Obras

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quinta-feira, 4 de junho de 2020

WE ARE THE WORLD

WE ARE THE WORLD


Logo após ter publicado o post da semana passada, reli o texto tentando detectar algo que pudesse ter me escapado ou que não foi dito e precisasse ser feito. O texto tratou dos efeitos provocados por um endurecimento das relações humanas, mas, qual a causa dessa tensão, onde ela está? A causa está presente ao longo de muitos escritos (os links te levarão a alguns deles). Ela não está escondida atrás do muros, não está camuflada na floresta, ela caminha pelas ruas, está em todos os lugares, o tempo todo, como sempre esteve, só que agora mostra as veias abertas (Inimiga íntima).

Estou colocando o mundo sob a minha lente, para não ser acusado de apontar o dedo para este ou aquele país, este ou aquele mandatário, este ou aquele personagem. No meu campo de análise cabem todos, sem exceção, e isso inclui nós dois, você e eu. O tamanho desse campo é do tamanho do mundo, e me esforço para encaixar a análise - o mais judiciosamente possível - nesse espaço tão exíguo do blog. O que os fatos expõem à luz do dia é a completa desconstrução do bom senso, da ética, do respeito, da racionalidade, das estruturas social e institucional em todas as esferas. 

O mundo é movido pelas sociedades, que são movidas pelos indivíduos, que são movidos por... eles mesmos! O sujeito é o primeiro elo dessa "cadeia falimentar" que leva, com seus atos, impulsos, ideias e, principalmente, desmandos, àquilo que está estampado com todas as letras na outra ponta da linha: mentiras, agressões, hostilidade, ameaças, falsidades, calúnias, intimidações, atentados, conluios... (A quem interessa?). E olhe que nem falei da pandemia que potencializa tudo isso, nem recorri aos melhores autores e trabalhos que legitimam essa tese. Não importa em qual hemisfério você vive, o cenário é exatamente o mesmo aí também (Poética de um pesadelo). 

O ser humano é incapaz de impor limites aos seus desatinos, ignorando que ele mesmo será alvo no retorno. Usa todos os recursos que a sua inteligência criativa lhe proporciona para obter vantagens em qualquer terreno, porque é da sua natureza, como qualquer predador do reino animal (A diferença é ser humano). Quais recursos? Ora, se estamos na era da comunicação - imprensa, imagem, linguagem, tecnologia digital - o mercado está aberto aos manipuladores da informação (A dimensão social da palavra). Estamos na era das fake news, da pós-verdade e da auto-verdade. Os fatos deixaram de ser fatos para se tornarem "versões", como se fosse possível uma banana mudar de forma, nome e sabor para se tornar qualquer outra coisa que não banana. A realidade não brinca em serviço, não faz-de-conta, não usa maquiagem, não doura a pílula, não se veste de Arlequim, ela bate, de frente e duro, sem misericórdia. De que adianta amarrar os sapatos quando o Titanic está afundando? Não entendeu? Vai entender.

Vejo com muita preocupação um estranho sinal no horizonte. Há uma tecnologia absolutamente revolucionária, diria até, perigosamente revolucionária - a deep fake.* Utilizando a inteligência artificial, o programador aplica o rosto de uma pessoa, por exemplo, do ex-presidente Barack Obama, com todos os trejeitos e esgares, além da voz, à face de outra pessoa, reproduzindo o discurso na "pele" deste modelo. O resultado é extraordinário, e é aí que mora o meu temor. O que poderia ser apenas uma notável técnica para a indústria do entretenimento (cinema, videogames) a tecnologia ultrapassa exponencialmente as fronteiras da razão, da ética, da responsabilidade, da privacidade e da segurança nacional, pessoal e coletiva, se usada ilicitamente. E não nos enganemos, é o que vai acontecer, se já não está.

Imagine um "ditador" aparecendo em cadeia nacional convocando sua força militar para invasão ao país vizinho. Ainda que não passasse de uma fake, as consequências poderiam ser catastróficas. Em mãos criminosas - e elas proliferam - tal instrumento terá um poder imprevisível. Você pode achar um exagero meu até presenciar ou ser vítima dessa trucagem, tanto quanto pode pensar que a contaminação do vírus é uma possibilidade remota até chegar a sua vez de esperar por vaga numa UTI lotada.

Reitero algumas coisas escritas em posts anteriores reforçando a minha posição e a sua percepção para que não venha me cobrar depois. Continuo muito atento aos movimentos do mundo, ainda que muita coisa me possa escapar. Não é prudente chegar ao fundo do poço para descobrir que é fundo e não ter corda para sair dele (O poço, a mensagem). A História é cíclica, já deu mostras suficientes do quanto erramos, e, além de não aprendermos a lição, persistimos nos erros. O mal não precisa mais de armas, bombas e outros aparatos, ele mora em nós (A pele que me habita), só aguardando a ordem - nossa voz, nosso grito, nosso urro - para agir.


Ah, sim, claro, você vai dizer que só pego pesado com o ser humano, que só vejo sua face horrenda, seus atos monstruosos, não é mesmo? Pois é, acontece que essa é a parte mais difícil de admitir, por isso insisto tanto que devemos aceitá-la. A única maneira de enfrentar nossas fraquezas é reconhecê-las. As virtudes, os sentimentos mais nobres e elevados, a "transcendência" do ser, tudo isso é exterior a ele, é cultural, socialmente adquirido, circunstancial, não inerente, não natural, alheio à sua essência.


Para rejeitar esse lado obscuro da sua biografia, e não sofrer com isso, ele cuida de apagá-lo da memória elegendo divindades e suas hostes para consolo do espírito, adotando o pensamento mágico como sustentáculo da sua existência. Acreditando estar a salvo pelas deidades, põe-se abstraído e feliz a cantarolar We are the world enquanto o Vesúvio despeja uma chuva de fogo sobre sua cabeça.  Entendeu agora?


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