdia histérica dos amedrontados bichos da floresta. A segunda besta, fumegando pelas narinas, rumina delirante que tudo não passa de uma sórdida trama arquitetada pelo poderio econômico do Leste para sujeitar o mundo à sua tirania, dizimando a velharada inútil e preservando a vigorosa força jovem de trabalho. 

O terceiro quadrúpede é o pastor vigarista que cura falsos inválidos, farsante que faz cego enxergar e moribundo levantar do leito de morte, milagres espúrios em troca de de generosas “doações”. Na hora da verdade, omite-se, escafede, refugia-se no porão lamacento de sua igrejinha de plástico. Por último, o místico, o esotérico desocupado que nas horas vagas - e são muitas - apressa-se em evacuar mensagens de “esperança” e “fé” vindas do além-Terra, do Ente Celestial Supremo, da Centelha Divina ou, na sua falta, dos pleiadianos* que virão nos socorrer. De fato, a cavalaria não tem escrúpulos, vergonha e responsabilidade. De fato, não precisamos desses delinquentes morais.

Não, não estamos (ainda) às portas de um apocalipse, embora o quadro seja dramático. É verdade também que a dinâmica se inverteu: da hiperatividade ao tédio, da multitarefa ao ócio, do abraço ao recuo, do encontro ao abandono, da pressa à paciência, da agitação à reclusão, da liberdade à clausura. Não é esse o mundo que queremos, mas a noite será longa, e o depois, uma incógnita. Será com sofrimento, dor, sacrifício, criatividade e sabedoria que sairemos dessa agonia, como sempre. Já tivemos dias piores. Dito isto, quero deixar alguns conselhos a esses Príncipes do Hades¹ portadores de todo tipo de desventura. Desde Freud se sabe que entre sanidade e demência não há divisão, mas uma linha de continuidade. É disso que se trata.

Ao primeiro, digo que as nações precisam de líderes autênticos comprometidos com o bem-estar do seu povo, conduzindo-o com grandeza, serenidade e destemor por caminhos pedregosos, e não de celerados iracundos brandindo clavas a esboroar cabeças causando insegurança, tensão e medo. Ao segundo, ressentido inútil, sugiro ficar de boca fechada para não infectar ainda mais as samambaias e os cães pulguentos, seus devotos. Uma quarentena de silêncio até sua obsolescência virar banquete de urso é desejada.

Ao terceiro recomendo deitar as patas dianteiras ao chão e cultuar seu umbigo, quem sabe consiga a improvável autocura de sua canalhice impostora. Por fim, ao sabujo do “Astral Superior”, apesar do imenso vazio entre suas orelhas, digo que a crença não está na deidade imaginária que só acolhe os virtuosos à espera (esperançarda salvação, porque a tragédia é para todos; a verdadeira fé está no conhecimento - ciência, na força e na capacidade de superar o revés aceitando-o como processo irreversível da natureza. Portanto, faça certo o que tiver de fazer agora, ainda dá tempo, porque não há segunda chance. Qual parte do “seja decente” eles não entenderam? A realidade não é para covardes e principiantes.

Os novos cavaleiros, agentes da degradação e desagregação humana, possuem nomes que revelam sua pobreza e mediocridade: Estupidez, Ganância, Falsidade e Alienação, conduzidos por Injustiça, Vaidade, Inveja e Vilania. Saibam, todos, que a barca de Dante vos aguarda para levá-los de volta ao lugar de onde nunca deveriam ter saído.


¹Hades - Reino dos mundos inferiores - o subterrâneo, o limbo, as trevas.

Um comentário:

  1. "Os novos cavaleiros, agentes da degradação e desagregação humana, possuem nomes que revelam sua pobreza e mediocridade: Estupidez, Ganância, Falsidade e Alienação, conduzidos por Injustiça, Vaidade, Inveja e Vilania. Saibam, todos, que a barca de Dante vos aguarda para levá-los de volta ao lugar de onde nunca deveriam ter saído".

    Outro texto magistral, cuja lucidez espanca a realidade examinada.

    Abraço.

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